“Kim”, de Rudyard Kipling (Companhia Editora Nacional, tradução de Monteiro Lobato, 299 páginas, publicado originalmente em 1901): considerada a obra-prima do inglês Kipling, Nobel de Literatura de 1907, “Kim” conta a história da personagem-título, um garoto órfão morando na Índia, filho de um soldado inglês e de uma irlandesa que morreram na miséria. De esperteza e inteligência incomuns, o garoto tem contato com um enorme número de pessoas, passando por inúmeras aventuras. O estilo de Kipling é um pouco truncado – a história passa de um acontecimento a outro de forma frequentemente brusca –, mas “Kim”, pela descrição vívida que faz da vida na Índia, merece toda a fama que tem.
“Kurt Cobain and Nirvana - Updated Edition: The Complete Illustrated History”, diversos autores (Voyageur Press, 208 páginas, publicado originalmente em 2013): ricamente e ilustrado, o livro se concentra mais na história da banda de Kurt Cobain do que no seu vocalista e guitarrista, e tem detalhes muito interessantes – como textos em separado sobre cada álbum do Nirvana e pequenos comentários sobre cada um dos cinquenta discos preferidos do compositor de “In Bloom”. Um prato cheio para fãs e um livro tão bonito que pode perfeitamente servir de enfeite na sala.
“Essa gente”, de Chico Buarque (Companhia das Letras, 200 páginas, publicado originalmente em 2009): Manuel Duarte é um escritor que fez muito sucesso em seu livro de estreia, mas que está com a carreira estagnada e, pior que isso, numa crise criativa. Com idas e vindas, “Essa gente” tem trechos muito engraçados e outros de uma amargura sutil – principalmente quando fala da virada à direita que o país deu nos últimos anos. Por sorte, como grande escritor que é, em “Essa gente” Chico Buarque fugiu totalmente da literatura puramente política e escreveu (mais) uma pequena obra-prima.
“A vida escolar de Jesus”, de J.M.Coetzee (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira, 227 páginas, publicado originalmente em 2013): já escrevi aqui sobre “A Infância de Jesus”, primeira parte deste livro: “não dá para entender o que o grande J.M. Coetzee (Prêmio Nobel de 2003) quis dizer com esta história (...). David tem alguma coisa a ver com Jesus Cristo? O que exatamente ele tentou mostrar com a ilha distópica do romance, onde as pessoas se esquecem do seu passado? Por que David e Inés são tão irritantes?” Continuo sem entender o que J.M.Coetzee quer com esta história – nesta continuação, David vai para uma aula de dança ao invés de estudar como as outras crianças -, mas, pelo menos, quando comecei “A vida escolar de Jesus” eu já estava esperando ler um livro muito estranho.
“Cat person e outras histórias”, de Kristen Roupenian (Companhia das Letras, tradução de Ana Guadalupe, 251 páginas, publicado originalmente em 2019): publicado na revista New Yorker em 2017, o conto que dá nome a esta coletânea – que conta a história de uma moça que faz sexo sem vontade com um homem mais velho com quem estava flertando - fez furor no mundo inteiro (procure por “Cat person” na internet para saber do que estou falando). Os doze contos do livro são extremamente bem escritos e prendem a atenção do leitor – mas a autora frequentemente exagera nas tintas sombrias.
Se Bach e Nick Drake só foram reconhecidos como gênios depois de mortos, isso absolutamente não aconteceu com o vocalista e líder do Nirvana, Kurt Cobain. Quando do lançamento de “Nevermind”, em 1991, a crítica e o público logo reconheceram que o que estava acontecendo ali não era algo “normal”, por nenhum padrão: uma banda alternativa chegando no primeiro lugar das paradas, e ainda com canções reconhecidas como geniais por quase toda imprensa especializada, não era algo que acontecesse todo o dia.
Quanto a mim, eu era meio que o personagem de “In Bloom”, faixa de “Nervermind”: “ele é aquele que gosta de todas as canções bonitas / e gosta de cantar junto / (...) / mas não sabe o que significa”. Passei o verão de 92 ouvindo “Nevermind” ininterruptamente – entrei de cabeça na onda mundial.
Só ano passado que resolvi ouvir a sério as músicas do Nirvana – tentando entender o que elas significam, inclusive – e fiquei impressionado como a banda era muito melhor do que eu pensava. Um som forte, com letras complexas e profundas – um clássico eterno.
Neste contexto a leitura da biografia de Kurt Cobain, “Mais pesado que o céu”, de Charles R. Cross (Globo, 450 páginas, tradução de Cid Knipel), lançado originalmente em 2001, é um excelente complemento para a obra dele.
Nascido em Aberdeen, estado de Washington, em 20 de fevereiro de 1967, Kurt Cobain era de uma família de classe média baixa, e aparentemente viveu feliz até a separação de seus pais, quando ele tinha nove anos. Depois disso, ele passou por vários momentos difíceis, tendo sido jogado daqui para lá por vários parentes, e morado por muitos períodos em seu carro. Sua vida teve uma rica sucessão de acontecimentos e esquisitices – morou com uma namorada em um apartamento onde criava gatos, coelhos e outros animais, por exemplo.
O sucesso acabou chegando mesmo, e de forma avassaladora, com “Nevermind”, seu segundo álbum, depois de “Bleach”, de 1989. Kurt Cobain parecia tanto gostar de vender milhões de cópias como não gostar, sinal de sua personalidade extremamente complexa, que fez com que, por exemplo, tenha se viciado em heroína aparentemente por uma decisão racional. Mesmo seu suicídio, em 1994, parece ter sido uma decisão totalmente pensada.
É engraçado ouvir novamente uma música que você gostava muito depois de alguns meses, ou anos, sem ouvir: a experiência pode ser emocionante, ou frustrante. No caso de “New Rules”, grande sucesso de Dua Lipa que está chegando em dois bilhões de visualizações no YouTube, a surpresa foi fantástica: ela era ainda muito melhor do que eu lembrava, um verdadeiro clássico moderno.
A experiência de ouvir de novo “New Rules” me fez imaginar este texto, chamado pomposa e falsamente de “As melhores músicas de todos os tempos”, e fiquei pensando numa nova lista de músicas preferidas – sim, eu amo listas.
Durante muitos anos eu dizia para todo o mundo que a minha música preferida era o último movimento do ciclo de “A canção da terra”, de Gustav Mahler, chamado de “O Adeus” (Der Abschied). A edição que eu tinha, ainda em vinil, era com a Jessie Norman como solista deste incrível lied sinfônico – triste, lento e poderoso – com a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis. Lembro como se fosse hoje que fiquei uns quarenta minutos na loja me perguntando por que eu queria comprar este disco só pela capa – que é linda mesmo, como se pode ver pela imagem que acompanha este texto.
Já tinha tentado gostar de Nick Drake, indicado por um conhecido, mas só quando ouvi “Day is done” compartilhado pelo meu amigo Arthur Vicente Cordeiro entendi por que este cantor que não fez sucesso em vida, mas que é adorado hoje, é tão bom. Eu ouvia sem parar a faixa achando que iria parar de gostar dela – eu já tinha tentado gostar de Nick Drake, né – mas nunca rolou de eu deixar de amar "Day is done", até hoje.
Postei recentemente que “You know you’re right”, do Nirvana, era minha música preferida, então ela tem que ser citada aqui. Antes dela, minha preferida era “Boxers”, de Morrissey, também lembrada. Sou meio obrigado a colocar Ashley All Day em qualquer lista que eu faça, e “Obsessed”, com Kiiara, é a lembrada da vez.
“rockstar”, com Post Malone e 21 Savage, é outro sucesso monstruoso na linha de “New Rules” - com todo merecimento, aliás. O videoclipe da canção, cheio de sangue assumidamente falso, é outro clássico.
Lembro como se fosse hoje do choque que tive ao ouvir o início de “CtrAltDelete”, de Bones, que, sem exagero, se repete a cada nova ouvida desta maravilha – um caso raro de clássico instantâneo do Elmo que não tem videoclipe. Ainda no assunto “exagero”, confesso que lacrimejei diversas vezes ouvindo a ária “Ach, mein Sinn”, da Paixão Segundo São João de Johann Sebastian Bach.
Finalmente, “Oh yeah”, do Roxy Music, é a “nossa música”, minha e da Valéria Müller, a quem eu amo exageradamente.
Haha, ficou brega esse final. Não pelo exagero do amor, mas “nossa música” é coisa de gente brega.
Aqui está o link para a playlist no Spotify: https://open.spotify.com/playlist/5Zz91ZHuYgezfzLOc8QuIQ?si=qPO0EdStTZC-xfTUiDXhDw
Na minha - extremamente limitada - paisagem musical, o ano de 2019 apresentou algumas novidades, mas não muitas.
Entre as descobertas, foi bacana sacar que a Grã-Bretanha consegue fazer música pop de qualidade equivalente ao que se pratica do outro lado do Atlântico, com Ellie Goulding, Anne-Marie e Clean Bandit (Dua Lipa não vale, porque virei fã dela ano passado).
Foi também um ano de duas redescobertas, Roxy Music e Nirvana - bandas que não ouvia direito há décadas - e de uma descoberta, Drake, de quem eu sempre tinha gostado de algumas poucas músicas. Outro que comecei a ouvir com mais cuidado em 2019 ano foi o DJ Marshmello.
Quanto à música clássica, foi um ano quase que só ouvindo teclados: cravo e piano com o compositor François Couperin, e diversos compositores com o pianista Ivo Pogorelich.
Nada de grandes novidades na minha lista de músicas preferidas lançadas em 2019, apresentada lá embaixo neste texto. Selena Gomez anunciou que lançará seu disco novo no início do próximo ano, e as duas faixas já disponíveis são lindas: “Lose to love me” foi seu primeiro single a alcançar o topo da Billboard, e está no topo da minha lista também; “Look at her now” tem um clipe lindo. “DontLookDown” é uma das melhores faixas da vida do Bones, dá pra se ter uma ideia do que é isso? “METHHEAD LIFESTILE” é um rap coletivo alucinado que tem o grande Lil Darkie como destaque - agradeço Leonardo Gama, sempre me apresentando coisas maravilhosas. “7 rings” é provavelmente a melhor faixa da vida de Ariana Grande, e “Heartless” é um sinal de que o próximo disco de Weeknd vai ser um petardo. Morrissey lançou um disco de covers muito bom, “California Son”, mas eu gostei mais de suas músicas autorais novas, como este “Brow of my beloved”. O nothing,nowhere. lançou um EP com o baterista do Blink 182, e “destruction” é citado na minha lista. Fiquei chateado por não terem entrado na minha relação “Money In The Grave”, de Drake e Rick Ross, e "Get Like Me", de Bhad Bhabie com NLE Choppa - mas tudo bem, foram lembrados aqui.
Finalmente, minha lista de preferidas, definida anteontem, já tinha “Fast”, de Juice WRLD, que acabou falecendo hoje. Rest in peace.
A lista segue abaixo. Clicando nos títulos estão os links para os videos no YouTube, e logo abaixo o endereço da playlist correspondente no Spotify.
O endereço da playlist no Spotify está aqui.
Se a polícia política chegasse aqui e eu fosse obrigado a me exilar, levando apenas doze livros de casa, eu acho que eu levaria esses:
- “Heavier than heaven – Mais pesado que o céu: Uma biografia de Kurt Cobain”, de Charles R. Cross (Globo Livros, 456 páginas): a biografia do líder do Nirvana (estou no meio da leitura), me lembraria de uma impressionante história do rock, assim como
- “Atravessar o fogo - 310 letras de Lou Reed” (Companhia das Letras, 792 páginas): uma edição com as letras do líder do Velvet Underground (no original e traduzidas para o português), algumas das quais citei no meu livro “Rua Paraíba”, ainda não publicado. Antes que me perguntem, não existe um livro semelhante com as letras do Morrissey aqui no Brasil;
- “En una noche escura - poesía completa y selección de prosa”, de San Juan de la Cruz (Penguin Clásicos, 560 páginas), que ainda não li, mas que serviria para eu treinar meu espanhol - além do que a poesia do santo carmelita é maravilhosa;
- “Alcorão Sagrado”: conheço outras versões do livro sagrado dos muçulmanos, mas nenhuma tão linda como a tradução de Samir El Hayek, publicada na coleção “Livros que mudaram o mundo”, da Folha de São Paulo. Além disso, a edição, com 700 páginas, tem mais de 2500 notas;
- “Bíblia Sagrada”, da NVI (Nova Versão Internacional – Editora Vida, 1640 páginas), com letra grande e linguagem bem mais acessível do que a maioria das que se encontram por aí;
- “Légendes de Catherine M.” (Denoël, 240 páginas), em que o marido de Catherine Millet – crítica de arte e autora do escandaloso e autobiográfico “A vida sexual de Catherine M.” – posta fotos da esposa, nua, e as comenta;
- “Machado de Assis – Obra Completa – Volume 1 – Romances” (Companhia Nova Aguilar, 1216 páginas): o bacana do mais importante escritor brasileiro é que ele faz comentários geniais em cada página - o que acaba incentivando bastante a releitura. Reler é útil num exílio, o que fez me lembrar também de
- “La Chartreuse de Parme”, de Stendhal (Éditions du milieu du monde, 676 páginas), provavelmente o único romance que li quatro vezes;
- “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood (Rocco, 368 páginas): preciso confessar que gostei mais da série “Handmaid’s Tale” do que do romance que lhe deu origem. Mas o mundo que a escritora canadense criou é assombroso e distópico – e são livros que eu teria que levar e não séries para TV, não é?
- “Oeuvres”, de Diderot (Bibliothèque de la Pléiade, 1448 páginas), edição que amo tanto que até já fiz um texto sobre ela no meu blog;
- “Poemas”, de Friederich Hölderlin (Companhia das Letras, 216 páginas): vou querer levar comigo o meu poema preferido, “Aos jovens poetas”:
“Irmãos! Talvez a nossa arte logo amadureça
Porque, como o jovem, de há muito fermenta para
Chegar logo à tranquila beleza;
Sede só piedosos, como o grego era!
Amai os deuses, pensai nos mortais com afeto!
Ebriez e frieza, lição e descrição: odiai-as
Todas e, se o mestre vos der medo,
Pedi conselho à grande Natureza.”
- “O verão de 54 (novelas)”, de Fabricio Muller (Appris, 222 páginas): ah, que se dane.
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