Um dos melhores livros que já li é “A interpretação dos sonhos”, de Sigmund Freud, o criador da psicanálise, publicado orginalmente em 1900. Gostei tanto da obra que uma vez minha filha psicóloga comentou comigo que, quando falava em psicologia, eu praticamente só citava este livro. O perigo de ser o leitor de um livro só.
Para tentar me aprofundar um pouco mais sobre o assunto li recentemente três livros sobre Freud e seu método.
Na adolescência eu gostava muito das coleções “Primeiros passos” (sobre temas gerais) e “Encanto radical” (de biografias), da Editora Brasiliense. Eram livros de bolso com pouco mais de cem páginas cada um, e alguns dos meus preferidos foram aqueles sobre Anarquismo, Punk, James Dean e Marcel Proust.
Da coleção "Primeiros Passos" e lançado originalmente em 1984, “O que é psicanálise” está longe de ser um livro voltado para um desconhecedor do assunto. Com linguagem empolada, o livro, escrito por Fábio Herrmann, parece feito sob medida para especialistas em psicanálise. Um trecho pego meio aleatoriamente dá uma ideia da coisa:
“A sexualidade, então, há de ser entendida pelas qualidades do apelo que seu objeto exerce. Trata-se, em primeiríssimo lugar, de um recorte apropriado do real, duma área bem delimitada e especial, comparável ao quadrado da janela alheia, no caso do exibicionismo-voyeurismo. Em segundo lugar, para que o apelo ganhe máxima eficiência, para que alcance o fascínio, será requerido um equilíbrio adequado dos componentes do atrativo.”
Muito melhor é “Freud básico – pensamentos psicanalíticos para o século XXI”, de Michael Kahn (BestBolso, 238 páginas, tradução de Luiz Paulo Guanabara, publicado originalmente em 2002). Neste caso o autor descreve de maneira bastante acessível os principais aspectos da obra de Freud e comenta o estado atual da psicanálise.
Minha ideia, quando resolvi escrever este texto, era comentar apenas sobre os dois exemplares citados acima. Mexendo na minha prateleira acabei vendo outro livro que li recentemente e que tinha comprado nos anos 1980: “Conheça Freud”, livro em quadrinhos com roteiro de Richard Appignanesi e ilustrações de Oscar Zarate (Proposta Editorial, 175 páginas, sem indicação de tradução). De fato, este livro é uma boa introdução para quem não sabe nada sobre Freud!
Seinfeld e a Filosofia – Um Livro Sobre Tudo e Nada (coletânea de William Irwin, 205 páginas) é o novo lançamento da coleção sobre filosofia e cultura pop da Editora Madras – o Bacana analisou outros dois outros livros desta coleção. Para fãs do seriado ou de filosofia o livro – uma coletânea de artigos filosóficos, escritos por diversos autores – é um achado. A primeira parte de Seinfeld e a Filosofia[chamada de “Ato I, Os Personagens”] é uma das mais saborosas: cada um de seus artigos trata de um dos quatro personagens do seriado. “Jerry e Sócrates: A Vida Examinada”, de William Irwin, compara o método de perguntas e respostas de Sócrates com as perguntas que Jerry Seinfeld costuma fazer a seus amigos. A conclusão do artigo é que, se aquele tinha intenções sérias com seu método, este só quer analisar fatos banais do dia-a-dia. “A Busca Frustrada de George pela Felicidade: Uma Análise Aristotélica”, de Daniel Barwick, estuda o comportamento de George Constanza conforme o método de análise ética de Aristóteles. O resultado, como se pode prever, é desastroso para o personagem do seriado. Interessantíssima é a análise que Sarah E. Worn, em “Elaine Benes: Ícone Feminista ou Apenas Um dos Rapazes?” faz da personagem Elaine Benes. Ela é feminista sim, mas só até certo ponto. E “Kramer e Kierkegaard: Estágios no Caminho da Vida”, também de Irwin, é um dos pontos altos do livro. É impressionante como a categoria de vida “estética” do filósofo dinamarquês Kierkegaard casa-se bem com a vida do personagem Kramer. A segunda parte [chamada “Ato II, Seinfeld e Os Filósofos”] analisa questões filosóficas levantadas pelo seriado. Como os fãs devem saber, o slogan do programa é “uma série sobre nada”. Como este “nada” seinfeldiano se relaciona com a milenar filosofia oriental do Tao? O seriado Seinfeld, com suas idas e vindas, tem alguma coisa a ver com a teoria da eterna recorrência de Nietzsche? Estas perguntas são respondidas, respectivamente, por Eric Bronson e Mark T. Conrad. Interessantíssimos são os artigos “Seinfeld, Subjetividade e Sartre” [onde Jennifer McMahon compara a amizade dos quatro personagens principais do seriado com as teorias de subjetividade e co-responsabilidade de Jean-Paul Sartre] e “Wittgenstein, Seinfeld e o Lugar-Comum” [provavelmente o melhor artigo do livro, no qual Kelly Dean Jolley, para o espanto do leitor, conclui que a os atos banais do cotidiano – o cerne do seriado – são o que há de mais fundamental na filosofia de Wittgenstein]. A terceira parte [“Ato III, Meditações Prematuras Ao Lado do Bebedouro”] é a mais fraca de todas. Os artigos – que tratam respectivamente de um episódio onde Constanza faz o contrário do que faria normalmente para as coisas darem certo, da subjetividade, e da significância do insignificante em Seinfeld – não trazem maior interesse para o leitor: eles parecem deslocados da realidade do seriado. Os três artigos da última parte do livro [“Ato IV, O Que Há de Errado Nisto?”], escritos respectivamente por Robert A. Epperson, Aeon J. Skoble e Theodore Schick Jr., analisam Jerry, Elaine, George e Kramer sob o ponto de vista da moral e da ética. A conclusão dos filósofos não é pela condenação total daqueles, nem pela absolvição sem ressalvas. Os argumentos pró e contra os personagens são instigantes, surpreendentes. Uma chave de ouro para fechar um livro na sua maior parte excepcional.(texto publicado anteriormente no Mondo Bacana - imagem da foto obtida no Uol)
O sultão muçulmano Shah-Riar não era uma pessoa de muitas luzes, e fica impressionando quando seu Vizir, Amanzei, que era hindu, lhe diz que, devido ao seu mau comportamento, tinha sido condenado a ter sua alma vagando por diversos sofás. A descrição das aventuras de Amanzei neste estranho estado é o tema de “O sofá” (L&PM, 255 páginas, tradução de Carlota Gomes, publicado originalmente em 1742), do escritor moralista francês Crébillon Fils (1707-1777).
Com a alma presa num sofá, Amanzei acaba sendo testemunha dos casos de diversas mulheres que normalmente não conseguem resistir às investidas sexuais de homens que tentam conquistá-las. Se a premissa parece interessante, as discussões morais entre as mulheres e seus conquistadores são terrivelmente chatas e confusas, epítetos que podem servir também ao livro como um todo.
O filósofo Denis Diderot (1713-1784) era ainda relativamente jovem quando, a partir de uma aposta, tentou demonstrar a uma amante – a quem ajudou com a renda devida ao livro – que seria fácil fazer um livro como “O sofá”, colocando ainda nele temas mais sérios, de caráter filosófico. O resultado desta aposta é o romance “Les bijoux indiscrets”, lançado originalmente em 1748 (eu li na versão em francês obtida na Amazon, e há uma versão em português chamada “As jóias indiscretas”, lançada pela Global em 1986 e traduzida por Eduardo Brandão).
No caso de “Os bijoux indiscrets”, o sultão congolês Mangogul pede ao gênio Cucufa, que já tinha ajudado seus antepassados, que fizesse algo que o divertisse. Ele recebe dele então um anel que, apontado para uma mulher, fizesse com que seu sexo (a “jóia” do título) contasse o que a sua dona andava aprontando.
Mais tarde Diderot acabou se arrependendo de ter escrito este romance libertino que, mesmo assim, consta da maioria das edições de suas melhores obras compiladas. Realmente, o livro é divertido e tem discussões filosóficas fora da licenciosidade – e é muito melhor que “O sofá”.
Em vídeos e crônicas, o famoso filósofo Luiz Felipe Pondé – que
eu admiro muito, aliás – parece citar sempre os mesmos escritores: Fiódor Dostoiévski,
William Shakespeare, Liev Tolstói, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Georges
Bernanos e mais alguns poucos (não custa lembrar que ele está lançando um curso
online sobre literatura, cujo link está aqui). Dostoiévski,
então, é uma verdadeira mania para ele: em suas entrevistas da série “Democracia
na Teia”, por exemplo, há uma edição gigantesca do grande autor russo atrás de
entrevistador e entrevistado – mais do que isso, ele parece sempre pronto a citá-lo
a qualquer momento, com ou sem necessidade.
Eu raramente cito qualquer um desses escritores da turma do
Pondé. Do Dostoiévski, li “Crime e Castigo” quando adolescente, e “Os irmãos
Karamazov”, bem mais tarde. Gostei muito, mas não me marcaram. De Tolstói li mais
e gostei mais, mas raramente lembro dele. Machado de Assis é um gênio, claro,
mas aqui no Brasil prefiro Lima Barreto (acabei de ler “Recordações do escrivão
Isaías Caminha” pela terceira vez dia desses) e Dalton Trevisan. De Shakespeare
conheço muito pouco, embora tenha lido “Júlio César” ano passado e tenha amado.
Sobre Nelson Rodrigues eu comentei no meu “Verão de 54”: “para ser grande
literatura ainda falta um tanto para Nelson Rodrigues”. Bernanos eu conheci
recomendado pelo próprio Pondé, gostei muito, mas achei meio confuso.
Eu tenho uma turminha de escritores que cito sempre, também.
Lembro, por exemplo, que parei de ler as colunas de dois críticos de literatura
só porque falaram mal de “2666”, de Roberto Bolaño: um deles ainda teve o
desplante de escrever que outra obra do chileno, “Os detetives selvagens” – que
eu achei ruim – era “mais bem acabado” (ou alguma outra expressão sem sentido)
que “2666”.
De todo modo, minha turminha de escritores, fora os que já
citei – Lima Barreto, Dalton Trevisan, Roberto Bolaño – tem ainda Patrick
Modiano, Gabriel García Márquez, Marcel Proust, Karl Ove Knausgard, Honoré de Balzac,
Junichiro Tanizaki, Philip Roth, Thomas Mann, J.M.G. Le Clézio e mais alguns.
Tem um outro autor que está na minha turma e na do Pondé, mas ele não foi
citado – ainda.
Existe uma autora que acabou entrando na minha turma há uns poucos anos, a escritora e cantora Patti Smith. Em “O ano do macaco” ela conta de sua paixão avassaladora por “2666”, de Roberto Bolaño. Em “Devoção” ela fala de maneira extremamente carinhosa – como só ela consegue fazer – de Patrick Modiano e Simone Weil. Modiano e Bolaño admirados como devem ser! (A Simone Weil, cujas obras nunca li, deve ser muito boa também, haha.) Será que a turma de Patti Smith é parecida com a minha? Espero que sim.
De todo modo, por que a turma de Pondé é diferente da minha
e, quem sabe, da da Patti Smith também? Porque, acredito eu, como filósofo, ele
quer retirar algum ensinamento, quer “enxergar” algo por trás de uma obra literária.
Dostoiévski e o problema da existência. Machado de Assis e o ciúme. Shakespeare
e os sentimentos humanos. Nelson Rodrigues e a hipocrisia da classe média. Georges
Bernanos e a fé. Tolstói e... sei lá o que ele quer ver em Tolstói.
Já eu e, provavelmente, a Patti Smith, queremos nos deslumbrar com uma obra literária. Não há o que enxergar por trás de “2666”, não há nenhum ensinamento por trás desta maravilha. O livro é apenas isso – uma maravilha. [1]
Antes de terminar, comentei acima que existe um autor que
faz parte da minha turma e da do Pondé: o nome dele é Franz Kafka. Ele deve
admirar o grande autor tcheco pela crítica à burocracia, ou pelo retrato
simbólico do absurdo da existência, ou coisa que o valha. Eu sei que amo Kafka
pela imaginação e pela maravilhosa técnica de contar histórias malucas como se
estivesse fazendo um relatório de empresa de seguros.
[1] Algum
engraçadinho pode vir me questionar dizendo que o que está por trás das obras de
Balzac, Thomas Mann e Junichiro Tanizaki, da minha turma, sejam respectivamente
o dinheiro, a arte e o sexo. O que eu teria em minha defesa? Sei lá, hehe.
“Por que eu sou tão sábio”. “Por que eu sou tão inteligente”. “Por que eu escrevo livros tão bons”. “Por que sou um destino”. Os títulos dos três primeiros e do último capítulos de “Ecce Homo”, de Friedrich Nietzsche (L&PM Pocket, 192 páginas, tradução e notas de Marcelo Backes) mostram que o filósofo alemão não estava numa fase exatamente marcada pela modéstia quando escreveu o livro. Como a obra foi escrita em 1887 e sua loucura – que duraria até sua morte, em 1900 – se iniciaria no ano seguinte, em 1888, frequentemente várias das afirmações de Nietzsche constantes em “Ecce Homo” – como os títulos dos capítulos, reproduzidos acima - são considerados fortes indícios do início de sua perda de sanidade mental. O livro é de cunho autobiográfico e filosófico ao mesmo tempo: enquanto nos capítulos cujos títulos são citados acima ele se concentra mais em sua própria genialidade, nos dez capítulos intermediários ele comenta suas obras anteriores, como “Assim falou Zaratustra” e “Além do bem e do mal”.
Em “Ecce Homo” Nietzsche reforça os pontos mais conhecidos de sua filosofia: a crítica da moral cristã (“moral de ressentidos”), a tese do eterno retorno (segundo o qual cada um terá de viver a vida como agora e vivê-la ainda uma vez e inúmeras vezes, sempre na mesma ordem e sequência), a exaltação dos fortes e o desprezo pelo pobres de espírito, a superação do homem pela criação – poética, em certo sentido – pelo “Super Homem”. Também descreve o processo de criação de algumas de suas obras, como o já citado “Assim falou Zaratustra”, escrito durante dezoito meses, em grande parte na Itália.
Como sempre em Nietzsche, o estilo literário é assombro: mestre nos aforismos, o filósofo disserta sobre diversos assuntos, como sua própria vida e a decadência da Alemanha.
Apresento alguns trechos a seguir para dar uma ideia da coisa.
"Àqueles que silenciam quase sempre lhes falta algo em fineza e polidez de coração; silenciar é uma objeção; engolir sapos faz, irremediavelmente, um mau caráter – e inclusive estraga o estômago... Todos aqueles que silenciam são dispépticos. –"
"Eu jamais compreendi a arte de me indispor comigo mesmo – e também isso eu devo a meu pai incomparável –, mesmo quando isso me pareceu ser de grande valor. Eu inclusive não me senti, por mais que uma afirmativa dessas possa parecer pagã, uma só vez que fosse, indisposto comigo mesmo; pode-se virar minha vida de frente e do avesso e apenas raramente, na verdade apenas uma única vez, se encontrará rastros de que alguém teve contra mim más intenções – mas talvez venha a se encontrar rastros um tanto demasiados de boas intenções... Minhas próprias experiências com esse tipo de gente, com o qual todo mundo tem más experiências, falam, sem exceção, em favor deles; eu amanso qualquer urso e sou capaz até de fazer de um palhaço uma pessoa decente. Durante os sete anos em que ensinei grego nas classes mais altas do Liceu de Basiléia,[10] jamais tive motivo para pôr alguém de castigo; os mais vagabundos eram diligentes comigo."
“Eu conheço meu fado. Um dia haverão de unir meu nome à lembrança de algo monstruoso – uma crise como jamais houve outra na Terra, na mais profunda colisão de consciência, em uma decisão contra tudo aquilo que até então tinha sido acreditado, reivindicado, santificado... Eu não sou homem, sou dinamite.”
Romancista, ensaísta e psicanalista, Lou-Andreas Salomé (1861-1937) – nascida na Rússia, tendo passado grande parte da vida na Alemanha – escreveu uma vasta obra, quase toda esquecida nos dias de hoje. Mesmo assim ela é uma fonte de biografias ainda lidas com interesse, como esta ótima “Lou-Andreas Salomé”, de Dorian Astor (L&PM, 320 páginas). Por que sua vida ainda desperta uma atenção que sua obra não desperta mais? A resposta é simples: sua ligação profunda com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), com o poeta, também alemão, Rainer Maria Rilke (1875-1926) e com o “pai da psicanálise”, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939).
Com Nietzsche, Lou-Andreas Salomé tentou uma relação amorosa a três – o outro membro do triângulo era o escritor e médico alemão Paul Rée (1849-1901) –, apenas “espiritual”, sem sexo. Obviamente que os homens do grupo acabaram não gostando muito da brincadeira e o triângulo não durou muito: o primeiro a sair foi Nietzsche, que tinha se apaixonado por ela (possivelmente, foi o maior amor da vida do filósofo). (mais…)
A famosa frase de Friederich Nietzsche (1844-1900) segundo a qual “Deus morreu” é proferida logo no início de “Assim falava Zaratustra” (Nova Fronteira, 352 páginas). A “morte de Deus” é um dos temas basilares do clássico do filósofo alemão – os outros seriam a vinda do super-homem (que é a superação do homem tal qual conhecemos), a tese do eterno retorno (segundo a qual tudo o que acontece hoje já aconteceu no passado e continuará se repetindo no futuro), a crítica da moral racionalista e cristã e a “vontade de poder” (fundamento de tudo o que é vivo). (mais…)
“Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo” é um livro curto e relativamente simples de ensaios do filósofo alemão Friederich Nietzsche (L&PM Editores, 144 páginas), e que pode ser considerado uma boa introdução à sua filosofia. (mais…)
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