“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
Literatura
“O dia em que o céu caiu”, de René Goscinny e Albert Uderzo
24 de novembro de 2024 0
Criada em 1961 por René Goscinny e Albert Uderzo, a série de livros de história em quadrinhos Asterix faz, até hoje, um imenso sucesso no mundo inteiro: além das HQs (traduzidas em mais de 100 idiomas e que já venderam mais de 120 milhões de exemplares) e filmes (de desenho animado e “normais”), até um parque temático nos moldes da Disneyworld foi construído nas imediações de Paris. As histórias da pequena aldeia gaulesa (a Gália se situava onde atualmente é a França) que resiste à dominação romana, pouco antes do início da Era Cristã, graças à poção mágica criada pelo druida Panoramix – que dá uma força sobrenatural a seus habitantes – continua fascinando crianças, jovens e adultos pelo mundo todo. Entre as maiores qualidades das histórias do baixinho e corajoso Asterix podem ser citados: o brilhante traço de Uderzo (que nitidamente foi melhorando a cada nova história criada, até se estabelecer em sua plenitude por volta do episódio “Asterix entre os bretões”, lançado em 1966); a esperteza e a inteligência do personagem principal; o conseqüente contraste com a obtusidade de seu melhor amigo Obelix (que caiu num caldeirão da poção mágica quando criança e que, por isto, conquistou uma força sobre-humana para o resto da vida); a sabedoria do druida; os engraçados personagens Abracurcix (o chefe da aldeia), Chatotorix (um bardo que canta insuportavelmente mal) e Ordenalfabetix (o vendedor de peixes que vive se pegando com o ferreiro Automatix) – e não se pode esquecer do charme adicional de histórias em que os não-poderosos (os gauleses, neste caso) sempre vencem os poderosos (aqui, os romanos). Mas sem dúvida nenhuma a qualidade que é a maior responsável pelo imenso sucesso de Asterix são os brilhantes roteiros assinados por René Goscinny, falecido em 1977 – e a morte deste foi uma perda insuperável para a qualidade das histórias do baixinho gaulês, o que se pode comprovar lendo “O dia em que o céu caiu”, HQ recentemente publicada lá fora e também por aqui (Record, 49 páginas). Quem assina o roteiro, como tem feito desde a morte de seu colega, é o desenhista da dupla, Albert Uderzo. A história conta a chegada de duas naves extraterrenas na aldeia gaulesa, uma dos walneydistianos, da estrela Walneydist, que são mais bonzinhos; a outra nave é dos nagmas, seres ambiciosos e sem escrúpulos vindos do planeta Gnama que querem conquistar o universo todo. O que estas duas expedições, de planetas rivais, querem na aldeia dos irredutíveis gauleses? Saber o segredo de sua força, claro, que já conquistou fama muito além do nosso planeta. E, a partir deste mote, muita coisa acontece na aldeia: luta de naves, vôos, desaparecimentos, toda a sorte de acontecimentos fantásticos. Não que “O dia em que o céu caiu” seja ruim, não mesmo. A HQ tem brigas memoráveis entre Ordenalfabetix e Automatix, os “efeitos espaciais” são bem bolados – sem contar que é sempre um prazer ver o pessoal da aldeia em ação. Mas quando comparamos esta história bobinha com as brilhantes HQs com roteiro de Goscinny, como por exemplo a fábula sobre a luta entre a razão e a superstição rasteira “Asterix e o adivinho”, a profundamente melancólica “Asterix e o caldeirão”, o estudo sobre a ambição humana “Asterix e o domínio dos deuses” ou o enorme deboche sobre os dominadores de todos os tempos que é “Asterix e os louros de César”, ficamos pensando se realmente Asterix e Obelix mereciam este final de carreira tão melancólico. (texto publicado no suplemento dominical do jornal “O Estado do Paraná” em 2006)
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Revendo filmes
Cinema
Revendo filmes
17 de novembro de 2024 0
Acho que foi no Cine Groff, na extinta Galeria Schaffer, no centro de Curitiba, que assisti a “Stalker” (1979, 2h43min, Alemanha/União Soviética), de Andrei Tarkovski. Um filme longo e lento, com algumas cenas coloridas e outras numa espécie de preto-e-branco em sépia, em cenários de construções decadentes ou abandonadas, onde a floresta e a extrema umidade começam a tomar conta de tudo e com uma história misteriosa – e meio incompreensível para o adolescente metido a intelectual que eu era nos anos 1980. Sempre quis rever este filme, o que só fui fazer dia desses. A história não era tão difícil de entender assim. Basicamente um guia (o “Stalker”) tenta levar duas pessoas a uma “Zona” no meio de uma região abandonada, onde os desejos de cada um são satisfeitos. A sua mulher tenta de todas as maneiras que o guia não faça mais uma expedição, mas o “Stalker” não a obedece. O filme – que merece o status de cult que tem até hoje – conta uma história profunda de fé e crença, e me lembrou demais a de “Ordet” (1955), obra-prima de Carl Dreyer. *** Eu já era casado quando resolvi assistir a “Encontros e desencontros” (2003, Lost in translation, Sofia Coppola, 2003, 1h41min, Estados Unidos/Japão), mas não lembro quando foi. Certamente assisti ao filme em casa e não no cinema, e devo ter lido alguma crítica favorável que dizia que o filme era “leve e bom”, ou coisa assim. Lembro que gostei bastante do filme mas, para mim, era isso mesmo: “leve e bom”. Revi dia desses. Bill Murray faz Bob Harris, um ator de seus cinquenta anos que está em Tóquio para algumas sessões de publicidade, não entende nada de japonês, e muitas cenas melancolicamente engraçadas são criadas a partir deste fato – aliás, a incompreensão da linguagem é um dos motivos para o título original, em tradução livre, se chamar “perdido na tradução”. Bob Harris se encontra no hotel com Charlotte (Scarlett Johansson), a esposa de um fotógrafo que trabalha virtualmente o dia inteiro e a deixa sozinha no hotel. Ambos se sentem meio perdidos e solitários em Tóquio, e eu não lembro de ter visto um filme onde tantos diálogos sem palavras são trocados entre dois personagens: Bob Harris, bem mais velho que a jovem Charlotte, parece saber tudo o que se passa na cabeça da moça apenas olhando para ela, e o inverso também vale. A interpretação sublime de Bill Murray e Scarlett Johansson faz com que “Encontros e desencontros” seja muito mais do que apenas um filme “leve e bom”. *** Eu estava trocando de canal na TV a cabo muitos anos atrás quando assisti a uma cena chocante de guerra (não vou entrar em detalhes para não dar spoiler) em que participavam, no meio de vários soldados, os atores Liv Ullmann e Max von Sydow. Pela crueza da cena e pelos atores, logo pensei que era um filme de Ingmar Bergman, e eu estava certo. Poucos diretores são tão diretos – e mesmo chocantes – para tratar de algum tema importante quanto ele, e posso citar vários exemplos: a psicopatia (“Persona”), a sexualidade (“O Silêncio”), a idade média (“O Sétimo Selo”), a perda da fé (“Através de um espelho”), a dor (“Gritos e sussurros”). Apenas por um trecho eu vi que ele tratava a guerra da mesma maneira crua com que tratava outros assuntos. O nome do filme em que aparecia a cena supracitada se chama “Vergonha” (1968, Skammen, 103 min). No filme, Jan e Evan Rosenberg (Max von Sydow e Liv Ullmann, citados acima) são dois músicos que vão viver em uma ilha para fugir da guerra civil que assola seu país. Assisti ao filme poucos meses depois de ter assistido àquela cena na TV a cabo, e o revi dia desses. Na revisão o filme me pareceu ainda melhor e mais chocante do que da outra vez. (foto que acompanha o texto, de “Stalker”, obtida na Far Out Magazine)
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“Vida e época de Michael K”, de J. M. Coetzee
Literatura
“Vida e época de Michael K”, de J. M. Coetzee
10 de novembro de 2024 0
“Vida e época de Michael K”, do sul-africano J. M. Coetzee (Companhia das Letras, 230 páginas, tradução de José Rubens Siqueira, publicado originalmente em 1983), Prêmio Nobel de Literatura de 2003, começa assim: “A primeira coisa que a parteira notou ao ajudar Michael K a sair de dentro da mãe para dentro do mundo foi que tinha lábio leporino. O lábio enrolado como pé de caramujo, a narina esquerda fendida.” Poucos parágrafos adiante o livro continua com: Por causa da deformação, e porque não era rápido de cabeça, Michael foi tirado da escola depois de uma breve tentativa, e entregue à proteção do Huis Norenius, em Faure, onde, às custas do Estado, passou o resto da infância na companhia de outras crianças infelizes com afecções diversas, (…) Além do lábio leporino e de “não ser rápido de cabeça”, Michael K vive no meio de uma guerra civil na África do Sul, é pobre e tem que cuidar da mãe, que sofre de hidropsia e não consegue andar. Quando a guerra chega no bairro onde Michael K mora, e também para cumprir um antigo desejo de sua mãe, ele cria uma condução em cima de um carrinho de mão e tenta levá-la para a sua cidade natal – mas ela morre logo no início da viagem. Depois começam a acontecer uma série de acontecimentos na sua vida: ele é preso algumas vezes, é assaltado e fica sem as economias da mãe que carregava consigo, tenta morar isolado numa fazenda, é constantemente ameaçado por combatentes de algum dos lados da guerra, encontra pessoas esquisitas. Com o nome do personagem remetendo a vários outros de Kafka e vivendo sempre em condições dificílimas, pode-se imaginar que “Vida e época de Michael K” seja apenas uma espécie de denúncia contra os absurdos da guerra e da sociedade constituída – por mais que, em certo sentido, o romance seja isso mesmo. Mas Coetzee não seria o gigante da literatura que é se apenas tentasse emular o também gigante Kafka. A verdade é que, frequentemente, é o próprio Michael quem arranja problemas para si mesmo. Dadas as trágicas circunstâncias da guerra civil em que vive, ele é muito mais bem tratado – pela polícia, pelos combatentes, por outras pessoas e pela própria mãe – do que se esperaria de um personagem chamado “Michael K”. Já estou com dois livros de Coetzee aqui comigo, esperando a leitura. Nunca me canso de suas histórias fortes e profundas.
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“Vida de Petrarca”, de Ugo Dotti
Literatura
“Vida de Petrarca”, de Ugo Dotti
3 de novembro de 2024 0
Muita gente debochou de Luana Piovani quando ela disse que tinha lido “Cem anos de solidão”, o clássico de Gabriel García Márquez, em seis meses. Segundo este link da Folha de São Paulo, ela declarou, orgulhosa: “Terminei de ler meu último companheiro de 6 meses, meu fiel amigo de cabeceira, meu gorducho livro! Gabriel e eu realmente nos entendemos! Cem Anos de Solidão me fez viajar por lugares quentes, me apresentou mulheres loucas e admiráveis e ainda me descreveu uma cena de amor enfestada [sic] de borboletas amarelas.” Eu não entendo direito o deboche, já que às vezes demoro anos para acabar de ler um livro. Eu certamente demorei mais de dez para terminar este “Vida de Petrarca”, de Ugo Dotti (Editora Unicamp, 555 páginas, tradução de Luís André Nepomuceno, publicado originalmente em 1987), sobre o grande poeta e ensaísta italiano que viveu entre 1304-1374 – uma época extremamente conturbada na Europa. Petrarca participou ativamente dos distúrbios políticos de seu tempo polemizando – muitas vezes por cartas – com políticos e escritores importantes. Quando se cita o papado de Avignon (1309-1377), por exemplo, quase sempre Petrarca é lembrado por declarar, para quem quisesse ouvir, que aquela mudança de sede, da Itália para a França, era o “cativeiro babilônico dos papas” (de todo modo, agora o papado de Avignon é um dos meus interesses estranhos). Não que precise, mas vou tentar me justificar por ter terminado tanto tempo para acabar de ler a biografia do grande poeta italiano. No prefácio “Marcel Proust – uma biografia”, de George D. Painter (Editora Guanabara, 798 páginas, tradução de Fernando Py, publicado originalmente em 1959) o autor declara que, com o livro, pretendeu fazer a “biografia definitiva” de um dos meus escritores preferidos. Deixei a leitura pela metade, achei chato demais. Um trecho ao acaso mostra sobre o que estou falando: “Proust a conheceu, no outono de 1888, ela contava trinta sete anos, e ele apenas dezessete; ela estava agora exatamente com quarenta. Era roliça, porém de cintura fina, e usava um vestido bastante decotado, com festões de pérolas, três de cada lado, que pendiam da parte mínima que ocultava seu seio. O cabelo era louro-acinzentado, atado com uma fita cor-de-rosa; os olhos eram pretos e tendiam a abrir-se desmesuradamente quando ela se excitava. ‘Tenho olhos amendoados, mas em sentido inverso’, dizia rindo. Possuía uma grande coleção de porcelanas, na qual incluía Proust, a quem chamava de “meu pequeno psicólogo de porcelana”. Ele replicava comparando a um altar a estante em ele ela dispunha suas figuras de Saxe: ‘Vivemos no século de Laure Hayman; e a dinastia reinante é a de Saxe’; (…)” Tudo bem que “Em busca do tempo perdido” tem muitos detalhes assim, mas o objetivo no romance é sempre literário e, na biografia, é sempre descritivo. E chato. Já passei da metade de mais duas monumentais biografias definitivas – e chatas -, uma de Raspútin, de Douglas Smith, e uma de Nietzsche, de Curt Paul Janz. Em comum com as de Marcel Proust e Petrarca, descrições tediosas de viagens, conversas, relações com amigos e inimigos. E etc. Enfim, achei que nunca terminaria de ler uma “biografia definitiva” deste naipe, até que, depois de mais de uma década, terminei de ler esta “Vida de Petrarca”. Fiquei orgulhoso como a Luana Piovani citada acima.  
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Mgła
Música
Mgła
27 de outubro de 2024 0
A culpa é de um cantor de black metal eslovaco chamado “cikindeles”, cujo endereço no Instagram está aqui. Em seus Reels, ele cria historinhas hilárias, frequentemente com maquiagem de corpse paint (a pintura típica do estilo), junto com sua filha de uns oito anos de idade. Vendo o cantor com aquela máscara assustadora brincando de balé com a filhinha, por exemplo, é das coisas mais engraçadas da internet. Não à toa ele está, no momento (segunda metade de 2024) com 437 mil seguidores. Enfim, não só virei fã da conta do cantor, como as músicas de black metal que ele coloca como fundo para seus vídeos me deram uma saudade enorme deste tipo de som, que meio que parei de ouvir no começo dos anos 2010 – arredondando, uns quinze anos atrás. Quem me conheceu na época soube da minha obsessão pelo estilo. Bem, além de voltar a ouvir Burzum, Velvet Cacoon e Drudkh (minhas bandas preferidas de black metal), resolvi procurar saber por cima o que de importante aconteceu no gênero nos últimos anos. Acabei caindo num canal do YouTube informativo e divertido de um alemão cujo pseudônimo é Farvann  (segundo a Encyclopaedia Metallum, a Wikipédia do metal, seu nome real é Frank Busch), que é também o único membro de uma banda chamada Dubartuluk. Em um vídeo chamado “The best BLACK METAL Bands of all time (according to YOU guys)”, Farvann apresenta as melhores bandas de black metal segundo os inscritos na página. As escolhidas pelo público englobaram bandas que são figurinhas carimbadas neste tipo de lista, todas criadas entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 (como Mayhem, Burzum, Darkthrone e Ulver), com uma única exceção: a banda polonesa Mgła, formada no ano 2000, e da qual eu nunca tinha ouvido falar – para minha defesa, seu primeiro álbum completo é de 2008, e seu disco mais conhecido e considerado sua obra-prima, “Exercises in futility”, é de 2015. Aquilo me deixou curioso. Fiz a procura “best black metal bands” no Google e a foto do Mgła aparece em nono na sequência, sendo a primeira criada depois do início dos anos 1990 – as primeiras oito, claro, são as conhecidas do “grande público”: Mayhem, Darkthrone, Bathory, Emperor, Burzum, Dissection, Immortal e Gorgoroth. Esta curta pesquisa me fez perceber que o Mgła agrada a ouvidos de fãs do black metal tradicional. Enfim, baixei a playlist “This is Mgła“, do Spotify, e confesso que não estava preparado para o que ouvi – assim como não estava preparado para a maravilhosa playlist “This is The Brian Jonestown Massacre”, conforme comentei aqui. O Mgła é uma banda de black metal de energia incomum. O vocal grave e poderoso, as guitarras rápidas e violentas, a velocidade absurda do baterista e as impressionantes melodias formam um conjunto espetacular, que, assim como o Brian Jonestown Massacre citado acima (que é de um estilo completamente distinto), simplesmente não dá vontade de parar de ouvir. As letras são poéticas e desesperançadas. O nome da banda se pronuncia aproximadamente como “mm-guá” (ver aqui), e significa “névoa” em polonês. A banda é formada por dois membros, M. (pseudônimo de Mikołaj Żentara) no vocal, guitarras e baixo, e Darkside (pseudônimo de Maciej Kowalski) na bateria. Das apresentações ao vivo dois outros músicos participam, The Fall (pseudônimo de Michał Stępień) e E.V.T. (pseudônimo de Piotr Dziemski). Todas estas informações obtive no Encyclopaedia Metallum. Ao vivo, todos os quatro integrantes cobrem o rosto com um pano preto – não sei quanta transparência ele tem -, vestem um moletom da mesma cor, deixando o capuz sobre a cabeça e, em cima de tudo isso, uma jaqueta preta de couro. O visual impressiona. Normalmente não gosto muito vídeos de apresentações de rock ao vivo, mas as do Mgła são espetaculares (recomendo esta aqui, de um concerto na Lituânia em 2017, por exemplo). São muitos os vídeos com reacts positivos das músicas da banda, e posso citar: este aqui, do canal The Adventures of TNT, apresenta uma bela descrição do “ambiente” criado pelo black metal (e o dono do canal é negro, só para reforçar como é imbecil quem defende que “white metal is for black people“); neste aqui, do canal The Wolf HunterZ, sobre uma gravação de uma apresentação ao vivo com a câmera mostrando apenas o baterista da banda, o rapaz do casal que apresenta o canal defende que aquele músico não deve ser humano, mas um robô ou alien; o casal de cristãos do canal VinAnd Sori apresenta vários vídeos discutindo as letras profundas da banda; finalmente, o canal de Alex Hefner tem dois vídeos (aqui e aqui) em que ele demonstra a alegria de ter tomado conhecimento do som do Mgła – alegria que eu também sinto.
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Revisitando livros lidos na adolescência
Literatura
Revisitando livros lidos na adolescência
20 de outubro de 2024 0
É sempre interessante reler livros lidos há muito tempo. Recentemente revisitei dois autores que não lia há mais de trinta anos já. Eu conheci o escritor norte-americano Charles Bukowski (1920-1994) pelas críticas sempre favoráveis da Revista Veja a respeito de sua obra. Li cinco livros do autor na adolescência, e lembro eles tinham uma estrutura meio circular, quase sempre com os mesmos temas: bebedeiras homéricas, sexo desenfreado com mulheres meio perdidas, sem grandes objetivos na vida – como o narrador/autor, aliás -, apostas em corridas de cavalo, mudanças constantes de um subemprego para outro, o início da fama na literatura. Lembro que eu não considerava a obra de Bukowski como “literatura séria” – eu amava Thomas Mann, na época, para que se tenha uma ideia -, mas me sentia atraído por aquelas histórias malucas. Enfim, um belo dia emprestei meus cinco livros de Bukowski para alguém que não lembro até hoje quem era, e que nunca me devolveu – e nunca mais tive contato com o autor. Alguns meses atrás passei na frente de um sebo e lá estava com destaque este “Crônicas de um amo louco – ereções, ejaculações e exibicionismos – Parte I” (L&PM, tradução de Milton Persson, 320 páginas, publicado originalmente em 1967), e resolvi comprá-lo. A releitura me revelou um escritor muito melhor do que eu me lembrava: sua perspectiva às vezes divertida e quase sempre carinhosa de seus personagens à margem da sociedade e, frequentemente, desencantados, é coisa de um grande escritor. No que depender de mim, vou continuar lendo – e relendo – Charles Bukowski por muito tempo ainda. Com o escritor italiano Alberto Moravia (1907-1990) a minha relação era ao mesmo tempo parecida e diferente. Ele também tinha ótimas críticas na Revista Veja e suas histórias eram fortemente sexuais; mas, ao contrário de Bukowski, ele tinha um verbete nas páginas principais da Editora Abril. Na minha mente de adolescente meio exibido e fanático por literatura, isto fazia uma grande diferença. Li nos anos oitenta três livros de Alberto Moravia, e dois deles, o romance “A Romana” e este “A coisa”, de contos, me impactaram enormemente. Sempre tive na cabeça a ideia de que deveria reler Moravia: ainda não revisitei o romance, mas reli o outro citado recentemente. “A coisa” (Difel, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, 268 páginas, lançado originalmente em 1983) é composto por histórias que envolvem, frequentemente, sexualidade, política e/ou mistério com  toques sobrenaturais. Os primeiros contos do livro são mais longos, e parece que Moravia foi ficando com preguiça à medida que o escrevia, já que os contos vão diminuindo em tamanho – e também em qualidade – à medida que as páginas vão transcorrendo. Os mais impressionantes são: aquele que dá título à coletânea, em que “a coisa” é uma tara estranha de um casal de lésbicas; “Ao deus desconhecido”, em que uma enfermeira presta pequenos favores a seus pacientes homens num hospital; “A mulher da capa preta”, uma história selvagem e misteriosa sobre dois viúvos que se hospedam num mesmo hotel; e “O cinto” e “O sinal da operação”, duas histórias que hoje em dia seriam consideradas politicamente incorretas, uma sobre violência doméstica, outra sobre um padrasto e sua enteada. Se os melhores contos são grande literatura, mesmo nos piores a escrita de Alberto Moravia faz o leitor nunca perder o interesse. No que depender de mim, vou continuar lendo – e relendo – Alberto Moravia por muito tempo ainda.  
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Renascer
Televisão
Renascer
13 de outubro de 2024 0
Graças ao advento da Globoplay, eu e a Valéria assistimos a novelas da Globo como se fossem séries da Netflix. Assim, já vimos Nos tempos do Imperador (comentada aqui) e Terra e Paixão. Há mais ou menos um mês acabamos de assistir a Renascer (poucas semanas depois do final “real”), refilmagem da novela de mesmo nome lançada em 1993. Foi uma vantagem para nós não termos visto nada da primeira versão, o que fez com que a história do dono de fazendas de cacau José Inocêncio (vivido por Marcos Palmeira), seus quatro filhos – três formados na universidade, e outro que viveu toda a vida na fazenda da família, sempre em conflito com o pai – e o grande amor de sua vida, Maria Santa – que morre no parto do seu filho mais novo – fosse quase toda novidade para nós. Assim como ocorreu com Terra e Paixão, Renascer também teve muitas cenas de fundo didático, em que as personagens faziam longos e cansativos discursos de fundo politicamente correto. Além disso, como em quase toda a novela, muitas cenas pareciam simplesmente criadas para fazer passar o tempo, sem nenhum interesse ou importância para a trama. Mas isso tudo não invalida as muitas qualidades de Renascer: a fotografia deslumbrante (a cena inicial me remeteu a “Deus e o diabo na terra do sol”, do grande Glauber Rocha), as belíssimas paisagens, uma trama bastante movimentada em boa parte do tempo e alguns ótimos personagens e atores: destaque  para o matador de aluguel Damião (vivido pelo rapper Xamã, afetivo e assustador ao mesmo tempo), a empregada da fazenda Inácia (Edvana Carvalho, brilhante), o dono do bar Norberto (só mesmo Matheus Nachtergaele para conversar com o espectador sem parecer ridículo), a moradora da fazenda Zinha (Samantha Jones), que tentava – e não conseguia – esconder sua enorme doçura atrás de um mau humor frequente, e o “turco”, que era libanês, Rachid (Almir Sater, que mostrou seus grandes dons musicais em muitas cenas da novela) . Mas o grande destaque fica mesmo para Mariana, a segunda esposa de José Inocêncio, um personagem dúbio e misterioso, vivido por uma extraordinária jovem atriz chamada Theresa Fonseca. Enfim, agora estamos assistindo à nova novela das nove, Mania de Você, e estamos nos divertindo muito com a sua trama maluca. (foto que acompanha o texto, com a Mariana vivida por Theresa Fonseca, obtida no site Notícias na TV)
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“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
Filosofia
“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
5 de outubro de 2024 0
Em “A ordem do tempo” (Objetiva, 189 páginas, tradução de Silvana Cobucci, lançado originalmente em 2017), o físico italiano Carlo Rovelli, além de apresentar um painel de como o tempo tem sido analisado por filósofos e cientistas desde a Antiguidade Clássica, defende uma teoria fascinante e provocadora: tendo em vista que, na escala do átomo, as equações da física quântica não necessitam da variável tempo para serem resolvidas, a nossa sensação de que o tempo passa – do passado para o futuro – é causada pela Segunda Lei da Termodinâmica.  De maneira muito simplificada, esta lei diz que um sistema fechado sempre tende a um aumento da entropia, ou seja, da desordem, e não há como voltar ao estado anterior. Um ovo quebrado tem mais entropia que um inteiro – e não há como fazer a operação inversa de quebrar um ovo. Segundo Carlo Rovelli, como é sempre necessário o fator tempo – indo do passado para o futuro – para que a  entropia aumente, o aumento de calor causado por este crescimento da desordem é o que dá a sensação da passagem do tempo nos seres humanos. Mesmo nossos pensamentos são causados por atividade neuronal que literalmente esquenta nossas cabeças, e por isso nosso cérebro tem a sensação de que o tempo passa em apenas uma direção. Estava tudo indo bem quando, no final de “A ordem do tempo”, Rovelli começa a filosofar sobre o sentido da vida e, como sempre acontece nesses casos, o sono e a preguiça de continuar a leitura tomam conta dos meus pensamentos. Já tinha acontecido isso comigo com livros de divulgação científica de Richard Dawkins, Marcelo Gleiser e outros do próprio Rovelli. Como disse a polêmica – e divertida – física alemã Sabine Hossenfelder num brilhante e curto vídeo chamado “Religion and science have the same roots” (“religião e ciência têm as mesmas raízes”), cientistas frequentemente entram no campo da religião (tradução aproximada para “doing religion”) quando falam das “grandes questões” (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e – ainda segundo ela – não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso. Quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida.
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