É meio que um mistério isso.
Só costumo reler ficção quando não lembro nada do livro – normalmente no caso de obras que li muito novo, e quando algo me diz que não custaria nada ter uma ideia do que eu tinha lido. Entre os muitos autores de livros relidos nesta categoria eu posso citar Kafka, Faulkner, Jorge Luis Borges, Machado de Assis, Lampedusa, Homero e Virginia Woolf; e normalmente a releitura é prazerosa.
Outro caso são os livros de alguns autores que “deixo fazer parte do passado da minha memória”, conforme eu tinha comentado aqui, como Thomas Mann, Honoré de Balzac e Philip Roth (se bem que já mudei de ideia quanto a este último).
Situação semelhante é de “Em busca do tempo perdido”, da Marcel Proust, que me deixou completamente alucinado quando o li no final dos anos 1980; cheguei a reler os dois primeiros da série, mas não me vejo mais retomando Proust no futuro.
Outros casos específicos são a Bíblia e o Alcorão: estou sempre lendo um pedacinho destas obras sagradas, não é como se eu tivesse necessidade de tomar a iniciativa de relê-los. E, se eu fosse apontar hoje quais os romances que mais gostei até hoje, eu apontaria “As irmãs Makioka”, de Junichiro Tanizaki, e “2666”, de Roberto Bolaño: mas me aprofundei tanto na leitura deles que não vejo muita necessidade de uma releitura.
Finalmente, vamos então aos livros da minha pequena lista de três romances que, misteriosamente, sempre quero reler e que sei que ainda vou reler muitas vezes ainda (clicando no nome dos romances abaixo tem outros detalhes sobre os livros, que eu tinha comentado anteriormente neste site), começando por um que só li duas vezes: “A história secreta”, de Donna Tartt. Nunca tinha ouvido falar deste livro e um belo dia minha mãe me mostrou, dizendo que tinha comprado pouco tempo antes e que o tinha amado. Resolvi ler, e nunca esqueci a história maluca de uns estudantes universitários americanos de literatura clássica grega que bebiam sem parar. Na primeira releitura, o romance me pareceu melhor ainda.
Conforme comentei aqui, é impressionante como odiei “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto, na primeira leitura. Depois que descobri que muito do que ele escrevia era irônico, resolvi reler o romance e ele me pareceu melhor que nunca. Sempre lembro da cena em que o narrador – baseado no próprio Lima Barreto – descobre o preconceito, numa estação de trem, contra a pele negra dele. O melhor livro da literatura brasileira, e não admito que ninguém tenha uma opinião contrária (brincadeira, admito sim, só não concordo). Só não sei se o li três ou quatro vezes, mas isso não importa, né.
Finalmente, “A Cartucha de Parma”, de Stendhal. Lembro como fosse hoje quando comprei uma linda pequena edição em francês deste clássico em papel-bíblia, num sebo. Carrego esse livro sempre comigo, e já li o romance quatro vezes no total, tanto em francês quanto em português.
É engraçado que meu nome é baseado do personagem Fabrizio de Salina, de um romance de Lampedusa chamado “O Leopardo”: um bom livro, mas que nem se compara com “A Cartucha de Parma”, cujo personagem principal é outro xará meu: Fabricio del Dongo é um sujeito apaixonante e amalucado, meu personagem preferido na história da literatura.
Minha mãe, mesmo por vias meio tortas, me batizou muito bem.
Em vídeos e crônicas, o famoso filósofo Luiz Felipe Pondé – que
eu admiro muito, aliás – parece citar sempre os mesmos escritores: Fiódor Dostoiévski,
William Shakespeare, Liev Tolstói, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Georges
Bernanos e mais alguns poucos (não custa lembrar que ele está lançando um curso
online sobre literatura, cujo link está aqui). Dostoiévski,
então, é uma verdadeira mania para ele: em suas entrevistas da série “Democracia
na Teia”, por exemplo, há uma edição gigantesca do grande autor russo atrás de
entrevistador e entrevistado – mais do que isso, ele parece sempre pronto a citá-lo
a qualquer momento, com ou sem necessidade.
Eu raramente cito qualquer um desses escritores da turma do
Pondé. Do Dostoiévski, li “Crime e Castigo” quando adolescente, e “Os irmãos
Karamazov”, bem mais tarde. Gostei muito, mas não me marcaram. De Tolstói li mais
e gostei mais, mas raramente lembro dele. Machado de Assis é um gênio, claro,
mas aqui no Brasil prefiro Lima Barreto (acabei de ler “Recordações do escrivão
Isaías Caminha” pela terceira vez dia desses) e Dalton Trevisan. De Shakespeare
conheço muito pouco, embora tenha lido “Júlio César” ano passado e tenha amado.
Sobre Nelson Rodrigues eu comentei no meu “Verão de 54”: “para ser grande
literatura ainda falta um tanto para Nelson Rodrigues”. Bernanos eu conheci
recomendado pelo próprio Pondé, gostei muito, mas achei meio confuso.
Eu tenho uma turminha de escritores que cito sempre, também.
Lembro, por exemplo, que parei de ler as colunas de dois críticos de literatura
só porque falaram mal de “2666”, de Roberto Bolaño: um deles ainda teve o
desplante de escrever que outra obra do chileno, “Os detetives selvagens” – que
eu achei ruim – era “mais bem acabado” (ou alguma outra expressão sem sentido)
que “2666”.
De todo modo, minha turminha de escritores, fora os que já
citei – Lima Barreto, Dalton Trevisan, Roberto Bolaño – tem ainda Patrick
Modiano, Gabriel García Márquez, Marcel Proust, Karl Ove Knausgard, Honoré de Balzac,
Junichiro Tanizaki, Philip Roth, Thomas Mann, J.M.G. Le Clézio e mais alguns.
Tem um outro autor que está na minha turma e na do Pondé, mas ele não foi
citado – ainda.
Existe uma autora que acabou entrando na minha turma há uns poucos anos, a escritora e cantora Patti Smith. Em “O ano do macaco” ela conta de sua paixão avassaladora por “2666”, de Roberto Bolaño. Em “Devoção” ela fala de maneira extremamente carinhosa – como só ela consegue fazer – de Patrick Modiano e Simone Weil. Modiano e Bolaño admirados como devem ser! (A Simone Weil, cujas obras nunca li, deve ser muito boa também, haha.) Será que a turma de Patti Smith é parecida com a minha? Espero que sim.
De todo modo, por que a turma de Pondé é diferente da minha
e, quem sabe, da da Patti Smith também? Porque, acredito eu, como filósofo, ele
quer retirar algum ensinamento, quer “enxergar” algo por trás de uma obra literária.
Dostoiévski e o problema da existência. Machado de Assis e o ciúme. Shakespeare
e os sentimentos humanos. Nelson Rodrigues e a hipocrisia da classe média. Georges
Bernanos e a fé. Tolstói e... sei lá o que ele quer ver em Tolstói.
Já eu e, provavelmente, a Patti Smith, queremos nos deslumbrar com uma obra literária. Não há o que enxergar por trás de “2666”, não há nenhum ensinamento por trás desta maravilha. O livro é apenas isso – uma maravilha. [1]
Antes de terminar, comentei acima que existe um autor que
faz parte da minha turma e da do Pondé: o nome dele é Franz Kafka. Ele deve
admirar o grande autor tcheco pela crítica à burocracia, ou pelo retrato
simbólico do absurdo da existência, ou coisa que o valha. Eu sei que amo Kafka
pela imaginação e pela maravilhosa técnica de contar histórias malucas como se
estivesse fazendo um relatório de empresa de seguros.
[1] Algum
engraçadinho pode vir me questionar dizendo que o que está por trás das obras de
Balzac, Thomas Mann e Junichiro Tanizaki, da minha turma, sejam respectivamente
o dinheiro, a arte e o sexo. O que eu teria em minha defesa? Sei lá, hehe.
“Não tenho nenhuma intenção de me apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo, não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto.” Esta frase, obtida do romance “Diário de um velho louco” (Estação Liberdade, 208 páginas, tradução do japonês de Leiko Gotoda), de Junichiro Tanizaki (1886-1965), é tão representativa do livro que estampa, solitária, sua contracapa.
Tokusuke Utsugi é um senhor de 77 anos, que vive com a esposa, uma enfermeira, seu filho Jokichi e a mulher dele, Satsuko. Apesar de impotente e com a condição física bastante deteriorada, o desejo sexual do patriarca da família Utsugi pela nora Satsuko vai ficando cada vez mais exacerbado à media que transcorrem os dias. Ele não esconde dela seu desejo, e vai conseguindo um favorzinho dela aqui, outro ali. Não dá para contar mais para não estragar a surpresa.
“Diário de um velho louco” é, em sua maior parte, escrito na forma do diário do próprio Utsugi e é fascinante na descrição da obsessão sexual do idoso pela nora. Uma obra-prima.
“As irmãs Makioka”, de Junichiro Tanizaki: um painel da vida no Japão em meados do século XX, a história de quatro irmãs, um dos melhores livros que já li.
“Ilíada”, de Homero: o início da literatura ocidental.
“Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto: a história do nacionalista patético que queria que o tupi fosse a língua oficial do Brasil é apenas parte deste livro fascinante.
“Confissões”, de Santo Agostinho: não há como superestimar a influência deste livro na literatura, na teologia e na filosofia ocidentais.
“A Descoberta da Escrita”, de Karl Ove Knausgard: o quinto dos seis livros da série “Minha Luta”, do grande escritor norueguês. Quando a Companhia das Letras vai lançar o sexto?
“Un cirque passe”, de Patrick Modiano: uma jovem misteriosa, perdida - e apaixonante.
“A gorda do Tiki Bar”, de Dalton Trevisan: o título já diz tudo. O curitibano em sua melhor forma.
“Hors d’atteinte?”, de Emmanuel Carrère: o vício em jogo, no meio de um casal intelectualizado e vazio, numa história contada com carinho e um pouco de cinismo.
“Lúcia McCartney”, de Rubem Fonseca: acho que nunca vou esquecer o impacto dos primeiros contos deste livro.
Confesso que não sou daquele tipo de leitor que fica triste quando um livro acaba: normalmente o término da leitura de uma obra me dá uma sensação de alegria, e penso como no título do novo disco da Ariana Grande, a ser lançado nos próximos meses: “thank u, next” (obrigado, o próximo). (mais…)
É engraçado dizer isso, mas a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso nos dois livros de ficção do escritor japonês Junichiro Tanizaki que li recentemente (já tinha comentado aqui recentemente sobre o belo ensaio "Em Louvor da Sombra") é "desconforto". Os livros, publicados pela Companhia das Letras, são o romance "Há Quem Prefira Urtigas" (192 páginas) e as duas novelas que compõem o volume "A Vida Secreta do Senhor de Musashi e Kuzu" (218 páginas). Vou tentar explicar o porquê deste "desconforto" a seguir. (mais…)
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