setembro 2024

Sydney Swans 60 x 120 Brisbane Lions
Esporte
Sydney Swans 60 x 120 Brisbane Lions
29 de setembro de 2024 at 07:13 0
Um dos primeiros textos que escrevi sobre esporte tinha um título que era mais ou menos esse: "Eu não gosto de futebol, gosto do Coxa". De fato, nunca fui daquelas pessoas que gostam do chamado "nobre esporte bretão". Nunca entendi quem considerava o futebol "uma arte", nunca apreciei assistir a jogos que não fossem do River Plate (depois de adulto) ou do Coritiba e de Copas do Mundo (ambos, desde criança). Reconheço, um tanto envergonhado, que só fui assistir a um jogo completo do Leonel Messi, prestando atenção nele como jogador (tinha visto a final Mundial Interclubes de 2015, em que ele jogava pelo Barcelona, mas só por causa do River Plate), na Copa do Mundo de 2022. Que craque! Acho que só fui apreciar mesmo um esporte por sua beleza quando comecei a acompanhar o surfe do WCT - primeira divisão da WSL (World Surf League) - depois da primeira vitória do Gabriel Medina no Campeonato Mundial, em 2014 (eu precisava acompanhar um esporte em que o Brasil fosse vitorioso depois do trágico sete a um). Gostei de xadrez na adolescência e voltei a gostar durante a pandemia, mas nem sei se este jogo é um esporte. Mas, naquela altura, ainda não tinha aprendido a apreciar um esporte com bola apenas pelo entretenimento. Tudo mudou com a Copa do Mundo de Rugby de 2023, sediada na França. Assisti a um bom número de jogos da competição, transmitida no Brasil pela ESPN, e na emissora, os ótimos Ari Aguiar e Antonio Martoni sempre explicam a história e as complexas regras do esporte - o que é ótimo para um leigo como eu. Fiquei impressionado com a incrível dinâmica do jogo, a educação dos jogadores - ninguém, por exemplo, reclama do juiz - e a emoção das partidas. Enquanto escrevo este texto, está passando na televisão aqui de casa uma reprise de África do Sul x Argentina, pela Rugby Championship. Enquanto assistia a alguns jogos da Copa do Mundo de Rugby de 2023, os narradores da ESPN falaram de passagem sobre o futebol australiano. É engraçado que, durante as Olimpíadas de Sydney de 2000, assisti a uma pequena reportagem na Globo em que se falava que o esporte mais popular da Austrália era este futebol esquisito - e nunca mais me esqueci do tema, e nem da cena final da reportagem, em que um jogador chutava uma bola oval a uma longa distância. Mas ficou por isso. Enfim, depois de poucas pesquisas na internet, acabei me viciando no tal do futebol australiano. O objetivo do jogo é chutar a bola entre as duas traves centrais do adversário (são quatro no total, as laterais menores que as centrais), para fazer seis pontos - um goal. Se acertar com um chute entre as traves laterais ou acertar entre quaisquer das traves com as mãos, vale um ponto - o behind. São dezesseis jogadores para cada time, o campo é oval e enorme, bem maior do que o do nosso futebol, e o jogo é ainda mais violento e rápido do que o rugby. Também como naquele esporte, ninguém reclama do juiz, mas os jogadores são bem menos gentis, já os adversários brigam entre si frequentemente com empurrões e puxões na camisa. Diversão pura. Já publiquei dois vídeos comentando sobre futebol australiano, e o link para meu canal está aqui. Acompanhei bastante o campeonato de futebol australiano da AFL (Australian Football League) deste ano, mas infelizmente não tinha conseguido assistir a nenhum jogo ao vivo, por mais que tenha tentado: sempre havia algum impedimento de ordem técnica, já que nenhum dos canais que eu tentei eram aqui do Brasil. Até que semana passada eu descobri que o canal Disney+ transmite de dois a três jogos de futebol australiano por semana, o que eu não sabia. Ou seja: deixei de assistir ao vivo a jogos do meu esporte preferido por puro desconhecimento. Mas nem tudo estava perdido: ainda dava tempo de assistir à Grand Final enquanto ela ocorria. Para que se tenha uma ideia, este jogo é o equivalente australiano do Superbowl, do futebol americano. A Grand Final é disputado sempre no mesmo estádio, o MCG em Malbourne, o que causou um comentário divertido de Katy Perry - que fez o show antes do jogo neste ano - que declarou que achou estranho o fato de Melbourne ter dez times no campeonato, mas nenhum na final. Enfim, assinei o canal Disney+ e, meia noite e meia da madrugada de sexta-feira para sábado passado, coloquei no canal para assistir ao jogo entre Sydney Swans e Brisbane Lions (que, como seus próprios nomes indicam, são das cidades de Sydney e Brisbane). A narração era em inglês da Austrália mesmo (não se pode ter tudo, né). A cerimônia de abertura ("Pre-Game Entertainment") foi muito bonita, com alguns números musicais, um desfile de jogadores de futebol australiano e campeões australianos olímpicos e paralímpicos em jipes Toyota - patrocinadora do evento - e o show da já citada Katy Perry, sobre quem já comentei num texto aqui no blog. De fato, se acompanhar o futebol australiano por melhores momentos e pedaços de reprise já era bom, assistir a um jogo ao vivo é ainda melhor. Pena que eu estava com muito sono, e que o segundo quarto (o jogo é dividido em quatro tempos de vinte minutos cada um) tenha visto um massacre inapelável do Brisbane Lions: 48 x 8 contra o Sydney Swans (que liderou a fase de pontos corridos do campeonato) em vinte minutos. Acabei indo dormir, e o massacre continuou depois disso, já que o time de Brisbane acabou vencendo por 120 x 60. Mas tudo bem. Ano que vem tenho onde assistir a mais jogos de futebol australiano ao vivo, e também tenho onde assistir à série "Only Murders in th Building", com a Selena Gomez no papel de Mabel Mora.
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“O crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós
Literatura
“O crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós
15 de setembro de 2024 at 12:41 0
Raramente fico frustrado com o tamanho dos meus textos aqui. Minha ideia sempre é dar uma pequena ideia do assunto a ser tratado, um tanto para fixar na memória, um tanto para destacar os pontos mais importantes. Mas com "O crime do Padre Amaro", o primeiro romance do grande escritor português Eça de Queirós (1845-1900), é inevitável eu me sentir um tanto descontente por não fazer um texto detalhado sobre ele. São tantos os personagens interessantíssimos, tantas críticas ao mesmo tempo ácidas e bem-humoradas, tanta genialidade, que eu acho que deveria, se tivesse mais tempo e menos preguiça, fazer um verdadeiro ensaio sobre o livro. Quem sabe um dia! Mas enfim, vamos aos pontos principais desta obra espetacular. "O crime do Padre Amaro", lançado originalmente em 1875, conta a história do amor tempestuoso entre um padre - o Amaro do título - e uma jovem solteira chamada Amélia. A contracapa da edição que acompanha este texto (da ótima coleção "Grandes Nomes da Literatura", da Folha de São Paulo, com 470 páginas), escrita pelo grande João Pereira Coutinho, faz um bom resumo de parte importante desta obra-prima:
"O crime do padre Amaro (...) não é apenas 'uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de uma velha Sé', como o próprio autor escreveu. Mas também não será, como certa crítica defende, uma mera condenação moral e espiritual do clero e da hipocrisia abjecta das mulheres devotas, que rezam aos santos certos e se entregam a luxúrias com os homens errados. Este romance sobrevive na memória do tempo pela extraordinária força dos seus personagens em especial de Amaro, o jovem que seguiu o sacerdócio sem real vocação e que sucumbe ao mais prosaico dos sentimentos quando se apaixona por Amélia. Acompanhar os seus atos e pensamentos - a angústia da transgressão; o ressentimento pela liberdade amorosa de terceiros; mas também a fragilidade típica do amante; os seus ciúmes reais ou imaginários; e a dilacerante ambiguidade com que ele contempla o horrendo crime - é conhecer por dentro a tragédia de um homem em carne viva que o leitor irá reconhecer como um de nós."
É claro que o tema principal do romance - a relação tórrida entre Amaro e Amélia - é apresentado primorosamente, mas o que mais me chamou a atenção foi a maneira corrosiva e divertida com que Eça de Queirós descreve a hipocrisia, a falta de escrúpulos e o corporativismo de quase todos os membros da Igreja Católica apresentados no livro (com exceção do abade Ferrão, o único, aparentemente, que realmente aplicava o Evangelho em sua vida privada) e das mulheres devotas que os seguem. E Eça de Queirós, à maneira de Molière, parece ter um carinho bem-humorado por tanta gente sem caráter. Enfim, eu gostaria de fazer um texto maior para descrever tantos personagens divertidos e fascinantes. Mas não quero terminar este curto texto sem apresentar a explicação esdrúxula, absurda e vil que o personagem cônego Dias faz da famosa frase de Cristo "dos pobres é o reino do céu". Eça de Queirós era gênio. Deixemos a palavra, enfim, com o tal cônego Dias:
"-Pra Deus não há pobre nem rico – suspirou a S. Joaneira. – Antes pobre, que dos pobres é o reino do céu! – Não, antes rico – acudiu o cônego, estendendo a mão para deter aquela falsa interpretação da lei divina. – Que o céu também é para os ricos. A senhora não compreende o preceito. Beati pauperes, benditos os pobres, quer dizer que os pobres devem-se achar felizes na pobreza; não desejarem os bens dos ricos; não quererem mais que o bocado de pão que têm; não aspirarem a participar das riquezas dos outros, sob pena de não serem benditos. É por isso, saiba a senhora, que essa canalha que prega que os trabalhadores e as classes baixas devem viver melhor do que vivem vai de encontro à expressa vontade da Igreja e de Nosso Senhor, e não merece senão chicote, como excomungados que são! Ouf!"
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“Johann Sebastian Bach”, com Víkingur Ólafsson
Música
“Johann Sebastian Bach”, com Víkingur Ólafsson
8 de setembro de 2024 at 19:21 0
O nome da coleção era "Os clássicos mais populares do mundo", e era composta por doze LPs com gatinhos nas capas. Como o próprio nome dizia, as músicas apresentadas eram aquelas que a maioria das pessoas reconhece como "música clássica". O início da Quinta Sinfonia de Beethoven. Um trecho de "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovski. Algumas coisas de Chopin. Quem comprou a coleção lá em casa não sei, até hoje, quem foi - imagino que tenha sido a minha mãe. Sei que não lembro de nenhum dia da minha infância sem aqueles doze (ou seriam dez?) discos por perto. "Os clássicos mais populares do mundo" foi provavelmente a maior contribuição para o meu gosto musical, desde que nasci até hoje. Eu ouvia aqueles discos diariamente e, com o tempo, fui percebendo que, fora uma ou outra coisa - tenho que citar a ária "Ombra mai fu", da ópera Xerxes, de Händel, uma das músicas mais bonitas que já ouvi -, eu gostava mesmo era de Johann Sebastian Bach. A Ária na Corda Sol. A Tocata e Fuga em Ré Menor. Alguns trechos dos Concertos de Brandemburgo. Algumas árias de cantatas. Este meu interesse por Bach acabou ficando tão intenso que acabei começando a comprar discos do compositor. Os concertos de Brandemburgo e peças para órgão, em dois maravilhosos exemplares da coleção "Mestres da Música", da Editora Abril (que descreviam com grande minúcia a vida e a obra de Bach nos fascículos que acompanhavam os LPs). Os discos de João Carlos Martins, com peças completas de Partitas, Suítes Francesas, Inglesas, e por aí vai. A Arte da Fuga executada no cravo. Uma série de cantatas. Com o tempo, a obra de Bach, que me impressionava pela beleza arrebatadora de peças como a Ária na Corda Sol, passou a ser para mim uma espécie de monolito respeitável, belíssimo e imponente. Eu me desfiz da minha coleção de LPs há muitos anos já, mas acho que tinha mais de duzentos discos do compositor. Uns poucos anos atrás, depois de ver um anúncio no Instagram, resolvi baixar um disco simplesmente chamado "Johann Sebastian Bach", com peças diversas de um pianista islandês chamado Víkingur Ólafsson. O álbum me impressionou tanto pela execução simplesmente inacreditável - suave e expressiva na medida certa - do instrumentista, como pela escolha das peças. O disco é uma compilação com as músicas mais bonitas para teclado de Bach - e mesmo algumas transcrições de peças que não eram originalmente para o instrumento, como a inacreditável  "Nun komm der Heiden Heiland", do Prelúdio Coral para Órgão BWV 659, transcrito por Ferruccio Busoni. Ouvindo esse disco me senti criança, maravilhado de novo com a capacidade melódica e expressiva de Johann Sebastian Bach.
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“Náufragos, traficantes e degredados”, de Eduardo Bueno
História
“Náufragos, traficantes e degredados”, de Eduardo Bueno
1 de setembro de 2024 at 14:51 0
Acompanho já há alguns anos o canal do YouTube Buenas Ideias, do jornalista Eduardo Bueno, e agora estou tentando tirar o atraso do podcast Nós na História, em que ele conversa - na maior parte do tempo sobre História mesmo - com seus amigos Luciano Potter e Arthur Gubert. Quem conhece o Peninha - apelido de Eduardo Bueno - sabe bem o que esperar do seu canal e do podcast: uma verve impressionante, um senso de humor depreciativo - contra si e contra todos -, e um conhecimento de História do Brasil impressionante. Dada sua franqueza frequentemente ferina, acho até natural que não gostem dele, mas dado seu sucesso é possível que ele seja mais amado do que odiado - estou entre os primeiros, aliás. "Náufragos, traficantes e degredados" (Estação Brasil, 176 páginas) é um edição revista e ampliada em 2016 da obra - já clássica - lançado em 1998. O estilo do livro - ao contrário daquele do podcaster e youtuber Eduardo Bueno - é sóbrio e conciso. Mas a história que ele conta é fascinante e inesperada: às vezes me pareceu estar lendo histórias que aconteceram numa realidade paralela. O livro conta, entre outros temas, a história das primeiras expedições de europeus no Brasil - algumas delas ocorridas antes do descobrimento oficial em 22 de abril de 1500 -, da luta pelo pau-brasil entre portugueses e franceses, da frustração dos exploradores em não encontrar ouro e pedras preciosas por aqui (quando havia fortes indicativos, mais tarde confirmados, de que havia quantidades enormes destes materiais no Novo Mundo), e das primeiras feitorias instaladas por portugueses em nosso país. Mas o mais inesperado e fascinante da obra são, efetivamente, os "náufragos, traficantes e degredados". Peninha conta muitas histórias de europeus que eram simplesmente largados por aqui por castigo ou por outro motivo, ou que naufragaram e não tinham mais para onde ir, ou que resolviam viver no Brasil para traficar pau-brasil e, mais tarde, indígenas. O que mais chama a atenção é que quase todos eles passaram a viver como índios, com grande número de mulheres e liderando comunidades. Um tempo estranho no qual as diferenças entre povos eram bem menores do que se acredita hoje.
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