abril 2025

Uma partida de xadrez
Obra Literária
Uma partida de xadrez
27 de abril de 2025 at 18:36 0
Os dois chegam meio esbaforidos para a mesa, e se cumprimentam rapidamente – é quase um tapinha nas mãos que eles se dão. Eles se sentam e começam imediatamente a ajeitar as peças no tabuleiro, que já estavam previamente colocadas nas suas posições. Até hoje não entendo direito porque os enxadristas arrumam – meio que giram mesmo – todas as suas peças antes das partidas: eles mexem nelas, mas parece que não muda nada na sua disposição. Será que é alguma mania, ou TOC? Sei lá, só sei que sempre vejo isso, e é estranho. Uma voz fala pelos alto-falantes: “disparem seus cronômetros”, e os jogadores de pretas – Benjamin, no caso do jogo que estou assistindo com mais atenção – clicam no relógio, que é do mesmo tipo há séculos. Ele é composto por dois cronômetros digitais, sem ponteiros; acima deles, uma espécie de barrinha aproximadamente em forma de “V” é acionada por cada jogador no final de sua jogada, quando seu cronômetro para e dispara o do adversário. O jogo é no ritmo pensado – quatro horas, mais cinco minutos por lance, mais duas horas depois do lance 40, com adicionais de dois minutos por lance. É notável como Raj Singh parece pouco se mexer durante todo o jogo: ele fica inclinado sobre o tabuleiro – só o que se mexe, mas apenas a cada tantos minutos, são seus braços e mãos: ou sobre o colo, ou com os cotovelos na mesa e as mãos apoiando o rosto, ou com os cotovelos na mesa e as mãos sobre os pulsos ou atrás dos cotovelos. Às vezes ele se cansa de ficar inclinado para a frente e se apoia para um pouco na cadeira, para trás. Benjamin se mexe muito mais que seu amigo: além de fazer todos os movimentos que o Raj faz, ele fica olhando para cima um bom tempo (imaginando alguma variante, com certeza), coça o rosto com as mãos – principalmente embaixo do queixo -, fica muito mais tempo inclinado para trás e toma mais água que seu adversário. Os dois andam um pouco para ver os tabuleiros. Raj Singh é famoso por ser um dos que mais se levantam e olham as partidas alheias, mas quando joga contra o Benjamin ele se distrai bem menos. Quanto aos lances, a velocidade das jogadas varia bastante, e vai da grande demora (o lance mais lento foi provavelmente o 27.... g5, que meu irmão demorou quase meia hora para fazer) até uma troca rápida de lances - em posições mais estudadas ou mais simples. Tanto meu irmão quanto o Raj são destros, e usam a mesma mão para jogar e acionar o cronômetro (em jogos de blitz, é comum o enxadrista mexer a peça com uma mão e tocar no relógio com outra, para ganhar tempo). Na entrevista coletiva antes da partida, o Raj Singh, sabendo da superioridade do meu irmão, disse - meio brincando, meio a sério - que “só tentaria se defender com as brancas e ver o que iria acontecer”; já meu irmão fez aquele sorriso vencedor dele e respondeu, meio brincando e meio a sério também: “o Raj é gentil demais para conseguir me vencer”. Brincadeiras à parte, eles jogam a variante Nyezhmetdinov-Rossolimo com fianchetto da Siciliana (a abertura termina com o lance 4... Bg7, que é o fianqueto). Foi um jogo posicional, em que Raj Singh tentou manter uma posição o mais segura possível, sem basicamente arriscar nada - mas a sua tática não deu certo, e ele acabou desistindo no lance 55. Quando o jogo acaba, os dois se cumprimentam tão rapidamente quanto no início da partida, e começam a conversar sussurrando, para não atrapalhar quem ainda estava jogando. Raj aponta o dedo para a coluna e, depois de uma rápida troca de ideias, coloca o dedo na casa b2, perguntando, possivelmente, se tinha feito alguma besteira em algum momento do final. O olhar do indiano para meu irmão é uma mistura de preocupação pela derrota com uma enorme admiração por ele; Benjamin, por outro lado, parece estar um pouco constrangido por ter ganhado mais uma do seu amigo. Quando a conversa, que durou pouco mais que um minuto acaba, os dois se levantam rapidamente e saem do palco. Havia mais enxadristas sendo atração no palco. (Imagem obtida com o programa de inteligência artificial Gemini, do Google. Quem tiver interesse em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Papa Francisco (1936-2025)
Religião
Papa Francisco (1936-2025)
21 de abril de 2025 at 13:36 0
É engraçado como eu acompanhei pouco a carreira do Papa Francisco, em relação aos dois anteriores. Quanto ao Papa João Paulo II, li a biografia “Sua Santidade - Joao Paulo II e a história oculta de nosso tempo”, de Carl Bernstein (um dos jornalistas que denunciaram o caso Watergate) e Marco Politi e algumas de suas encíclicas, e também o vi, desde a plateia, três vezes: uma vez em Castel Gandolfo, e duas aqui em Curitiba. Quanto ao Papa Bento XVI, li, com grande satisfação, diversas de suas obras, algumas delas comentadas no meu site. Ele era um teólogo profundo e com um estilo límpido. O que eu sei sobre o Papa hoje era basicamente o que a imprensa comentava: uma pessoa extremamente bem-humorada, progressista, humilde e com uma grande preocupação com os pobres. Torcedor do San Lorenzo (ninguém é perfeito), e profundamente bem-relacionado com os judeus – são famosas as brincadeiras mútuas entre o Papa Francisco e o rabino Abraham Skorka, torcedor do River Plate, sobre futebol. Aparentemente, está havendo um aumento no fervor católico não só no Brasil, como no mundo todo. Na sua página na rede social X, o jornalista católico Sachin José apresenta informações sobre o aumento de conversões, por exemplo, na França, nos Estados Unidos – país em que, segundo o New York Post, “jovens estão se convertendo ao massa ao catolicismo” – e na Inglaterra – onde, aparentemente, já há mais católicos praticantes do que anglicanos praticantes. Eu não posso ter certeza sobre um assunto desses, mas apostaria que este renascer católico, se verdadeiro, se deve em grande parte ao Papa falecido hoje, 21 de abril de 2025 – data em que minha mãe faz dois anos de falecimento. Espero que o Papa Francisco já tenha se encontrado com ela do outro lado. (Foto que acompanha o texto obtida no site da Canção Nova. Quem tiver interesse em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Mario Vargas Llosa (1936-2025)
Literatura, Obra Literária
Mario Vargas Llosa (1936-2025)
14 de abril de 2025 at 10:51 0
Na adolescência eu tinha variado entre a esquerda radical (comunismo), a esquerda liberal e o anarquismo. Cheguei a fazer uma micro-tatuagem com o símbolo do anarquismo: tinha livros do Proudhon, do Bakunin, do Kropotkin e do Malatesta. Achava que o governo — qualquer governo — é a fonte de todos os males. Quando da primeira eleição para presidente no Brasil em muitos anos, eu tinha votado nos candidatos de esquerda, não porque ainda tivesse qualquer ilusão quanto ao sucesso do comunismo/socialismo, mas porque eu tinha uma questão incômoda e não respondida: “Por que diabos o capitalismo dá certo nos países da Europa e não aqui?” Enquanto ninguém me respondia a essa pergunta, eu votava nos candidatos da esquerda porque a pobreza aqui do Brasil é uma coisa horrorosa. Mas eu me interessava muito pelo assunto, vivia numa verdadeira ebulição intelectual atrás de alguém que me desse uma resposta para a questão acima. Resposta esta que acabou vindo no “Programa Henry Maksoud e Você”, em que o apresentador entrevistava o escritor Mario Vargas Llosa. Segundo este, os países latino-americanos não chegam a ter um capitalismo desenvolvido, mas um mercantilismo, onde os governantes se unem com os grandes empresários num jogo de interesses. O verdadeiro capitalismo significa concorrência, coisa que, segundo o então futuro Prêmio Nobel de Literatura, não existe aqui na América Latina. Em outras palavras, o problema do país não é excesso de capitalismo, mas a falta dele. *** Se sou um liberal de centro-direita até hoje, devo boa parte disso à influência e à chancela de Mario Vargas Llosa, conforme o trecho acima, reproduzido do meu livro “Rua Paraíba”. Mas o grande escritor peruano, falecido ontem, era muito mais do que isso para mim. Li com grande prazer várias de suas obras, “Conversa na Catedrak”, “Pantaleão e as visitadoras”, “Tia Júlia e o escrevinhador”, “Elogio da madrasta”, “Quem matou Palomino Molero?”, “Travessuras de menina má”. Tenho aqui os “Cadernos de Dom Rigoberto”, continuação de “Elogio da madrasta”, e logo devo ler. Só deixei dois no meio: “A guerra do fim do mundo”, uma espécie de releitura de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, porque achei meio chato, e “A festa do bode”, uma obra-prima absoluta sobre o ditador dominicano “Rafael Leonidas Trujillo Molina - o "Bode" - e a implacável ditadura que implantou no país durante seus 31 anos de governo”, segundo o site da Amazon. Prova de que tem épocas em que a gente não está muito a fim de ler mesmo. Descanse em paz, mestre. (Foto que acompanha o texto obtida no Portal Uol.)
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Anora e Vitória
Cinema
Anora e Vitória
6 de abril de 2025 at 16:57 0
Assim como a famosa personagem Berma, de Marcel Proust, Fernanda Montenegro, em “Central do Brasil” (Walter Salles, 1998) me impressionou por simplesmente não parecer uma atriz famosa no filme. Conforme eu tinha comentado aqui,
“(...) não havia nada de tão extraordinário naquela mulher pobre, aproveitadora, porém não de todo má. Neste ponto, em torno do meio do filme, é que entendi o segredo de Fernanda Montenegro: era como se ela fosse a própria Dora. Não havia a menor teatralidade em seus gestos, em seu falar, em seus modos. Até a sua maneira de sentar era a de uma mulher do povo. As características que muitas vezes são relacionadas a uma grande interpretação, como grandiloquência e dramaticidade, estavam completamente ausentes de sua interpretação minimalista e enormemente autêntica.”
A única cena que realmente me emocionou no recente (2024) e badalado “Ainda estou aqui”, também de Walter Salles, foi a cena final, em que Fernanda Montenegro interpreta a principal personagem do filme, Eunice Paiva, já senil. Só quem já conviveu com alguém naquela condição tem ideia do que a nossa maior atriz fez naqueles poucos minutos. Em “Vitória”, de Andrucha Waddington (110 minutos), baseado num fato real, Fernanda Montenegro faz o papel de Joana Zeferino da Paz, uma senhora solitária e idosa que filmava os crimes do tráfico que ocorriam diante de sua janela em Copacabana, na Ladeira dos Tabajaras. Suas filmagens renderam prisão de aproximadamente 30 pessoas, incluindo traficantes e policiais militares envolvidos em corrupção. No filme Fernanda Montenegro demorou para me impressionar, assim como em “Central do Brasil”. No começo de “Vitória”, ela me pareceu a atriz de sempre, conhecida da televisão, meio grandiloquente e teatral. À medida que o filme transcorria, fui percebendo que ninguém mais poderia ter a grandeza de contar esta história impressionante: a nossa maior atriz consegue nos transportar para a vida da sra. Joana como se ela fosse a própria Joana. Espetacular. *** “Anora”, o grande vencedor do Oscar de 2025, dirigido por Sean Baker (139 minutos), conta a história de uma stripper de origem russa, Ani, que vive em Nova Iorque e se apaixona pelo filho de um milionário também russo, Ivan "Vanya" Zakharov (vivido por Mark Eydelshteyn). Depois de alguns dias de muito sexo, diversão com os amigos, bebida e drogas, ele pede a stripper em casamento. Os pais dele são contra a união, o que causa uma confusão que se pode imaginar: perseguições, guarda-costas, choro e violência. De todo modo, como bem lembrou André Barcinski em seu vídeo sobre o filme, todos os personagens de “Anora” são interessantes, e nenhum é puramente bom nem puramente mau. Além disso, o filme tem comédia, drama e ação numa proporção bem equilibrada, o que torna o filme merecedor de todos os prêmios que conquistou. O título de “Anora” é incrivelmente semelhante ao de “Vitória”, mas não dá para contar aqui para não estragar as duas surpresas. Além disso, os dois filmes têm como grande destaque a atuação das suas atrizes principais – Fernanda Montenegro, citada acima, e Mikey Madison, que faz a stripper Ani de maneira intensa e verdadeira. Apesar de eu mesmo ter torcido para Fernanda Torres, filha de Fernanda Montenegro, para vencer o Oscar de 2025 por sua atuação de “Ainda estou aqui”, sou obrigado a reconhecer que Mikey Madison mereceu plenamente seu prêmio de melhor atriz na cerimônia. (Foto que acompanha o texto obtida no site Planeta Nerd. Quem estiver interessado em receber meus textos semanalmente clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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