Fernanda Torres

Diário de um Leitor Compulsivo – Um mergulho pessoal nas páginas e nas frustrações da vida literária
História, Literatura
Diário de um Leitor Compulsivo – Um mergulho pessoal nas páginas e nas frustrações da vida literária
7 de setembro de 2025 at 01:20 0

A minha ideia de escrever sobre livros na internet surgiu no início dos anos 2000, mais como um auxílio à minha própria memória. Como leio muito, tinha receio de esquecer se já havia lido ou não determinado livro. Com exceção de um curto período, sempre li o que quis, sem compromisso com prazos, lançamentos ou qualquer outra obrigação.

Além desse desejo, sempre achei que, ao publicar meus comentários, poderia ajudar outras pessoas a descobrir uma obra. Por isso, me sinto um pouco frustrado quando leio algo decepcionante, mas, por uma espécie de dever “profissional”, sinto a necessidade de comentar todos os livros que leio — exceto os de engenharia.

O texto de hoje, aliás, fala sobre três livros que foram bastante decepcionantes, mas, mesmo assim, vale a pena comentá-los, né?


Foe, de J. M. Coetzee

Publicado originalmente em 1986, Foe, de J. M. Coetzee, é uma obra de 157 páginas editada pela Penguin Books. A edição brasileira, traduzida por José Geraldo Couto, foi publicada pela Companhia das Letras. O romance reconta a história de Robinson Crusoé a partir de uma perspectiva feminina. A naufragada Susan Barton, que morou no Brasil colonial e procurava a filha desaparecida, encontra Crusoé (chamado de “Cruso” no livro) e Sexta-feira em uma ilha deserta. Ao ser resgatada e retornar à Inglaterra, ela procura o autor Daniel Foe (o nome original de Daniel Defoe) para que ele escreva sua aventura. No entanto, o relato de Susan foca na ausência da língua de Sexta-feira e na recusa de Cruso em valorizar essa questão, o que levanta discussões sobre colonialismo, identidade e autoria. É difícil expressar o quanto amo as obras de J. M. Coetzee, mas esta, apesar de ser interessante em alguns momentos no início, tem um final tão confuso e sem sentido que se torna uma decepção completa. Quem sabe eu passe a gostar dela no futuro, como aconteceu com a trilogia sobre Jesus, mas acho difícil.

Sete anos, de Fernanda Torres

Sete anos, de Fernanda Torres, com 168 páginas, é uma coletânea de crônicas publicada em 2024 pela Companhia das Letras. Eu gostei bastante dos dois romances da grande atriz Fernanda Torres e de suas crônicas na Folha de São Paulo. Isso, mais o fato de a primeira crônica de “Sete Anos”, a longa “Kuarup” (quase 20 páginas), sobre as filmagens do filme de mesmo nome, dirigido por Ruy Guerra em 1989, ser bastante interessante, acabou me animando em relação ao que viria depois no livro. Que decepção! Fernanda Torres passeia por vários temas e faz inúmeras relações, fala muito sobre política, mas quase tudo me deixou profundamente entediado. Foi uma dificuldade terminar de ler o livro, que ficou datado além da conta.

Televisionários. A História da Facção Exército Vermelho, Mais Conhecida por Engano Como Grupo Baader Meinhof, de Tom Vague

Publicado originalmente em 1992, Televisionários, de Tom Vague, é uma obra de 208 páginas. A edição em português foi traduzida por Celso Grubisic e publicada em 1999 pela editora Conrad. O grupo terrorista alemão Baader-Meinhof é um dos meus interesses estranhos, assim como os Wari, os etruscos, os papas de Avignon e o período Permiano. Comprei este livro na esperança de saber mais sobre o grupo, mas o texto, que não passa de uma longa cronologia, não aprofunda basicamente nada sobre as motivações do grupo nem sobre seus integrantes. Terei que encontrar outro livro sobre eles.

(Imagem que acompanha o texto obtida com o Google Gemini.)

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Anora e Vitória
Cinema
Anora e Vitória
6 de abril de 2025 at 16:57 0
Assim como a famosa personagem Berma, de Marcel Proust, Fernanda Montenegro, em “Central do Brasil” (Walter Salles, 1998) me impressionou por simplesmente não parecer uma atriz famosa no filme. Conforme eu tinha comentado aqui,
“(...) não havia nada de tão extraordinário naquela mulher pobre, aproveitadora, porém não de todo má. Neste ponto, em torno do meio do filme, é que entendi o segredo de Fernanda Montenegro: era como se ela fosse a própria Dora. Não havia a menor teatralidade em seus gestos, em seu falar, em seus modos. Até a sua maneira de sentar era a de uma mulher do povo. As características que muitas vezes são relacionadas a uma grande interpretação, como grandiloquência e dramaticidade, estavam completamente ausentes de sua interpretação minimalista e enormemente autêntica.”
A única cena que realmente me emocionou no recente (2024) e badalado “Ainda estou aqui”, também de Walter Salles, foi a cena final, em que Fernanda Montenegro interpreta a principal personagem do filme, Eunice Paiva, já senil. Só quem já conviveu com alguém naquela condição tem ideia do que a nossa maior atriz fez naqueles poucos minutos. Em “Vitória”, de Andrucha Waddington (110 minutos), baseado num fato real, Fernanda Montenegro faz o papel de Joana Zeferino da Paz, uma senhora solitária e idosa que filmava os crimes do tráfico que ocorriam diante de sua janela em Copacabana, na Ladeira dos Tabajaras. Suas filmagens renderam prisão de aproximadamente 30 pessoas, incluindo traficantes e policiais militares envolvidos em corrupção. No filme Fernanda Montenegro demorou para me impressionar, assim como em “Central do Brasil”. No começo de “Vitória”, ela me pareceu a atriz de sempre, conhecida da televisão, meio grandiloquente e teatral. À medida que o filme transcorria, fui percebendo que ninguém mais poderia ter a grandeza de contar esta história impressionante: a nossa maior atriz consegue nos transportar para a vida da sra. Joana como se ela fosse a própria Joana. Espetacular. *** “Anora”, o grande vencedor do Oscar de 2025, dirigido por Sean Baker (139 minutos), conta a história de uma stripper de origem russa, Ani, que vive em Nova Iorque e se apaixona pelo filho de um milionário também russo, Ivan "Vanya" Zakharov (vivido por Mark Eydelshteyn). Depois de alguns dias de muito sexo, diversão com os amigos, bebida e drogas, ele pede a stripper em casamento. Os pais dele são contra a união, o que causa uma confusão que se pode imaginar: perseguições, guarda-costas, choro e violência. De todo modo, como bem lembrou André Barcinski em seu vídeo sobre o filme, todos os personagens de “Anora” são interessantes, e nenhum é puramente bom nem puramente mau. Além disso, o filme tem comédia, drama e ação numa proporção bem equilibrada, o que torna o filme merecedor de todos os prêmios que conquistou. O título de “Anora” é incrivelmente semelhante ao de “Vitória”, mas não dá para contar aqui para não estragar as duas surpresas. Além disso, os dois filmes têm como grande destaque a atuação das suas atrizes principais – Fernanda Montenegro, citada acima, e Mikey Madison, que faz a stripper Ani de maneira intensa e verdadeira. Apesar de eu mesmo ter torcido para Fernanda Torres, filha de Fernanda Montenegro, para vencer o Oscar de 2025 por sua atuação de “Ainda estou aqui”, sou obrigado a reconhecer que Mikey Madison mereceu plenamente seu prêmio de melhor atriz na cerimônia. (Foto que acompanha o texto obtida no site Planeta Nerd. Quem estiver interessado em receber meus textos semanalmente clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Fernanda Torres escritora
Cinema, Literatura
Fernanda Torres escritora
6 de janeiro de 2025 at 23:19 0
A vencedora do Globo de Ouro de 2025 de melhor atriz de filme (drama) é também uma excelente escritora. Seguem abaixo os dois textos que escrevi sobre os romances de Fernanda Torres. Aproveitando a vitória dela, acabei de comprar seu livro de crônicas, "Sete anos", sobre o qual logo comento por aqui. ***

“O Fim”

27 de julho de 2015
O início de cada um dos capítulo de O Fim, de Fernanda Torres, é um monólogo interior com os últimos momentos da vida de cada um dos cinco personagens principais da história – na continuação, os capítulos são escritos em terceira pessoa, contando as histórias inter-relacionadas de Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro. Os cinco amigos viveram a grande liberdade de sexo e drogas no Rio de Janeiro entre os anos 50 a 70 e terminam a vida – a partir do início dos anos 90 – deprimidos, solitários e, quase sempre, abandonados pelos familiares mais próximos – a quem haviam negligenciado durante toda a vida.
Fernanda Torres parece querer mostrar, de forma cínica e amarga, que a grande liberdade de costumes daqueles anos loucos pôde transformar quem os viveu em monstros egoístas, autoindulgentes, capazes de trocar qualquer valor moral por um naco de prazer. Quem conhece aquela atriz meio amalucada de Os Normais e das suas, muitas vezes, destrambelhadas entrevistas, não consegue imaginar que seu primeiro romance seria tão sério e, porque não dizer, profundo – mesmo que muitas vezes bem humorado. Pelo menos, não me surpreendi com a qualidade indiscutível de sua prosa: as colunas mensais que ela escreve na Folha já me mostravam que ali estava alguém com um grande talento literário. Fico na expectativa de seus próximos livros. ***

“A glória e seu cortejo de horrores”

22 de abril de 2018
Eu tinha escrito o seguinte sobre o romance anterior de Fernanda Torres, “O Fim”, lançado em 2013: “Quem conhece aquela atriz meio amalucada de Os Normais e das suas, muitas vezes, destrambelhadas entrevistas, não consegue imaginar que seu primeiro romance seria tão sério e, porque não dizer, profundo – mesmo que muitas vezes bem-humorado. Pelo menos, não me surpreendi com a qualidade indiscutível de sua prosa: as colunas mensais que ela escreve na Folha já me mostravam que ali estava alguém com um grande talento literário. Fico na expectativa de seus próximos livros. ” Baseado nisso, quando descobri que Fernanda Torres tinha lançado um segundo romance, “A glória e seu cortejo de horrores” (Companhia das Letras, 215 páginas), comprei-o assim que pude, e o livro é o objeto do presente texto (ela também lançou em 2014 um livro de crônicas, “Sete Anos”, que ainda não li). “A glória e seu cortejo de horrores” conta a história do ator Mario Cardoso, personagem fictício que é uma espécie de exemplar de toda uma geração: ainda jovem, nos anos 60, foi fazer uma espécie de teatro de guerrilha no sertão nordestino; depois, já no Rio de Janeiro, ingressa na produção de “Hair”, exemplar mais famoso do desbunde hipppie; acaba sendo descoberto mais tarde em duas produções de vanguarda, “Tio Vânia”, de Tchekhóv, e “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos. O enorme sucesso destas duas montagens acaba por levá-lo à TV, onde faz novelas e fica rico e famoso no país inteiro. Anos depois, abandona a TV e cria uma montagem totalmente fracassada de “Rei Lear”, de Shakespeare – e é com este fracasso que “A glória e seu cortejo de horrores” se inicia: a vida pregressa de Mario Cardoso é contada por meio de suas reminiscências. Confesso que eu achava irritantes boa parte das entrevistas do extinto programa de entrevistas do Jô Soares com atores, frequentemente se auto elogiando, falando maravilhas de seus próprios trabalhos: a acreditar em boa parte de que eles falavam de si mesmos no programa do Jô, o teatro é uma arte espetacular, os atores são pessoas especiais, participar de peças é sempre recompensador e especial. Em “A glória e seu cortejo de horrores” há muito pouco deste discurso cansativo: é ressaltada, claro, a importância do teatro e da arte, mas o próprio Mario Cardoso não cansa de repetir que a maior característica dele é a vaidade, o amor por si mesmo. É claro que no romance as coisas não são assim tão esquemáticas: afinal de contas, mais do que uma ótima atriz, tenho a impressão de que Fernanda Torres é, mesmo, uma grande escritora, que escreveu mais um grande livro. E grandes livros têm mais de uma leitura possível. *** (Foto que acompanha o texto obtida no Gshow)
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“A glória e seu cortejo de horrores”, de Fernanda Torres
Literatura
“A glória e seu cortejo de horrores”, de Fernanda Torres
22 de abril de 2018 at 21:07 0
Eu tinha escrito o seguinte sobre o romance anterior de Fernanda Torres, “O Fim”, lançado em 2013:

“Quem conhece aquela atriz meio amalucada de Os Normais e das suas, muitas vezes, destrambelhadas entrevistas, não consegue imaginar que seu primeiro romance seria tão sério e, porque não dizer, profundo – mesmo que muitas vezes bem-humorado. Pelo menos, não me surpreendi com a qualidade indiscutível de sua prosa: as colunas mensais que ela escreve na Folha já me mostravam que ali estava alguém com um grande talento literário. Fico na expectativa de seus próximos livros. ” (mais…)

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“O Fim”, de Fernanda Torres
Literatura
“O Fim”, de Fernanda Torres
27 de julho de 2015 at 06:18 0
O início de cada um dos capítulo de O Fim, de Fernanda Torres, é um monólogo interior com os últimos momentos da vida de cada um dos cinco personagens principais da histórias - na continuação, os capítulos são escritos em terceira pessoa, contando as histórias inter-relacionadas de Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro. Os cinco amigos viveram a grande liberdade de sexo e drogas no Rio de Janeiro entre os anos 50 a 70 e terminam a vida - a partir do início dos anos 90 - deprimidos, solitários e, quase sempre, abandonados pelos familiares mais próximos - a quem haviam negligenciado durante toda a vida.
Fernanda Torres parece querer mostrar, de forma cínica e amarga, que a grande liberdade de costumes daqueles anos loucos pôde transformar quem os viveu em monstros egoístas, autoindulgentes, capazes de trocar qualquer valor moral por um naco de prazer. (mais…)
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