Dalton Trevisan

Literatura
“Vampiro de Curitiba” e “Cemitério de Elefantes”, de Dalton Trevisan
22 de março de 2020 at 19:56 0

Lançados originalmente respectivamente em 1964 e 1965, “Cemitério de Elefantes” (Record, 126 páginas) e “O Vampiro de Curitiba” (Record, 142 páginas) são dois dos livros mais famosos de Dalton Trevisan - frequentemente apelidado, ele mesmo, de “vampiro de Curitiba”.

Em “O Vampiro de Curitiba”, todas as quinze histórias têm um personagem principal com o mesmo nome, “Nelsinho”, sempre obcecado por mulheres,  mas que não são necessariamente a mesma pessoa. 

Algumas histórias, envolvendo estupro, são chocantes até para leitores assíduos de Dalton Trevisan (“O Vampiro de Curitiba”, “Debaixo da Ponte Preta”). Outras, envolvendo carência feminina, são francamente patéticas (“Visita à Professora”, “A Velha Querida”, “A Noite da Paixão”, “Chapeuzinho Vermelho”). Em “Arara Bêbada” e “Menino Caçando Passarinho”, Nelsinho é um advogado que não dá bola para os limites éticos de sua profissão, assediando descaradamente suas clientes. “Último Aviso” mostra um Nelsinho ciumento e chantageador. “Na Pontinha da Orelha” e “Eterna Saudade” descrevem relacionamentos complexos, com atração mútua e alguns mal-entendidos.

Já “O Cemitério de Elefantes” fala de vingança (“O Primo”), morte (“Uma Vela para Dario”), violência (“O Baile”, “À Margem do Rio”), ciúme (“Bailarina Fantasista”), alcoolismo (“Os Botequins”), miséria (“Cemitério de Elefantes”). O tema principal do livro parece mesmo ser as relações familiares, sempre complicadas quando o assunto é Dalton Trevisan (“O Jantar”, “O Espião”, “Duas Rainhas”, “Angústia do Viúvo”, “A Casa de Lili”, “Dia de Matar Porco”) - tanto que um dos contos, sobre um marido violento, se chama “Questão de Família”. 

Tantos anos depois de publicados, os dois livros não envelheceram nadinha.

Leia mais +
Filosofia, Literatura
Turmas
12 de janeiro de 2020 at 15:41 0
Luiz Felipe Pondé - Wikipédia

Em vídeos e crônicas, o famoso filósofo Luiz Felipe Pondé – que eu admiro muito, aliás – parece citar sempre os mesmos escritores: Fiódor Dostoiévski, William Shakespeare, Liev Tolstói, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Georges Bernanos e mais alguns poucos (não custa lembrar que ele está lançando um curso online sobre literatura, cujo link está aqui). Dostoiévski, então, é uma verdadeira mania para ele: em suas entrevistas da série “Democracia na Teia”, por exemplo, há uma edição gigantesca do grande autor russo atrás de entrevistador e entrevistado – mais do que isso, ele parece sempre pronto a citá-lo a qualquer momento, com ou sem necessidade.

Eu raramente cito qualquer um desses escritores da turma do Pondé. Do Dostoiévski, li “Crime e Castigo” quando adolescente, e “Os irmãos Karamazov”, bem mais tarde. Gostei muito, mas não me marcaram. De Tolstói li mais e gostei mais, mas raramente lembro dele. Machado de Assis é um gênio, claro, mas aqui no Brasil prefiro Lima Barreto (acabei de ler “Recordações do escrivão Isaías Caminha” pela terceira vez dia desses) e Dalton Trevisan. De Shakespeare conheço muito pouco, embora tenha lido “Júlio César” ano passado e tenha amado. Sobre Nelson Rodrigues eu comentei no meu “Verão de 54”: “para ser grande literatura ainda falta um tanto para Nelson Rodrigues”. Bernanos eu conheci recomendado pelo próprio Pondé, gostei muito, mas achei meio confuso.

Eu tenho uma turminha de escritores que cito sempre, também. Lembro, por exemplo, que parei de ler as colunas de dois críticos de literatura só porque falaram mal de “2666”, de Roberto Bolaño: um deles ainda teve o desplante de escrever que outra obra do chileno, “Os detetives selvagens” – que eu achei ruim – era “mais bem acabado” (ou alguma outra expressão sem sentido) que “2666”.

De todo modo, minha turminha de escritores, fora os que já citei – Lima Barreto, Dalton Trevisan, Roberto Bolaño – tem ainda Patrick Modiano, Gabriel García Márquez, Marcel Proust, Karl Ove Knausgard, Honoré de Balzac, Junichiro Tanizaki, Philip Roth, Thomas Mann, J.M.G. Le Clézio e mais alguns. Tem um outro autor que está na minha turma e na do Pondé, mas ele não foi citado – ainda.

Existe uma autora que acabou entrando na minha turma há uns poucos anos, a escritora e cantora Patti Smith. Em “O ano do macaco” ela conta de sua paixão avassaladora por “2666”, de Roberto Bolaño. Em “Devoção” ela fala de maneira extremamente carinhosa – como só ela consegue fazer – de Patrick Modiano e Simone Weil. Modiano e Bolaño admirados como devem ser! (A Simone Weil, cujas obras nunca li, deve ser muito boa também, haha.) Será que a turma de Patti Smith é parecida com a minha? Espero que sim.

De todo modo, por que a turma de Pondé é diferente da minha e, quem sabe, da da Patti Smith também? Porque, acredito eu, como filósofo, ele quer retirar algum ensinamento, quer “enxergar” algo por trás de uma obra literária. Dostoiévski e o problema da existência. Machado de Assis e o ciúme. Shakespeare e os sentimentos humanos. Nelson Rodrigues e a hipocrisia da classe média. Georges Bernanos e a fé. Tolstói e... sei lá o que ele quer ver em Tolstói.

Já eu e, provavelmente, a Patti Smith, queremos nos deslumbrar com uma obra literária. Não há o que enxergar por trás de “2666”, não há nenhum ensinamento por trás desta maravilha. O livro é apenas isso – uma maravilha. [1]

Antes de terminar, comentei acima que existe um autor que faz parte da minha turma e da do Pondé: o nome dele é Franz Kafka. Ele deve admirar o grande autor tcheco pela crítica à burocracia, ou pelo retrato simbólico do absurdo da existência, ou coisa que o valha. Eu sei que amo Kafka pela imaginação e pela maravilhosa técnica de contar histórias malucas como se estivesse fazendo um relatório de empresa de seguros.


[1] Algum engraçadinho pode vir me questionar dizendo que o que está por trás das obras de Balzac, Thomas Mann e Junichiro Tanizaki, da minha turma, sejam respectivamente o dinheiro, a arte e o sexo. O que eu teria em minha defesa? Sei lá, hehe.

Leia mais +
Literatura
“Violetas e pavões”, de Dalton Trevisan, e “O ano do macaco”, de Patti Smith
22 de dezembro de 2019 at 15:55 0
Dalton Trevisan: Revista Veja

Dois livros que me causam alguns problemas para comentar, por motivos diferentes.

A última obra publicado por Dalton Trevisan, em 2014, “Violetas e pavões” (Record, 143 páginas) é um livro de contos muito diferente do que estamos acostumados do normal do grande curitibano: em boa parte das suas histórias, um viajante (que não sabemos se é o próprio escritor) vai desfilando impressões sobre diferentes cidades, principalmente na Itália. Em alguns contos aparecem bordéis e prostitutas, mas tudo de maneira muito sutil e delicada – nada parecido com a histórias escabrosas que fizeram a fama de Dalton Trevisan. “Violetas e pavões” é um livro que poderia ser chamado de impressionista: são feitas muitas descrições de ambientes, cidades e lugares, de maneira ao mesmo tempo intimista e distante. Não é um livro ruim, não mesmo, mas se eu não soubesse que era de Dalton Trevisan eu não iria achá-lo chato? Prefiro não pensar muito na resposta.

Já o recém lançado “O ano do macaco”, da escritora e cantora Patti Smith (Companhia das Letras, 164 páginas), assim como seus anteriores e maravilhosos “Só garotos” e “Linha M”, é autobiográfico, e a autora conta histórias de sua vida de sua maneira fascinante, afetiva e original. Só que em “O ano do macaco” o sobrenatural – que já teve um pequeno papel em “Linha M” – praticamente toma conta de toda história: às vezes não sabemos se o que ela conta é realidade, sonho ou simplesmente delírio (por exemplo, ela conversa, a sério, com uma placa de trânsito).

Uma das dificuldades para comentar o livro – ao contrário daquele de Dalton Trevisan citado acima - é definir por que ele é tão maravilhoso, já que ele é constituído apenas por histórias que "vão passando". A outra dificuldade, pessoal, é como fazer para explicar o poder hipnótico de “O ano do macaco”: afinal de contas, todas as loucuras que ela conta no livro me pareceram perfeitamente racionais enquanto eu o lia.

Leia mais +
Literatura
“Violetas e Pavões”, de Dalton Trevisan
17 de novembro de 2019 at 14:28 0
Dalton Trevisan - Jornal do Povo

Em “A Desgraça de Zeno” uma mulher trafica drogas pela primeira vez e se dá muito mal. “Amor, Amor, Abra as Asas” é uma declaração sem-vergonha de amor de um homem para sua amada. “O Recibo” conta um estupro. “Na Virada da Noite” conta a vida de um homem devastado pelas drogas. “Violetas e Pavões” é, também, uma safada declaração de amor – mas do ponto de vista feminino. Em “Não Sou o Buba” o protagonista tenta explicar que foi preso por engano. Em “Misericórdia” uma senhora doente é internada na ala dos idosos, “anexa à dos psicóticos”. “Tenha Uma Boa Noite!” conta um tenso atravessar de uma região perigosa. Em “Ele” um pai estupra a própria filha. “Lábios Vermelhos de Mulher” conta as fantasias sexuais de uma mulher casada. “Elas Cantam Só Para Mim” é sobre as desventuras de um fotógrafo. Em “Uma Senhora” uma mãe é abandonada pelos três filhos.

Em “Violetas e Pavões” (Record, 128 páginas), publicado em 2009, Dalton Trevisan conta mais histórias sórdidas, violentas, eróticas, como tem feito há tantos anos já.

Sorte nossa, seus leitores!

Leia mais +
Literatura
“Essas malditas mulheres”, de Dalton Trevisan
23 de junho de 2019 at 19:25 0
Curitiba/Parana - Marcelo Rudini/Folha Imagem - 08/08/2008 - Dalton Trevisan saindo da Livraria Chaim

Já se sabe que o único romance publicado por Dalton Trevisan é “A Polaquinha”, de 1985, sobre o qual já comentei aqui. De todo modo, “Essas malditas mulheres”, lançado em 1982 (Editora Record, 130 páginas), é um livro de contos com muitas características de um romance. Explico: a história de João e Maria (são frequentes casais com esses dois nomes na obra dele) que Dalton Trevisan conta aqui perpassa a maioria dos contos do livro.

Em “Essas malditas mulheres” o João é um “doutor” – não é dita a sua formação específica – que tem uns vinte anos a mais que Maria, uma moça pobre e com pouca instrução. Dalton Trevisan utiliza principalmente o diálogo entre estas duas personagens para contar a história deles.

Durante a maior parte do tempo Maria conta para João as suas histórias de amor, quase sempre malfadadas: com um sargento cujo corpo ela admira; com um “baixinho da Bíblia”; com um viúvo; com um moço loiro. João é casado com outra mulher, ouve as histórias de Maria, lhe pede pequenos favores sexuais - alguns dos quais ela recusa, outros não. E ela lhe pede dinheiro, que ele quase sempre lhe dá.

A dinâmica da relação entre João e Maria é baseada principalmente no grande interesse que ele tem pela vida – e pelo corpo – dela, enquanto que ela não deixa transparecer muito se gosta ou não da sua companhia: Maria parece mais interessada no interesse dele por ela do que em qualquer outra coisa. Ela lhe diz, lá pelas tantas: “não gosto de você. João. Mas não fique triste: não gosto de ninguém. Nem de minha mãe eu gosto.”

Mesmo com traços amargos, “Essas malditas mulheres” é delicioso e tem um final divertido e espetacular.


Leia mais +
Literatura
“Desgracida”, de Dalton Trevisan
21 de abril de 2019 at 12:27 0

Muitos dos textos da segunda parte (“Mal Traçadas Linhas”) de “Desgracida”, de Dalton Trevisan (Record, 237 páginas) eu já tinha lido na compilação “Até tu, Capitu?”, da L&PM, já comentada por aqui. São textos em que o grande curitibano fala de literatura com uma franqueza pouco usual (fala mal de Guimarães Rosa e de “O general e seu labirinto”, de Gabriel García Márquez).

Já na primeira parte de “Desgracida”, chamada “Ministórias” (e que ocupa mais de 90% do livro), por outro lado, temos o Dalton Trevisan dos livros mais recentes (o livro publicado em 2010), cada vez mais conciso, contando histórias com grande dramaticidade em poucas linhas. Por exemplo, veja-se ou “O Braço Armado”, que consiste numa única frase: “O filho é o braço armado da mãe contra o monstro do pai”, ou “A Chupeta”, reproduzido a seguir:

“Ele confisca a chupeta da filha, que se consola sugando os pequeninos dedos.
Ah é? Não aprende?
E o pai queima com a brasa do cigarro todos os dedinhos.”

Mas Dalton Trevisan também sabe ser agridoce, como em “Amor de Velha”:

“O velho geme, espirra, tosse – e que tosse!
A velhinha, no fundo da cama:
‘Isso mesmo. Continue assim. Não se cuide.’
‘…’
‘Nada como um inverno bem frio.’
‘…’
‘Faça de mim na primavera a mais faceira das viúvas alegres.’”

Ou de humor ingênuo, como em “Nome Difícil”:

“A visita:
‘Bidu, como é o nome do teu pai?’
‘Raruruul…’
Isso mesmo, Raul.
‘Nossa! Que difícil.’
A pivete, dois aninhos:
‘Né, não.’
‘?’
‘Eu só chamo ele de pai.’”


Leia mais +
Os livros que eu mais gostei de ter lido em 2018
Literatura
Os livros que eu mais gostei de ter lido em 2018
16 de dezembro de 2018 at 15:12 0
  1. “As irmãs Makioka”, de Junichiro Tanizaki: um painel da vida no Japão em meados do século XX, a história de quatro irmãs, um dos melhores livros que já li.
  2. “Ilíada”, de Homero: o início da literatura ocidental.
  3. “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto: a história do nacionalista patético que queria que o tupi fosse a língua oficial do Brasil é apenas parte deste livro fascinante.
  4. “O Gigante Enterrado”, de Kazuo Ishiguro: um livro de fantasia e grande literatura.
  5. “Confissões”, de Santo Agostinho: não há como superestimar a influência deste livro na literatura, na teologia e na filosofia ocidentais.
  6. “A Descoberta da Escrita”, de Karl Ove Knausgard: o quinto dos seis livros da série “Minha Luta”, do grande escritor norueguês. Quando a Companhia das Letras vai lançar o sexto?
  7. “Un cirque passe”, de Patrick Modiano: uma jovem misteriosa, perdida - e apaixonante.
  8. “A gorda do Tiki Bar”, de Dalton Trevisan: o título já diz tudo. O curitibano em sua melhor forma.
  9. “Hors d’atteinte?”, de Emmanuel Carrère: o vício em jogo, no meio de um casal intelectualizado e vazio, numa história contada com carinho e um pouco de cinismo.
  10. “Lúcia McCartney”, de Rubem Fonseca: acho que nunca vou esquecer o impacto dos primeiros contos deste livro.
Leia mais +