Eu tenho interesses estranhos. O Império Wari, precursor dos Incas, no Peu. São Luís de Tolosa. As espécies meio-mamíferas, meio-rápteis do Período Permiano. Os Etruscos. Futebol Australiano. Os Papas de Avignon, no século XIV.
O texto de hoje é sobre outro interesse esquisito, o “Cristianismo Positivo”. A história é esquisita e assustadora demais, deve ser isto que despertou meu interesse.
Seguinte: Cristianismo Positivo é a ideia de que muitos nazistas tinham de que Jesus Cristo era ariano. É isso. Na minha opinião, isso é tão estranho e idiota que eu poderia terminar o texto aqui. Mas vou comentar um pouco mais.
O grande historiador brasileiro André Chevitarese, o maior especialista brasileiro no Jesus Histórico, escreveu com Daniel Brasil Justi um artigo, chamado “O Jesus Ariano. O imaginário e as concepções historiográficas do Jesus Histórico na Alemanha Nazista” (*), no qual detalha como teólogos alemães, alinhados ao nazismo, ativamente promoveram e popularizaram a imagem de um "Jesus Ariano" para desvincular o cristianismo de suas raízes judaicas e justificar o antissemitismo, culminando na colaboração com o Holocausto. Segundo os autores, por mais que o Nazismo tenha promovido o tal “Cristianismo Positivo”, estas teorias já eram anteriores à década de 1930, sempre no bojo de um antissemitismo feroz.
Em seu artigo, Chevitarese e Justi citam alguns textos antigos alemães que sugeriam tirar o Velho Testamento da Bíblia:
“Conforme observou Richard Steigmann-Gall (2004, p. 39, 48), não apenas Artur Dinter, em 1921, no seu romance O Pecado contra o Espírito (...), reivindicava a necessidade de remoção desse material judaico da bíblia cristã, pois ele constituiria um monumento ao ‘pensamento religioso dos judeus, que se baseia em mentiras e traição, negócios e lucro’, como também o próprio Mestre Eckart, a quem Hitler fez um tributo em Mein Kampf, ao escrever no poema intitulado ‘O Enigma’: ‘O Novo Testamento afastou-se do Velho / como tu te libertaste do mundo / E assim como estás livre das tuas ilusões passadas / também Jesus Cristo rejeitou a sua condição de judeu’.”
Cristo, no Cristianismo Positivo, era equivalente, e muitas vezes inferior, a Hitler:
“Quanto à crença na redenção cristã entre muitos alemães durante o período nazista, percebe-se que ela era composta de duas metades, como se formassem uma perfeita simbiose (STEIGMANN-GALL, 2004, p. 46). A primeira delas era formada pela figura de Hitler como salvador. Sua missão era aquela mesma de Cristo, qual seja, a de combater sem medo e sem trégua o judaísmo. A segunda metade dizia respeito às instituições religiosas, muitas delas destacando a ideia de redenção através da cruz. Neste sentido, essa redenção só poderia ser realizada na sua plenitude pela purificação de Jesus de toda e qualquer relação com o judaísmo, reconstruindo-o como ele pretensamente teria sido, isto é, como um ariano, e não como um judeu.”
Finalmente, Chevitarese e Justi citam a (tenebrosa) ideia de um Jesus musculoso:
“A fim de superar, do ponto de vista estético, aquilo que poderia parecer um sinal de derrota frente às maquinações judaicas, outras representações de Jesus foram desenvolvidas nos anos trinta no interior da Alemanha. Por meio delas, buscou-se reforçar a vitória da cruz sobre os judeus. Jesus, firme como uma rocha, tem um corpo musculoso e reluzente, cabeça erguida e olhos fixos no horizonte, como que transcendendo à dor, à violência e à derrota. Vê-se aqui, do ponto de vista estético, a sistematização de um olhar historiográfico levado ao seu ápice pelos teólogos e religiosos nazistas: o Jesus ariano.”
Em um vídeo no Instagram, André Chevitarese comenta que centenas de igrejas foram construídas no período nazista, levando em conta as ideias absurdas do Cristianismo Positivo, mas apenas uma, a Martin-Luther-Gedächtniskirche (Igreja Memorial Martin Lutero), em Berlim, construída em 1935, sobreviveu. A imagem de um Jesus musculoso e vitorioso, que está nesta igreja, é apresentada na imagem que acompanha o texto.
O artigo de Chevitarese e Justi apresenta várias outras imagens do Cristianismo Positivo, como altares luteranos cheios de suásticas e outra foto da igreja Martin-Luther-Gedächtniskirche, em que Jesus aparece seguido por apóstolos e um soldado alemão (!).
Enfim, eu nem precisaria reforçar, acho, mas não custa nada: ideia de um "Jesus Ariano" é categoricamente rejeitada pela esmagadora maioria das denominações cristãs em todo o mundo. O cristianismo, em sua essência, reconhece Jesus como judeu, nascido em Belém, na Judeia, e pertencente à linhagem de Davi. Negar sua identidade judaica é negar a própria base histórica e teológica do cristianismo, que se enraíza nas tradições e escrituras judaicas.
A existência do "Jesus Ariano" é um testemunho da capacidade de ideologias totalitárias de distorcer e manipular até mesmo as crenças mais sagradas para seus próprios fins perversos. Ele permanece como um exemplo sombrio da corrupção da fé para justificar o ódio e a violência.
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(*) CHEVITARESE, André Leonardo; JUSTI, Daniel Brasil. O Jesus Ariano: o imaginário e as concepções historiográficas do Jesus Histórico na Alemanha Nazista. Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 188-205, jan./mar. 2017.
O filme começa em um cenário idílico, numa beira de rio: alguns jovens, crianças e casais se divertem e relaxam numa bela paisagem com um linda vegetação. As pessoas têm uma tonalidade de pele muito clara, uns são loiros, alguns rapazes estão sem camisa. Eles voltam por um bonito caminho no meio do mato.
A casa de um casal do grupo citado acima é grande, bonita, com belos jardins perfeitamente cuidados - lembra um pouco a perfeição dos jardins de "Playtime - tempo de diversão", clássico de Jacques Tati de 1967. As cenas de lugares bonitos com uma linda vegetação também lembram a cidade onde vivem os personagens principais da primeira temporada da série "O conto da aia", baseada no romance homônimo de Margaret Atwood.
O filme em que questão é "Zona de interesse" (direção de Jonathan Glazer, Estados Unidos, Reino Unido e Polônia, 2023, 105 minutos, disponível no Prime Video), e não é nenhuma comédia que debocha da modernidade do final dos anos 1960, como "Playtime", e nem uma história fictícia que ocorre num futuro distópico, como "O conto da aia". O casal que mora na linda e bela casa é formado por Rudolf Höss (vivido por Christian Friedel), que foi o comandante do campo de extermínio de Auschwitz e é considerado por muitos o maior assassino em massa da história, e sua esposa Hedwig Höss (vivida por Sandra Hüller). "Zona de interesse" é baseado numa história tragicamente real.
O principal acontecimento do filme é a tentativa dos superiores de Höss de tirá-lo do cargo de comandante do campo de extermínio, e o desespero dele e da sua mulher, que lutam para a sua permanência no posto. O horror do lugar é lembrado só de vez em quando, como quando se ouve o grito de alguns prisioneiros, ou quando se percebe que o comportamento das empregadas de Hedwig Höss é estranhíssimo: elas são judias e basicamente não falam e nem olham para cima. Na maior parte do filme tudo é limpo, organizado, bonito e funcional. É assustador. Não à toa Steven Spielberg acha que "Zona de interesse" é o melhor filme sobre o Holocausto já feito.
Se tudo é assustadoramente limpo e organizado em "Zona de interesse", em "O filho de Saul" (dirigido por László Nemes, Hungria, 2015, 107 minutos) tudo é exatamente o seu contrário: o filme conta a história de Saul Ausländer (Géza Röhrig), um prisioneiro de Auschwitz que trabalha jogando os cadáveres assassinados nas câmaras de gás num crematório, num ritmo de trabalho inumano. Lá pelas tantas Saul acha que um menino que sobreviveu ao gás e foi posteriormente assassinado por um guarda nazista é seu filho, e ele tenta dar um enterro digno e religioso para o garoto. Não vou contar mais para não dar spoiler.
A câmera, em close-up, fica grande parte do tempo filmando a frente e as costas de Saul Ausländer, deixando quase todo o resto fora de foco. Isso acaba deixando uma sensação de permanente desconforto no espectador, como se toda a violência que os prisioneiros vivem não fosse o suficiente. Em "O filho de Saul" basicamente não há nenhum momento de trégua, e provavelmente este filme consegue dar uma ideia bastante verossímil do inferno que era ser prisioneiro em Auschwitz - bastante diferente, aliás, da visão paradisíaca que Rudolf Höss e Hedwig Höss tinham da vida a um muro de distância.
(Agradeço especialmente ao crítico André Barcinski, por me chamar a atenção num vídeo no YouTube sobre "Zona de interesse", e a meu grande amigo Antonio Carlos Sandoval Pedro, o Nash, que é especialista em cinema e comentou "O filho de Saul" em uma apresentação com debate na UFPR alguns anos atrás. A imagem que acompanha o texto, de "O filho de Saul", foi obtida no site "O plano crítico".)
Hoje qualquer um pode (e deve) ser antinazista. Na Alemanha entre os anos 1933 e 1945, por outro lado, a coisa era muito diferente. Pequenos deslizes, pertencer ao povo “errado”, opiniões divergentes do usual – qualquer coisa podia fazer a pessoa ser torturada e assassinada em algum dos muitos campos de concentração espalhados pelo território ocupado pelos nazistas. É por causa deste tenebroso pano de fundo que são tão admiráveis os muitos casos de bravura descritos em Quero Matar Hitler, do historiador Edward Moorhouse (Ediouro). Como o próprio nome sugere, o livre descreve diversas tentativas de matar o ditador, sejam individuais, sejam parte de movimentos maiores de resistência. Tendo em vista que Hitler se suicidou em 1945, desde o início se sabe que nenhuma destas ações conseguiu seu atingir seu objetivo.
Os dois capítulos iniciais são também os mais tocantes. Eles tratam de duas tentativas individuais de matar o Führer, uma por parte do estudante suíço Maurice Bavaud e outra perpetrada por um comunista alemão chamado Georg Elser. Bavaud, católico fervoroso, tentou assassinar o ditador por diversas maneiras e por causa de uma delas acabou preso e posteriormente assassinado em um campo de concentração. O suíço chegou próximo de seu objetivo em 1938, quando Hitler passava por um carro aberto em um desfile em Munique enquanto Maurice estava armado com uma pistola automática na platéia. Neste dia o sanguinário ditador acabou passando mais longe do que o estudante previra e, por isto, este acabou não atirando.
Já Georg Elser plantou uma bomba-relógio na cervejaria em que Hitler iria discursar, em 8 de novembro de 1939, também em Munique. A bomba explodiu conforme o planejado, às 21h20. Mas o sanguinário ditador, como fazia frequentemente, saiu do local mais cedo do que o previsto e escapou da morte por treze minutos. O resultado da explosão foram sessenta e três pessoas gravemente feridas e oito mortas.
Tanto Bavaud quanto Elser praticamente não tiveram ajuda de outras pessoas, o que faz as ações deles serem ainda mais admiráveis. Quero Matar Hitler, aliás, mostra como estas duas tentativas também foram possibilitadas pelo fraco sistema de segurança nazista da época (final dos anos 30). À medida que os anos foram passando, ações como as de Maurice e Georg praticamente não seriam mais possíveis, graças ao crescente aumento na segurança pessoal do chefe nazista
Um capítulo de Quero Matar Hitler, como não poderia deixar de ser, é dedicado ao mais famoso dos atentados contra Hitler, aquele perpetrado pelo tenente-coronel alemão Claus Von Stauffenberg, cuja história inspirou o recente filme Operação Valkiria, estrelado por Tom Cruise. A bomba que o militar plantou perto do ditador em uma reunião, no dia 20 de julho de 1944, não o matou por muito pouco – e ainda reforçou a ideia que Hitler tinha de si próprio, de que ele era um escolhido pela Providência. Outro aspecto importante deste caso é como o exército alemão (a Wehrmacht) ainda conseguia ser um foco de resistência ao regime nazista, já que da conspiração de Stauffenberg faziam parte um grande número de militares de alta patente. Aliás, quase todos brutalmente assassinados como represália ao atentado.
Outro capítulo de Quero Matar Hitler descreve as tentativas de Albert Speer, já no final da guerra, para assassinar o ditador. Speer, segundo relatos, era o único dos nazistas de altíssimo escalão “que parecia uma pessoa normal, não um psicopata”. Apesar da proximidade com Hitler e dos importantes cargos que ocupou, parece que realmente Speer não participou ativamente das maiores crueldades nazistas – tanto assim que ele não fora condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg (mas a uma pena de 20 anos de prisão). De todo modo, o fato de Speer ter ou não pensado realmente a sério em matar Hitler no final da guerra é um assunto controverso até hoje.
Os demais capítulos do livro não se concentram em tentativas de matar Hitler, mas são descrições de movimentos de resistência (polonês, russo. britânico) nos quais o assassinato do ditador era, por vezes, aventado. A conclusão descreve como seria a morte do ditador.
Quero Matar Hitler é uma leitura ágil e interessante. O autor mostra uma grande preocupação em inserir as tentativas de assassinato do Führer dentro do contexto histórico, o que muito enriquece a leitura. É pena que a tradução da Ediouro seja tão descuidada - mas nada que uma boa e séria revisão futura não resolva.
(texto publicado em 2010 no Mondo Bacana - foto: Revista Veja)
“O império de Hitler”, de Mark Mazower: sempre tive curiosidade de saber como os nazistas se comportavam como colonizadores, coisa que este livro monumental explica.
“As luas de Júpiter”, de Alice Munro: tem gente que reclama do Prêmio Nobel de Literatura por causa disso e daquilo, mas eu provavelmente não conheceria autoras como esta canadense se não fosse a Academia Sueca.
“A época da inocência”, de Edith Wharton: um amor mal resolvido e os preconceitos e costumes dos ricos americanos do final do século XIX e início do século XX numa obra-prima.
Provavelmente a obra mais importante sobre o Holocausto, “A destruição dos judeus europeus”, do austríaco-americano Raul Hilberg, é um calhamaço cuja edição brasileira, da Amarilys Editora, tem 1664 páginas e cinco tradutores (Carolina Barcellos, Laura Folgueira, Luís Protasio, Mauricio Tamboni, Sonia Augusto). A primeira edição da obra é de 1961, mas ela teve várias atualizações até o início dos anos 2000 (o autor faleceu em 2007); o livro, que serviu inclusive como base para o monumental filme “Shoah”, de Claude Lanzmann (ver, inclusive, o comentário do cineasta na capa da edição da Amarilys Editora, que é a imagem que acompanha este texto), foi o trabalho de uma vida.
Como o próprio Hilberg comenta na obra, quando da sua primeira edição, em 1961, o Holocausto era um assunto quase esquecido: no meio da Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética tinham outas preocupações mais imediatas e pouca vontade de melindrar a memória de suas aliadas, respectivamente as Alemanhas Ocidental e Oriental. O autor, inclusive, descreve como sua pesquisa sobre a destruição dos judeus europeus era vista com ceticismo quando da elaboração da obra. Enfim, os ventos mudaram e o Holocausto - também por causa deste monumental “A destruição dos judeus europeus” – é atualmente objeto de gigantesco interesse, tanto por parte dos pesquisadores quanto do público em geral.
O livro, realmente, merece a fama que tem. Praticamente todo escrito com enfoque sobre os perpetradores alemães, “A destruição dos judeus europeus” mostra com um grande número de documentos como os nazistas foram destruindo suas vítimas aos poucos: a partir de leis racistas que lhe tiravam paulatinamente os seus direitos, os judeus iam se sentindo mais e mais oprimidos e humilhados e acabavam tendo pouca ou nenhuma força de reação. Este processo de destruição era sistemático e organizado. Nem todos os países ocupados ou aliados da Alemanha, por outro lado, tiveram o mesmo comportamento quanto à destruição de sua população judia, e o livro mostra com detalhes a atuação de cada uma dessas nações a este respeito.
Mas, claro, o livro tem muito mais: descrição dos campos de extermínio, das Marchas da Morte, dos Einsatzgruppen (esquadrões móveis que assassinavam populações judias em países como a União Soviética e a Ucrânia), da burocracia envolvida no processo da destruição da população judia, da reação pífia e às vezes até revoltante dos países aliados contra o Holocausto durante a guerra.
Enfim, o livro é de leitura dolorosa, mas fundamental para quem quer entender mais sobre a destruição dos judeus europeus durante a Segunda Guerra.
O regime nazista,
comandado por Adolf Hitler na Alemanha, foi um dos mais brutais de todos os
tempos, senão o mais brutal: não só provocou a Segunda Guerra Mundial como
assassinou friamente, fora dos campos de batalha, cerca de seis milhões de
judeus, quinhentos mil ciganos e cinco milhões de pessoas de outras etnias.
Toda esta barbárie ainda chama muito a atenção dos historiadores e do público
em geral, e novos lançamentos de história e de ficção abordam diferentes
aspectos do regime nacional-socialista.
Falecido
recentemente, o historiador alemão Joachim Fest escreveu aquela que é
considerada por grande parte dos especialistas como a melhor de todas as
biografias de Adolf Hitler. O segundo volume desta obra foi relançado em 2006
(o primeiro tinha saído em 2005): Hitler - vol. 2 (Nova Fronteira, 528 páginas).
O primeiro tomo
cobria a vida de Hitler desde o seu nascimento até a posse como Chanceler
(cargo equivalente ao Primeiro-Ministro de um país parlamentarista) alemão, em 30
de janeiro de 1933. Hitler - vol. 2 inicia-se nesta data e termina com a
morte do Führer no seu bunker em Berlim, quando da derrota da Alemanha
em 1945.
Os dois volumes
desta biografia são extremamente detalhados, precisos e bem escritos, fruto de
um trabalho sério e obsessivo do historiador. Merecem totalmente o imenso
prestígio que obtiveram ao longo dos anos, desde a sua publicação na Alemanha
em 1973.
Para o leitor leigo, uma boa introdução ao modo nazista de pensar e de governar encontra-se em Itália Nazista e Alemanha Nazista (Madras, 180 páginas), escrita pelo catedrático de História Europeia Moderna da Universidade Estadual da Carolina do Norte Alexander J. De Grand. A obra faz uma comparação entre os regimes fascista da Itália e nazista da Alemanha em relação a assuntos como a marcha para o poder, os sistemas econômicos, as comunidades, a cultura, os militares, a expansão e a guerra.
Dificilmente
alguém que não tenha ficado chocado com a barbárie nazista não tenha algum dia
se perguntado como estaria hoje o mundo se o Eixo - aliança entre a Alemanha, a
Itália e o Japão - tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial. Uma fantasia -
tétrica, como não poderia deixar de ser - neste sentido foi criada pelo
escritor de ficção científica Philip K. Dick no romance O homem do castelo
alto, publicado originalmente em 1962 e apenas agora lançado no Brasil
(Aleph, 304 páginas).
O livro mostra
como seria o início dos anos sessenta após a derrota dos Aliados. Neste
assustador mundo fictício, os japoneses governam a Costa Oeste dos Estados
Unidos e a Alemanha, a Costa Leste. Hitler está tão doente que já não tem mais
condições de governar, e o ditador do Reich agora é o antigo fiel escudeiro do
ex-Führer, Martin Bormann. Os
dirigentes nazistas (como sempre ocorrera, aliás), travam ferozes lutas
internas por nacos de poder: com Heinrich Himmler já falecido, os mais
importantes mandatários alemães são o ministro da aeronáutica e ex-vice premiê Hermann
Göring, o ministro da propaganda Joseph Goebbels, o ex-dirigente da juventude
nazista, o moderado Baldur Von Schirach, e os cruéis Arthur Seyss-Inquart e Reinhard
Heydrich – que, na ficção de Philip K. Dick, não tinha sido morto em
decorrência de um atentado em Praga perpetrado por terroristas tchecos,
conforme realmente ocorreu no ano de 1942. Na África, os nazistas promoveram um
monstruoso genocídio contra a população negra e, em todo o mundo, dão total
publicidade ao assassinato em massa de judeus nas câmaras de gás - que
continua, claro, com todo o fôlego. Os eslavos que não são escravizados ou
assassinados são mandados para regiões distantes da Sibéria. Não satisfeitos em
colonizar a Terra, os alemães mandam os primeiros seres humanos para Marte.
Ainda na parte tecnológica, os nazistas criam foguetes de linhas comerciais que
fazem o trajeto Estados Unidos-Europa em menos de uma hora.
O homem do
castelo alto se passa na
Costa Oeste dos Estados Unidos, na região de San Francisco. No romance, os
americanos são cidadãos de segunda classe, totalmente subjugados ao poder
japonês, que é bem menos agressivo que o correspondente nazista: o governo
imperial permite alguma liberdade de imprensa e jamais perseguiu judeus. Os
japoneses, além disso, admiram a cultura americana, apreciando o jazz e o
blues, e colecionam objetos fabricados nos Estados Unidos no período anterior à
Segunda Guerra Mundial.
O livro conta a história de alguns personagens - quase todos aficionados pelo milenar livro chinês de adivinhação, o I Ching - vivendo nesta Costa Oeste fictícia. O espião alemão que quer, com grande risco de vida, passar informações extremamente importantes para o governo japonês. O artesão judeu que fez operações plásticas e mudou seus documentos para esconder sua origem. A mulher problemática que namora um rapaz pretensamente italiano que ela acaba descobrindo ser um espião alemão preparado para assassinar o escritor de um romance que contava a história de um mundo em que o Eixo perdeu a guerra. O comerciante americano de objetos antigos que está sempre querendo agradar os superiores japoneses. O burocrata japonês que sofre com as políticas nazistas e com as guerras de espionagem.
O homem do
castelo alto é um livro
sombrio e melancólico, e que gruda na memória do leitor.
Se a obra de
Philip K. Dick angustia quando trata de um tempo presente que poderia ter
acontecido com a vitória alemã na Segunda Guerra Mundial, Diário de um
skinhead - um infiltrado no movimento neonazista, do jornalista espanhol
Antonio Salas (Planeta, 280 páginas) assusta ao falar do nazismo "de
verdade" nos dias atuais. O autor,
que utilizou um pseudônimo para assinar o livro por motivos óbvios, passou mais
de um ano como infiltrado entre violentos skinheads
espanhóis, sempre filmando tudo com uma câmera escondida. O risco que ele
correu nesta empreitada foi, obviamente, enorme, e o jornalista brasileiro Tim
Lopes, brutalmente assassinado por traficantes cariocas ao fazer uma reportagem
semelhante em 2002, é citado no livro do espanhol para dar uma idéia do perigo
da situação.
Para infiltrar-se na extrema-direita espanhola, Salas começou pelo maior meio de comunicação dos skinheads na atualidade: a internet. Ele demorou cerca de três meses – por segurança, sempre em lan houses - navegando por chats e sites nazistas, entrando em contato com pessoas do movimento, aprendendo sua gíria especializada e seus códigos de conduta, antes de pegar coragem e conhecer pessoalmente alguns de seus objetos de estudo. Como era de se esperar, para ser um infiltrado convincente ele rapou o cabelo, passou a se vestir como um skinhead e a defender (somente em público, claro) ideias nazistas. As muitas aventuras perigosas pelas quais Salas passou e os sentimentos – muitas vezes contraditórios e surpreendentes – que ele teve neste empreitada perigosa são narrados com grande detalhe, resultando numa leitura de grande impacto na maior parte do tempo. Entre os resultados mais importantes da investigação do jornalista estão a descoberta das íntimas ligações dos skinheads com os partidos legais de extrema-direita (que sempre negaram este contato) e com muitas torcidas organizadas do futebol espanhol – o que ajuda a explicar o recente aumento do racismo observado em arquibancadas europeias.
(textos publicados em 2006 na Revista Dominical do jornal O Estado do Paraná)
O Gueto de Varsóvia foi um dos episódios mais tristemente célebres do Holocausto: não só porque representou a eliminação de um número muito grande de pessoas, como também pela inédita resistência judaica contra os opressores nazistas. (mais…)
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