março 2025

Livros que minha mãe amava: 8. “O Drible”, de Sérgio Rodrigues
Literatura
Livros que minha mãe amava: 8. “O Drible”, de Sérgio Rodrigues
9 de março de 2025 at 18:45 0
Minha mãe insistia para eu ler “O Drible”, de Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras, 220 páginas, lançado em 2013). Insistia e insistia. Mas eu não queria ler. E não queria por um motivo besta: o autor tinha um blog, no site da Revista Veja (acho), no qual, não bastando falar mal de meu livro preferido na época, “2666”, de Roberto Bolaño, ainda dizia que o chatíssimo “Os detetives selvagens”, do mesmo autor, era melhor - porque mais completo, ou mais bem pensado, ou alguma coisa no gênero. O grande escritor chileno fez sua obra-prima sabendo que estava com os dias contados: na ideia de Sérgio Rodrigues, isso fazia com que o livro fosse meio mal-acabado. Cito de memória, mas acho que era isso. Sérgio Rodrigues ainda falou mal de “Verão”, de J.M.Coetzee, uma obra-prima absoluta, e se divertia dizendo que a mulher dele, ou outra pessoa próxima, achava que ele não manjava nada de nada por não gostar do meu livro preferido do grande escritor sul-africano. Bem, enfim, um dia, uns meses atrás, fui procurar aqui em casa “O Drible”, na edição que minha mãe tinha literalmente me empurrado para eu ler – digo que ela insistia. Não achei a edição, e comprei outro exemplar. O romance é contado em primeira pessoa por Neto, um revisor meio fracassado cuja mãe tinha se suicidado quando ele era criança. Ele era filho de Murilo Filho, um grande cronista de futebol meio senil, que no passado tinha sido um conquistador e mulherengo inveterado, um informante da ditadura e um pai basicamente ausente na educação do filho. Eles tinham ficado anos sem se falar, e quando o livro começa Neto estava com o costume de visitar semanalmente o pai na chácara dele. Murilo Filho, nestas ocasiões, basicamente ficava falando sem parar sobre futebol – algumas passagens do livro já são antológicas para fãs do esporte. Além disso, o retrato que Sérgio Rodrigues faz do Rio de Janeiro dos anos 1950 em diante é extremamente interessante. Mas o forte mesmo desta pequena obra-prima é a relação conturbada entre pai e filho. É claro que minha mãe não iria insistir tanto para que eu lesse um livro ruim. *** Importante ressaltar que achei a versão que minha mãe tinha me dado assim que terminei de ler a minha versão do romance! A foto que acompanha o texto mostra as duas edições, a minha e a dela. Quem quiser receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
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XXXTentacion – mais uma das minhas manias musicais recentes
Música
XXXTentacion – mais uma das minhas manias musicais recentes
2 de março de 2025 at 15:27 0
Alguns anos atrás, eu estava numa fase de ouvir muito rap alternativo (Bones, $uicedeboy$, Ashley All Day), e achei natural procurar na época que outros artistas faziam um som parecido, e gostei de muita coisa. Bhad Bhabie, que fez sucesso na internet brigando com a mãe num programa popularesco, tinha raps poderosos como Gucci Flip Flops (pelo que eu lembro, admirada até por gente da velha guarda como Snoop Dogg) e “Get Like Me", com o também ótimo NLE Choppa. Lil Pump tinha “Gucci Gang”, com uma linda base melancólica, e a pesada “ESSKEETIT”. Juice WRLD lançou a belíssima “Lucid Dreams”, e Lil Xan, o meu preferido da turma, alertou sobre os perigos da droga Xanax (que, aliás, batiza seu próprio nome artístico) na emocionante “Betrayed”, e fez com Diplo um rap hipnótico chamado “Color Blind”. De Lil Peep eu não gostei de muita coisa, achei tudo meio meloso, mas “Spotlight”, com Marshmello, é sensacional. Não sei se foi em 2020 ou 2021 que ouvi um podcast com André Barcinski no qual se comentou sobre o documentário “American Rapstar”, que estava sendo lançado num festival online (era tempo de pandemia, afinal). Resolvi assisti-lo, e percebi que conhecia razoavelmente a maioria dos artistas citados nele. Segundo o site da BBC, o documentário de 2020, dirigido por Justin Staple, “descreve o crescimento de rappers do SoundCloud, jovens artistas que se conectam diretamente com os fãs através da internet e das mídias sociais, estrelado por Lil Peep, XXXTentacion, Smokepurpp, Bhad Bhabie, Lil Xan e Lil Pump”. O painel que “American Rapstar” pintava era assustador. Lil Peep tinha falecido por overdose – esperada até por sua mãe, pelo que eu lembro - em 2017 e XXXTentacion tinha sido assassinado em 2018. Eu acho que o documentário também citava a emocionante “Legends”, de 2018, em que Juice WRLD se queixava de que a nova geração não tinha mais a “maldição dos 27 anos” (que existe devido a vários rockstars que faleceram nesta idade, como Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin), mas que os seus grandes nomes não passavam dos 21: Lil Peep morreu nesta idade, XXXTentacion com 20. O mais macabro em “Legends” é que o próprio autor da música, Juice WRLD, faleceu de overdose aos 21 anos. “American Rapstar” ainda mostrava um Lil Pump aparentemente drogado o tempo todo, Lil Xan lutando com as drogas, em fases sóbrias e com recaídas (ele declarou recentemente que já está sóbrio há três anos, e realmente sua expressão atual é outra), e Smokepurpp como o grande precursor do chamado, na época, “Soundcloud rap” – que hoje todo o mundo chama de trap mesmo. Bhad Bhabie era a mais inesperada personagem do documentário: falava mal de outros rappers, que perdiam o controle no uso de drogas, e reclamava dos “fãs idiotas” que queriam imitar os novos rappers, fazendo tatuagens no rosto, e que depois não conseguiam emprego por causa da aparência. De todo modo, o rapper que teve os maiores elogios por parte dos demais era XXXTentacion (o “XXX” se pronuncia como a sigla X.X.X. em inglês, e o “Tentacion” se pronuncia como “tentación” em espanhol). Nascido em 23 de janeiro de 1998 com o nome de Jahseh Dwayne Ricardo Onfroy, o rapper teve uma vida cercada de violência e polêmicas. Segundo a Wikipédia em inglês, XXXTentacion, “era geralmente considerado uma figura controversa dentro da indústria do hip-hop devido a brigas públicas com outros artistas, questões legais e escândalos gerais nas redes sociais. A Spin rotulou Onfroy como ‘o homem mais controverso do rap’ e a XXL o desscreveu como o ‘rapper iniciante mais controverso de todos os tempos’". Ele estava no auge quando foi assassinado num assalto (três dos quatro perpetradores pegaram prisão perpétua sem direito a condicional): seu álbum recém-lançado na época, chamado simplesmente “?”, tinha atingido o número um da Billboard 200, e XXXTentacion tinha assinado um contrato com a Empire por dez milhões de dólares por um novo álbum. Mesmo não negando sua vida violenta, o documentário “American Rapstar” mostrou como seus discursos nos shows só transmitiam mensagens positivas – e emocionantes – para seu público. Uma figura controversa, no mínimo. Quanto a mim, nunca tinha gostado muito das músicas do XXXTentacion, provavelmente porque elas não pareciam com as dos rappers citados aqui. Até que comecei a ouvir, uns dois meses atrás, a coletânea do Spotify “This is XXXTentacion”, fiquei absolutamente maravilhado e não paro de ouvi-la. Sua interpretação é profunda, dolorida, emocionante, e as melodias e batidas grudam na cabeça. E, realmente, ele era um rapper diferente: também segundo a Wikipédia em inglês, “a música de XXXTentacion explorou uma grande variedade de gêneros, incluindo emo, trap, lo-fi, indie rock, punk rock, nu metal, e hip hop. (...) Ao falar de suas influências, ele disse: ‘eu realmente gosto de coisas multigênero que não são baseadas apenas no rap em si. Sou mais inspirado por artistas de outros gêneros além do rap.’” Era essa multiplicidade de estilos que me afastou, na época, da música de XXXTentacion, e é ela que me aproxima dele, provavelmente, hoje em dia. Afinal, recentemente contei aqui que tive fases viciado em Elvis Presley, que dispensa apresentações, na banda indie The Brian Jonestown Massacre, no álbum de música clássica “Johann Sebastian Bach”, com o pianista islandês Víkingur Ólafsson, e na banda de black metal polonesa Mgła. Não é que eu seja eclético: eu amo e odeio músicas em muitos estilos. (Quem estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail. Imagem que acompanha o texto obtida no site da revista The New Yorker.)
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