“Go By”, de Elliott Smith
Música
“Go By”, de Elliott Smith
24 de novembro de 2025 0
Sim, eu ouvi tanto Smiths e Madredeus (minha filha se chama Teresa por causa da vocalista desta banda) que cansei, temo, para sempre. Então, quando realmente GOSTO MUITO de alguma coisa, dou uma parada de alguns anos, como comentei recentemente sobre o Neurosis. Mas, contudo, todavia, não consigo ficar muito tempo sem ouvir Elliott Smith – o que acabo fazendo é colocar a playlist oficial do YouTube Music ou do Spotify em outra playlist maior, para ouvir no carro (em playlists que variam com o tempo, mas que são quase sempre chamadas, com grande originalidade, de “carro”). Acontece que nas playlists oficiais de Elliott Smith não consta uma música chamada “Go By”, que acabei ouvindo novamente hoje, por ter colocado mais coisas do cantor na minha playlist “carro” atual. Enfim, o pior texto que escrevi na vida foi um que cometi sobre o Elliott Smith, não lembro onde, e nem vou procurar – e o texto era ruim porque eu não consegui ser minimamente racional para falar do meu amor gigantesco pelas músicas do cantor americano falecido em 2003. E “Go By” era provavelmente a canção que eu mais me desequilibrei para comentar naquele texto horrível. Mas a música, Senhor meu, não tem nada a ver com minha falta de modos para falar dela. A cada vez que a ouço, fico me perguntando como alguém conseguiu compor uma coisa tão linda. E vou parar antes de fazer vergonha de novo.
Leia mais +
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 2. “Baader-Meinhof Blues”, da banda Legião Urbana
História, Música
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 2. “Baader-Meinhof Blues”, da banda Legião Urbana
22 de novembro de 2025 0
Renato Russo, o vocalista da banda Legião Urbana, provavelmente gostava muito de “Baader-Meinhof Blues”. A música foi lançada em seu álbum homônimo de estreia (1985), no disco ao vivo “Música p/Acampamentos” (1992) e no “Acústico MTV” (gravado em 1992, lançado em 1999). Julliany Mucury, autora do livro “Renato, o Russo”, considera “Baader-Meinhof Blues” a sua música preferida da banda. Além disso, o Charlie Brown Jr. gravou uma versão da música no seu álbum “Bocas Ordinárias”, de 2002. A canção tem algumas frases de efeito que, compreensivelmente, são marcantes para os fãs: “A violência é tão fascinante / E nossas vidas são tão normais”, “Não estatize meus sentimentos / Pra seu governo, o meu estado / É independente” e “Já estou cheio de me sentir vazio / Meu corpo é quente e estou sentindo frio / Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber / Afinal, amar ao próximo é tão démodé”. Não há nenhuma menção direta ao grupo terrorista alemão na letra, mas frases como “a violência é tão fascinante” e “amar ao próximo é tão démodé” são claramente relacionadas ao Baader-Meinhof. Segundo Julliany Mucury, a banda teve que se explicar bastante em relação ao título da música: “vocês imaginam, numa pós-ditadura, você lançar uma canção com esse título?”. Contudo, parece claro que a canção não era uma apologia ao terror. O próprio Renato Russo explica o significado de “Baader-Meinhof Blues” num áudio encontrado no YouTube, no qual ele declara que a canção “diz exatamente a mesma coisa que ‘Geração Coca-Cola’”. O nome foi escolhido porque se alguém do Grupo Baader-Meinhof passasse por uma situação parecida com a descrita naquela canção, sentiria o mesmo tipo de blues (melancolia/vazio): “a violência é tão fascinante, as nossas vidas são tão normais”. No mesmo áudio, ele explicou que o final da música, que usa o termo de estado e governo, foi uma escolha intencional para ser um final inteligente e que “pegasse” com o público, mesmo que o significado fosse, na verdade, muito mais abstrato e pessoal. Em outras palavras, em “Baader-Meinhof Blues”, Renato Russo projetou nos terroristas alemães de uma década antes do lançamento da música as mesmas sensações de tédio, vazio e falta de sentido de boa parte da juventude brasileira no final do período da Ditadura Militar, bem descritas em suas canções, como as duas citadas acima e seu grande sucesso “Será”. Mas, se me permitem uma opinião, Andreas Baader e Gudrun Ensslin, os líderes do Baader-Meinhof, com sua coragem e radicalismo, não tinham absolutamente nada a ver com as preocupações de Renato Russo. *** Imagem acima obtida no Google Gemini. Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
Leia mais +
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 1. Introdução
História
O grupo terrorista Baader-Meinhof: 1. Introdução
15 de novembro de 2025 0
Para uma criança que acompanhava o noticiário nos anos 1970, o nome Baader-Meinhof tinha algo de assustador e algo de charmoso. Assustador porque era um grupo terrorista alemão de extrema-esquerda, e charmoso porque, pelo menos para mim, remetia a um país desenvolvido, a Alemanha — de onde veio, aliás, meu sobrenome (tão popular por lá quanto Silva por aqui). Embora eu tenha acompanhado o sequestro e assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, a força do Baader-Meinhof estava numa certa violência e ameaça difusa, já que seus atos terroristas – pelo menos para a criança que eu era – eram muito menos claros do que o ocorrido na Itália. Um aspecto irônico desta história é que “Baader-Meinhof” não era o nome que o grupo terrorista aplicava a si mesmo, mas foi dado pela imprensa, depois de uma fuga espetacular ocorrida em 14 de maio de 1970. Naquela ocasião, o líder do grupo, Andreas Baader, foi resgatado da custódia policial na biblioteca de um instituto em Berlim, pulando pela janela junto com outros ativistas e a jornalista Ulrike Meinhof — que havia usado o pretexto de uma entrevista para facilitar o resgate, executado por cúmplices armados. Se fosse batizar o grupo pelo nome de seus líderes, ele deveria se chamar “Baader-Ensslin” — e me refiro aqui à namorada de Andreas Baader, Gudrun Ensslin, que era praticamente tão importante nas decisões quanto ele. De todo modo, o grupo se autodenominava RAF (Rote Armee Fraktion, ou seja, Fração do Exército Vermelho), uma provável provocação com o nome da Real Força Aérea Britânica, que tem o mesmo acrônimo (Royal Air Force). O Baader-Meinhof fez uma série de incêndios e explosões em prédios privados e públicos, roubos a banco e sequestros, e eram considerados tão perigosos – já que normalmente recebiam a tiros os policiais que tentavam prendê-los – que foi construído um prédio novo dentro da Prisão de Stammheim com um tribunal no andar térreo e uma unidade de detenção de alta segurança (células) nos andares superiores, apenas para o julgamento dos terroristas. O grupo foi tão comentado pelo mundo todo que até um viés cognitivo – a ilusão de frequência – no qual uma pessoa percebe um conceito, palavra ou produto específico com mais frequência após ter tomado conhecimento dele recentemente, é chamado de “Fenômeno Baader-Meinhof”. O termo foi cunhado em 1994 por um leitor de um jornal em St. Paul, Minnesota (EUA), que escreveu uma carta dizendo que havia lido sobre o Grupo Baader-Meinhof e, logo em seguida, o viu mencionado em outro lugar. Outros leitores compartilharam experiências semelhantes, e o nome “pegou” para descrever a Ilusão de Frequência. Mesmo a banda Legião Urbana tem uma música chamada “Baader-Meinhof Blues”, o que ajuda a mostrar como o nome do grupo ficou gravado no inconsciente coletivo. *** O Baader-Meinhof, assim como o povo etrusco, o Império Wari, o Período Permiano, os Papas de Avignon e São Luís de Tolosa, é um dos meus interesses estranhos. Pretendo escrever aqui ainda alguns textos sobre o grupo terrorista alemão – o próximo, já engatilhado, é sobre a supracitada música “Baader-Meinhof Blues”. *** (Foto que acompanha o texto: Andreas Baader e Gudrun Ensslin. Crédito da foto: 31.out.1968/Associated Press, obtida na Folha de São Paulo. Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
Leia mais +
O Grande Jogo e a Galinha dos Ovos de Ouro
História
O Grande Jogo e a Galinha dos Ovos de Ouro
9 de novembro de 2025 0
No ano (2006) em que escrevi textos semanais sobre literatura (e um pouco de música) no Caderno Dominical do extinto jornal O Estado do Paraná, graças a meu grande amigo Abonico Ricardo Smith, acabei tendo contato com livros que dificilmente leria em condições “normais”. De alguns deles eu gostei muito, como “Cidade dos Anjos Caindo“ (comentado aqui na semana passada) e os dois citados abaixo, na reprodução revisada da resenha que publiquei no jornal na época. O livro sobre caviar, principalmente, me descortinou todo um universo que eu não tinha nem ideia que existia. Recomendo fortemente, até hoje, mesmo que muita coisa deva estar desatualizada. Não é necessário ser fã das histórias de James Bond para se sentir fascinado com “O grande inimigo – a história secreta do confronto final entre a CIA e a KGB“, escrito pelo ex-agente da CIA Milt Bearden e pelo jornalista James Risen (Objetiva, 569 páginas), livro que narra a guerra de espionagem entre os Estados Unidos e a União Soviética, no final da existência desta última, entre os anos de 1985 e 1991. Bearden era chefe da Divisão Soviética e do Leste Europeu quando da Queda do Muro de Berlim, em 1989 , e sua participação no livro — contando inclusive os fatos que ele vivenciou em primeira pessoa — ajuda a tornar “O grande inimigo“ um documento histórico de grande importância. O livro analisa três pontos principais: O primeiro é a perda, pela CIA, de diversos espiões que ela controlava na URSS. O segundo é a ajuda que os americanos deram aos guerrilheiros que lutavam contra a ocupação soviética no Afeganistão — onde ficamos sabendo em detalhes que realmente a CIA armou, entre muitos outros, aqueles que fundariam o regime talibã anos mais tarde. E, finalmente, a queda dos regimes comunistas do Leste Europeu, que pegou a CIA tão de surpresa que seus agentes tinham que apelar para a CNN para saber das novidades. Dada a importância do primeiro destes pontos no livro, vamos nos estender um pouco mais sobre ele. Se, em décadas anteriores à década de 80, havia um certo equilíbrio na guerra de espionagem entre URSS e EUA, a partir de 1985 a grande quantidade de perdas de agentes duplos russos que trabalhavam em segredo para os americanos começou a fazer o jogo pender para o lado soviético. Alguns agentes ocidentais de patente razoavelmente alta começaram a delatar à KGB quem eram boa parte dos russos traidores. Estas famosas “perdas dos anos 80“, como não poderia deixar de ser, prejudicaram imensamente o trabalho da CIA. Os diversos capítulos que tratam deste assunto são, de longe, a parte mais fascinante do livro : encontros secretos em lugares ermos, malas de dinheiro entregues a agentes duplos dos dois lados, condenações de traidores à morte, todo o tipo de grampo telefônico, espionagem militar, impressionantes códigos de despistamento, e até mesmo o canal secreto de comunicações entre a KGB e a CIA, entre muitos outros detalhes do jogo de espionagem, são mostrados com clareza e brilhantismo. “O grande inimigo“ é muito melhor do que qualquer romance de espionagem: senão por outro motivo, é porque aqui os fatos aconteceram realmente. Além de tudo isto, transparece no livro o grande respeito — e, até mesmo, admiração — que os agentes da CIA tinham para com seus oponentes da KGB. Isto, somado à franqueza com que são mostrados os pontos fracos da Defesa americana, torna o livro bastante verossímil. A extinta União Soviética também tem papel preponderante no ótimo “Caviar – a estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundo“, da jornalista americana Inga Saffron (Intrínseca, 318 páginas). O livro é um completo painel sobre o caviar: Analisa, entre outros assuntos, a história do seu consumo pelos humanos. Descreve as características que fazem com que o esturjão, o peixe de cujas ovas se faz a iguaria, seja uma espécie de fóssil vivo, já que ele pouco se modificou nos últimos 250 milhões de anos (segundo Saffron, por todas as normas usuais da evolução ele já deveria estar extinto). Menciona os países em que o esturjão foi ou tem sido pescado (em muitos deles o esturjão foi extinto ou está em processo acelerado de extinção). Conta a história das principais empresas que comercializam ou comercializaram o caviar. O assunto tratado com maior profundidade é a história da pesca do esturjão na URSS, o país que era o maior e melhor produtor de caviar do mundo (hoje ultrapassado pelo Irã) — e o que aconteceu com a pesca por lá quando o regime comunista acabou. Segundo Saffron, o rígido sistema político dos tempos do socialismo conseguia controlar a produção do esturjão, preservando a espécie — até mesmo porque era de grande interesse econômico, por parte dos soviéticos, a venda de caviar para o exterior para a obtenção de divisas em moeda forte. Com o final da União Soviética no início dos anos 90, este cenário mudou completamente: desde então, a pesca clandestina indiscriminada diminuiu sensivelmente a quantidade de esturjões que deságuam no Mar Cáspio (região em que se consegue o melhor caviar do mundo), fazendo com que o peixe chegue a estar em perigo de extinção — para as pesquisas do seu livro, inclusive, Ingrid Saffron chegou a visitar os locais de pesca clandestina na Rússia. Somando tudo, “Caviar – a estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundo“ é um livro muitíssimo bem escrito e fascinante — mas é também um alerta: por cobiça, mas também por necessidade, os russos estão matando sua galinha dos ovos de ouro. E a humanidade toda perde com isto, é claro. (Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail. Imagem que acompanha o texto obtida no Gemini.)
Leia mais +
Neurosis revisitado
Música
Neurosis revisitado
8 de novembro de 2025 0
Fazia tempo que não ouvia Neurosis. Gosto de parar de ouvir as coisas que eu curto para voltar a ter, ops, o “frescor” das primeiras vezes. Só o que eu posso dizer é que não devem existir muitas bandas por aí que fizeram uma sequência com a qualidade de Souls at Zero (1992), Enemy of the Sun (1993), Through Silver in Blood (1996), Times of Grace (1999), A Sun that Never Sets (2001) e The Eye of Every Storm (2004). As notícias sobre o estado atual da banda não são nada animadoras (para “a maior e mais complexa manifestação artística sob a face da terra”), mas, e aqui eu vou chover no molhado, sua música é eterna.
Leia mais +
A Cidade dos Anjos que Caem – O olhar de John Berendt revela a Veneza decadente, charmosa e feita de atuações.
História, Literatura
A Cidade dos Anjos que Caem – O olhar de John Berendt revela a Veneza decadente, charmosa e feita de atuações.
1 de novembro de 2025 0
Veneza é uma cidade em que a maioria dos habitantes se conhece, já que não circulam carros e todos andam a pé na maior parte do tempo. Isso, somado à enorme quantidade de pontes (muitas delas com escadas), faz com que idosos ou pessoas com problemas de locomoção tenham dificuldade de viver por lá. A ausência de automóveis também faz com que a cidade italiana seja bem mais silenciosa do que outras de seu porte. Veneza tem uma grande quantidade de ruelas, o que faz com que até seus moradores às vezes se percam no meio do verdadeiro labirinto formado por elas. Com seus canais, pontes, história e charme, a cidade atraiu para si muitos escritores de primeira linha, como Ezra Pound, Henry James e Robert Browning, que lá moraram durante longos períodos de suas vidas. Os venezianos pensam em si próprios primeiro como venezianos e depois como italianos. Segundo um de seus nobres mais importantes, o conde Girolamo Marcello, “em Veneza estão todos encenando, todos representam papéis, e os papéis mudam. O segredo para se entender os venezianos é o ritmo – o ritmo da lagoa, das marés, das ondas… O ritmo de Veneza é como a respiração. Maré alta, pressão alta: tenso. Maré baixa, pressão baixa: descontraído. Os venezianos não estão sintonizados ao ritmo da roda. Isso é para outros locais, locais com veículos motorizados. Nosso ritmo é o do Adriático. O ritmo do mar”. Ainda segundo o conde, para os habitantes da cidade, as pontes não são vistas como obstáculos, e sim como transições: “passamos por elas bem devagar. Fazem parte do ritmo. São junções entre dois atos no teatro, como mudanças de cenário, ou como a evolução do primeiro para o segundo ato em uma peça teatral”. Para Marcello, “os venezianos jamais falam a verdade. O verdadeiro sentido das nossas palavras é, precisamente, o oposto do que dizem”. Estas e muitas outras informações sobre a lendária cidade italiana são mostradas em “Cidade dos Anjos Caindo” (Objetiva, 380 páginas), de John Berendt, escritor americano na linha do new journalism, a mesma de, por exemplo, Truman Capote e Gay Talese. Como o próprio autor explica, “é um livro de não ficção, mas escrito do ponto de vista de um romancista, usando técnicas literárias que um romancista utilizaria. Você não diz, como um jornalista diria, simplesmente: ‘O homem disse isso e isso’. Você descreve o tipo de olhar, a reação das pessoas no quarto. Então, lê-se o livro como se fosse um romance, mas é tudo verdade” – realmente, se não fosse a advertência inicial de que o livro é de não ficção, seria muito difícil para o leitor desavisado saber que a obra é uma espécie de reportagem. A obra anterior de Berendt, Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, foi um best-seller de enorme sucesso que tratava de uma cidade no sul dos Estados Unidos, Savannah, de maneira similar àquela que foi utilizada para descrever Veneza em Cidade dos Anjos Caindo, com uma diferença fundamental: neste, ao contrário do que foi feito na obra anterior, todos os nomes utilizados são reais. Nas palavras de Berendt, “quando escrevi Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal, pensei que estaria fazendo um favor a algumas pessoas ao mudar os nomes delas para preservar sua privacidade. Mas quando o livro foi lançado, muitos dos personagens que haviam recebido pseudônimos me disseram que desejavam que eu tivesse usado seus verdadeiros nomes. Então, desta vez, decidi: nada de pseudônimos”. Em Veneza, o afluxo turístico é tão intenso que em certas épocas do ano os turistas estão na cidade em número muito maior do que os habitantes locais – mas o interesse principal de Berendt está nas pessoas que moram lá. Para escrever “Cidade dos Anjos Caindo” (cujo nome é baseado em uma obra de restauração em uma igreja veneziana em que anjos do teto começaram a cair, o que fez com que os restauradores colocassem uma placa no local com os dizeres: “Cuidado, anjos caindo!”), o autor viveu em Veneza durante períodos de dois a três meses ao longo de nove anos, entrevistando habitantes e pesquisando locais e fatos. São muitos os personagens e fatos reais que aparecem na obra. Um rico poeta e radialista homossexual deixa todos os seus bens para uma família de feirantes, cujos membros muito provavelmente não eram muito íntimos dele. Dois dirigentes de uma fundação americana de ajuda à cidade veem-se numa acirrada disputa de egos. Um casal faz amizade com a amante do falecido poeta Ezra Pound, possivelmente para roubar-lhe documentos de grande valor. O mais importante vidreiro da cidade, um homem sério e calado, vê um de seus filhos traí-lo nos negócios. Em um jantar, todos ficam fascinados com a conversa sobre venenos para ratos de um grande fabricante do produto, que nunca conseguiu vendê-lo para a prefeitura local. Um grande palácio tem uma sala principal tão ricamente decorada que acaba dificultando a sua manutenção, o que faz os seus donos (um dos quais é um homem totalmente maníaco por viagens espaciais) quererem vendê-lo. Mas a principal história do livro trata do incêndio de um dos principais símbolos da cidade, o Teatro Fenice: o autor descreve o que ocorreu no dia da tragédia, as investigações para apurar os responsáveis e a reconstrução do local com grande precisão de detalhes – sem esconder as inúmeras suspeitas de corrupção que foram aparecendo no processo. Extremamente bem escrito, “Cidade dos Anjos Caindo” é um livro de leitura agradável e fluida, que mostra uma Veneza meio decadente, com muitos habitantes cheios de manias – mas inegavelmente charmosa, claro. (O texto acima foi publicado na Revista Dominical do Jornal O Estado do Paraná, em 08 de outubro de 2006. Se você estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail. As imagens acima foram obtidas no Gemini, do Google.)
Leia mais +
O Maior Atletiba da História
Esporte
O Maior Atletiba da História
26 de outubro de 2025 0
Eu tive uma coluna no site Coxanautas por alguns anos, em meados dos anos 2000. Fuçando meus alfarrábios, achei o texto abaixo, escrito em torno de 2005. Acho que o Atletiba de 1968 continua sendo o maior de todos os tempos, mas não tenho tanta certeza assim. Mas que ninguém nega que ele foi histórico, acho que ninguém nega. _______________________________________________ Qual foi o maior Atletiba de todos os tempos? Foi aquele realizado na noite fria de 28 de agosto de 1968 (o ano, coincidentemente, em que nasci)? Provavelmente. Desde criança, escuto meu pai contar a emoção de ter assistido àquele jogo. Ele sempre me fala do frio e da entrada do jogador reserva que marcou o gol de cabeça. Aquela partida foi o início da maior série de vitórias em Campeonatos Paranaenses na história do Glorioso: 1968, 1969, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1978, 1979. Anteontem, Carneiro Neto se referiu àquele jogo na Gazeta do Povo: “Naquele ano, disputou-se o melhor Campeonato Paranaense de todos os tempos, em pontos corridos e com todos os times muito bem-preparados. O gol do título coxa-branca, marcado por Paulo Vecchio em fria noite na Vila Capanema, entrou para a história pela emoção da histórica conquista no último minuto do clássico.” Se Carneiro Neto não chega a assegurar que aquele foi o maior Atletiba de todos, poucas dúvidas há – até hoje – de que aquele foi o melhor Campeonato Paranaense da História. O campeonato começou turbulento: o Atlético, que tinha ficado em último lugar no ano anterior, simplesmente se recusava a ser rebaixado – a lei do acesso e descenso começara a vigorar pouco tempo antes. Começou uma luta de bastidores entre o então presidente atleticano, Jofre Cabral, e o presidente da Federação Paranaense de Futebol, José Milani. Como forma de fazer pressão, o presidente rubro-negro contratou grandes jogadores: Bellini (ex-campeão mundial de futebol), Dorval (ex-companheiro do Santos de Pelé), o goleiro Muca e os grandes jogadores Zé Roberto e Nilson Borges. Tanto se fez que se conseguiu que tanto Atlético quanto Paranavaí – primeiro colocado da divisão de acesso, na época chamada Primeira Divisão (enquanto os principais clubes formavam a Divisão Especial) – tivessem vaga garantida no Campeonato Paranaense de 1968. (Além disso, mais um outro clube foi convidado: o vencedor de um torneio entre os participantes da divisão de acesso.) Toda essa movimentação fez com que o campeonato pegasse fogo. Segundo as palavras do Professor Francisco Genaro Cardoso, em seu “História do Futebol Paranaense” (Federação Paranaense de Futebol. Curitiba, 1978): “Nunca se viu tantas casas em Curitiba ostentando bandeiras e faixas de clubes de futebol, com predominância de atleticanas e coritibanas. (…) Nunca se viu tanto ardor, tanto fanatismo por parte dos torcedores de ambas as agremiações. Nos cinco jogos em que os rivais fizeram durante o ano, as rendas foram recordes. A nota triste do campeonato foi a morte do presidente atleticano, Jofre Cabral, em 2 de junho daquele mesmo ano. “Voltando ao futebol: na última rodada do campeonato, o Coritiba precisava de um ponto contra o Ferroviário para levar a final para uma série de três partidas com o Atlético – e este ponto só foi conseguido nos momentos finais de um emocionante jogo num Alto da Glória superlotado: 2 a 2.” Conforme contam Vinícius Coelho e Carneiro Neto em seu “O Campeoníssimo” (Coração Brasil Editora. Curitiba, 2003): “Como havia perdido em casa para o Furacão, 15 dias antes, em disputa pela vaga do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (…), o Coritiba sabia das dificuldades que teria na decisão do campeonato. No primeiro jogo, 2 a 1 para o Coritiba no então estádio Belfort Duarte – atual Couto Pereira. Ao Coritiba bastava o empate no jogo seguinte, no Estádio Durival de Britto, na quarta-feira, evitando assim o terceiro jogo. Acho que será mais interessante para o leitor se forem simplesmente reproduzidas as palavras de Francisco Genaro Cardoso sobre aquele que, possivelmente, tenha sido o maior atletiba da História: “Constituiu-se no mais espetacular ‘Cotejo da Rivalidade’ dos últimos 20 anos. Durante 90 minutos, o Atlético vencia por 1 a 0. Estava-se nos descontos. O ‘povão’ rubro-negro já começava a comemorar a vitória e renasciam as esperanças de que em nova peleja, seria campeão. Que barulho sua torcida fazia. Já decorriam 30 segundos além do tempo regulamentar. Falta na intermediária rubro-negra. Pelo lado esquerdo. Cobrança pelo lateral esquerdo do Coritiba: Nilo. Nove jogadores coritibanos na área rubro-negra contra onze. Arnaldo César Coelho, carioca, o árbitro. Mais de 25.000 espectadores em suspense. Jogo noturno. Silêncio absoluto no Estádio. Era a derradeira oportunidade do Coritiba empatar. Cigarros não fumados. Mascados. Dentes cerrando dentes. Dentes comendo unhas. Torcidas estáticas. Um minuto além do tempo. No gramado, um empurra-empurra entre jogadores dentro da área penal, com que os atleticanos esperavam retardar a cobrança e ouvir o apito final. Arnaldo César Coelho, com muito custo, colocava a casa em ordem. Adverte, ameaça. Procura ângulo melhor para controlar a área. Vem o apito para a cobrança de falta. Nilo levanta a pelota para a frente do arco. Gil, o goleiro, salta. Saltam vários jogadores. Um bouquet humano, branco, verde, vermelho e preto. O mais feliz foi o comprido meia-cancha coritibano, Paulo Vecchio. Era o gol de empate e o título de 1968.” (Imagem que acompanha o texto obtida no Gemini. Se você estiver interessado em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
Leia mais +