Pureza, palavra horrível
Obra Literária
Pureza, palavra horrível
11 de outubro de 2025 0
Francisca era uma garota de programa que trabalhava num apartamento ao lado do Passeio Público. Passava o horário comercial ali, e a casa tinha, normalmente, uma alta rotatividade de clientes. Alguns eram muito bondosos, davam gorjetas e chegavam a pedir por programas de cinco horas. Outros eram asquerosos, tratavam-na mal, eram grosseiros — pelo menos estes, normalmente, chegavam rapidamente ao orgasmo e o programa era curto. À noite, ela voltava para casa, um sobrado bem ajeitado no Umbará, onde morava com o marido. Pegava dois ônibus para ir para casa, o primeiro na Praça Rui Barbosa e o segundo no Terminal do Pinheirinho. Quando chegava, o marido lhe perguntava como tinha sido o dia. Ela dizia que trabalhava como cuidadora de uma senhora senil perto das Mercês, e ele aceitava sem problemas. O marido, que se chamava Paulo, trabalhava com transporte de bebidas e era um homem sério e compenetrado. Nos fins de semana, ele, a mulher e os três filhos assistiam aos cultos na Igreja Universal do Reino de Deus, a três quadras da casa deles. Como ela trabalhava de segunda a sexta, podia ir aos cultos de sábado e domingo sem maiores problemas. Às vezes a família ia visitar o pai dela, que morava em Matinhos, e era só assim que perdiam as cerimônias religiosas. Em algumas dessas ocasiões, Paulo assistia a um culto da mesma denominação lá no litoral, mas o mais comum era avisar ao seu pastor na igreja do Umbará que “naquele fim de semana eles iriam fazer a obrigação de dar uma atenção para o sogro, um velhinho muito bom, mas, infelizmente, distante da igreja”. O pastor então orava junto com Paulo pela conversão de Raul, o pai de Francisca. Não se pode dizer que essa vida dupla não pesava na consciência da pobre Francisca, que realmente tinha trabalhado durante algum tempo cuidando de idosas. Quase meia década antes dos fatos narrados aqui, a última mulher sob seus cuidados morrera de uma hora para outra e ela ficara desempregada. Seu marido também estava sem emprego, e o desespero do casal era imaginável: eles tinham três filhos, sendo que nenhum dos três trabalhava e o mais velho tinha apenas dezoito anos. Nessa situação desoladora — o pouco dinheiro que tinham economizado já estava no fim —, a irmã de Francisca, uma católica não praticante que não se importava com os chamados “moral e bons costumes”, sugeriu que ela começasse a vender seu corpo para ganhar dinheiro. Se Francisca quisesse, Raquel — a irmã — poderia lhe passar o contato de uma amiga dona de um apartamento que estava precisando de meninas para esse tipo de trabalho. Depois de muita hesitação, Francisca acabou conversando com a moça, e as duas combinaram que na semana seguinte ela começaria a trabalhar ali. Francisca acabou gostando muito mais de trabalhar com sexo do que tinha imaginado. Tinha muito mais desejo sexual que o marido — frequentemente ia dormir insatisfeita porque ele não queria nada com ela — e os clientes, em sua maioria, a tratavam bem. Percebeu que não precisava se esforçar muito para ganhar muito mais dinheiro que antes: na verdade, em grande parte do tempo, o trabalho lhe dava prazer. Era assídua com os horários — a dona exigia que ela chegasse às sete da manhã e ela não poderia sair antes das cinco da tarde —, e não faltava nem quando estava muito resfriada. Para a família, como se pode imaginar, ela tinha dito que arranjara outro trabalho como cuidadora de idosos. Sua consciência pesou mais no início da vida dupla: ela se sentia mal nos cultos, dada a incoerência entre o que era pregado e seu trabalho. Faltou a algumas cerimônias religiosas, mas teve que voltar a participar delas quando o marido disse que não era bom que ela continuasse se ausentando da casa de Deus. Então, recomeçou a frequentar as cerimônias. Quanto a seu dia a dia em casa, percebeu que nada se modificara e que, de certa maneira, seu trabalho no apartamento era apenas mais um trabalho: continuava sendo a boa mãe e esposa de sempre, carinhosa e atenta às necessidades da família. *** Além dos problemas de consciência, que às vezes eram maiores, às vezes menores, Francisca se incomodava com o que ela chamava de “sombra”. Sempre que estava sozinha à noite andando na rua (que não precisava estar necessariamente deserta para que isso acontecesse), ela via um homem alto, com uma capa comprida e chapéu pretos. Às vezes ele estava na sua frente, normalmente a uns vinte metros de distância, mas às vezes ela sentia que ele estava atrás dela — e, quando se virava, lá estava ele. O pior nem era isso: o mais comum era Francisca olhar para ele, se distrair e, quando olhava de novo, ele sumia — normalmente para aparecer em outro lugar da rua, frequentemente distante do anterior, alguns minutos depois. Ela sentia uma sensação estranha, uma espécie de calafrio, quando o via. No início, ela sentia bastante medo do homem misterioso, de quem nunca conseguiu ver direito o rosto — ele sempre aparecia à noite, e o chapéu aumentava a sua sombra, afinal de contas. Só sabia que ele usava uma barba, muito escura, aliás. Com o tempo, o medo diminuiu, mas não a sensação de desconforto que ele lhe trazia. *** Grandes mudanças na vida de Francisca tiveram início quando Paulo passou a chegar cada vez mais tarde em casa, devido a mudanças em sua escala de trabalho. Logo ele se estabeleceu num horário fixo na transportadora de bebidas: do meio-dia às oito da noite, de terça a sábado. Por isso, ele deixou de ir aos cultos do sábado — mas Francisca e os filhos não. Continuaram os mesmos bons crentes de sempre. Para ela, a principal diferença era a falta que o marido lhe fazia entre a hora em que ela chegava em casa — normalmente perto das seis da tarde — e a hora de Paulo, entre nove e dez da
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Um Nobel para Chamar de Meu
Literatura
Um Nobel para Chamar de Meu
9 de outubro de 2025 0
O Prêmio Nobel de Literatura de 2025, concedido a László Krasznahorkai, foi anunciado há pouco. Como de costume, assisti ao anúncio ao vivo pelo site do Prêmio Nobel. O processo é bem simples: há uma porta fechada com algumas pessoas sentadas em frente a ela. Pouco depois, uma pessoa bem-vestida sai e, com frases rápidas em sueco e inglês, anuncia o nome do vencedor, além de dar uma breve justificativa para a escolha. Comecei a acompanhar o Nobel de Literatura com mais atenção em 2008, quando J.M.G. Le Clézio foi o vencedor. Eu tinha comprado um livro dele, Mondo et autres histoires, quase por acaso e tinha ficado embasbacado. Fiquei tão feliz quando vi a vitória de Le Clézio na página principal do UOL que liguei para a Valéria para contar. O Prêmio Nobel de Literatura tem me ajudado a descobrir excelentes autores ao longo dos anos, como Han Kang (2024), Patrick Modiano (2014), Svetlana Alexievich (2015), Kazuo Ishiguro (2017), Alice Munro (2013), Mo Yan (2012), J.M. Coetzee (2003), Naguib Mahfouz (1988) e Olga Tokarczuk (2018). Gosto de outros escritores que já conhecia antes de receberem o Nobel, como Gabriel García Márquez (1982), Vidiadhar Naipaul (2001) e Mario Vargas Llosa (2010). De outros, cheguei a ler algo, mas não gostei muito, como Imre Kertész (2002) e Peter Handke (2019). De Jon Fosse (2023), já comprei o livro “Trilogia”, mas ainda não comecei a ler. Não tenho muita facilidade com poesia, então acabei lendo pouquíssima coisa de Louise Glück (2020), Tomas Tranströmer (2011) e Wisława Szymborska (1996). O caso de Herta Müller (2009) é um pouco diferente: li alguns de seus livros, gostei de uns e menos de outros, mas suas histórias tendem a grudar na memória, sejam elas boas ou ruins. Alguns autores simplesmente não me atraem, e não pretendo lê-los, como é o caso de Abdulrazak Gurnah (2021) e Annie Ernaux (2022). Porém, isso não aconteceu com o laureado de hoje, László Krasznahorkai, que recebeu o prêmio, segundo a Academia Sueca, “pela sua obra convincente e visionária que, em meio de um terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”. “Distopia” e “terror” são termos frequentemente citados quando se fala em sua obra, dois assuntos que me interessam bastante: meu novo romance, “3040”, é uma espécie de distopia, e meu texto mais recente aqui foi sobre filmes de terror. Em breve, comprarei “Sátántangó”, romance “apocalíptico” publicado originalmente em 1985 e já lançado no Brasil pela Companhia das Letras. (Imagem que acompanha o texto obtida no Google Gemini. Se você estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Por que me Assusto? – Uma análise pessoal do que torna o horror tão perturbador.
Cinema
Por que me Assusto? – Uma análise pessoal do que torna o horror tão perturbador.
5 de outubro de 2025 0
Tenho assistido a muitos filmes de terror. Assim como minha outra paixão cinematográfica, os filmes noir americanos e franceses, em que eu simplesmente vou assistindo a todos os filmes de DVDs da Versátil sem me preocupar em saber o enredo ou a opinião da crítica, com os filmes de terror muitas vezes começo a assistir a algum título na Netflix ou no Amazon Prime sem me preocupar muito em saber do que se trata. Outra mania minha: só assisto a filmes de terror mais ou menos recentes. Manias não se explicam. O filme americano Corra! (dirigido por Jordan Peele, 2017, EUA) foi escolhido como o quinto melhor do século XXI, em qualquer gênero, pelo jornal New York Times. Não achei o filme ruim, mas penso que grande parte da sua importância se deve à profunda crítica social que ele traz, e não ao terror em si. De todo modo, o tipo de terror que Corra! representa é relativamente frequente em muitos filmes recentes: a história de alguém que chega a um lugar onde um grupo mais ou menos esquisito acaba se revelando muito mais estranho do que parecia à primeira vista. Filmes desse tipo que assisti recentemente são O Monastério (dirigido por Bartosz M. Kowalski, 2022, Polônia), A Freira (dirigido por Corin Hardy, 2018, EUA), Imaculada (dirigido por Michael Mohan, 2024, EUA e Itália), Piscina Infinita (dirigido por Brandon Cronenberg, 2023, Canadá, Croácia e Hungria), Suspiria (dirigido por Luca Guadagnino, 2018, EUA e Itália) e A Cura (dirigido por Gore Verbinski, 2017, EUA, Alemanha e Luxemburgo). O que mais gostei foi Midsommar (dirigido por Ari Aster, 2019, EUA e Suécia), em que o terror surge num lugar lindo, ensolarado (!) e bucólico no interior da Suécia. Casos interessantes, para o público ocidental, são A Morte Sussurra (dirigido por Taweewat Wantha, 2023, Tailândia), um filme tailandês em que um exorcismo acontece sob o ponto de vista budista, e o excelente Umma (dirigido por Iris K. Shim, 2022, EUA), um filme americano em que uma mãe coreana atormenta a vida da filha, que nasceu na Coreia, mas vive nos Estados Unidos. Duas sequências de filmes que ainda não assisti inteiras estão entre as coisas mais assustadoras que já vi: V/H/S (dirigido por vários, 2012, EUA), que só assisti ao primeiro e que mostra uma série de pequenas histórias filmadas em VHS, e [REC] (dirigido por Jaume Balagueró e Paco Plaza, 2007, Espanha), que já assisti aos dois primeiros, uma série espanhola sobre uma possessão monstruosa num prédio em Barcelona. Esta última também tem uma versão americana, e é bom saber que ainda tenho bastante coisa — boa, espero — para assistir nessas séries. Muito assustador também é Canibais (dirigido por J.K. Bown, 2017, Estados Unidos), um filme em que seres humanos são criados como gado para o abate, sobre o qual já comentei aqui. Embora alguns filmes citados acima realmente me perturbem, é mais comum que os filmes de terror não me assustem muito, mas me divirtam bastante. Provavelmente o terror assusta mais o espectador quando o atinge em algum canto do seu inconsciente. É por isso que o filme A Maldição da Ponte (dirigido por Ha Won-joon, 2021, Coreia do Sul) foi um dos mais assustadores que já assisti: uma história de possessão com estudantes em uma universidade, com corredores escuros e estranhos, que me deixou realmente inquieto. Sim, grande parte dos meus sonhos e pesadelos se passa em corredores escuros e estranhos. Por sorte, a continuação de A Maldição da Ponte (dirigido por Ha Won-joon, 2023, Taiwan) é tão confusa que não chegou a me dar medo. (Imagem que acompanha o texto obtida no Google Gemini. Se você tiver interesse em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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O Prazer Secreto dos Lieder – Uma paixão pelo romantismo alemão e a descoberta de que beleza e erotismo podem ter a mesma face.
Obra Literária
O Prazer Secreto dos Lieder – Uma paixão pelo romantismo alemão e a descoberta de que beleza e erotismo podem ter a mesma face.
28 de setembro de 2025 0
Amo profundamente os lieder, aquelas canções eruditas com piano que tiveram seu auge no Romantismo alemão. Brahms, Schubert, Schumann, Beethoven — todos fizeram obras maravilhosas neste formato, peças que me dão um prazer quase sexual (ok, foi uma piada ruim) de ouvir. Dietrich Fischer-Dieskau, Jessye Norman, Ian Bostridge, Peter Schreier… estão entre meus cantores preferidos neste gênero. Mas, para mim, a melhor de todas é a cantora lírica francesa Rosalie Simon. Desde que ouvi o vinil — que quase furei de tanto ouvir — de sua gravação de “Die Schöne Müllerin”, de Schubert, acompanhada pelo grande pianista húngaro-britânico András Schiff, ela virou minha favorita. Loira, elegante, esbelta, a mezzo-soprano francesa, aparentemente, só tem pontos altos na carreira. Sua versão dos lieder de Schubert sobre poemas de Johann Wolfgang Goethe, com Bengt Forsberg ao piano, por exemplo, começa com umas peças mais “alegres” e vai aumentando a dramaticidade até lugares que mal consigo imaginar. Gosto tanto dela que escuto até mesmo suas versões de obras de compositores de música contemporânea (como as Três Peças Orquestrais de Alban Berg ou as 3 Mélodies de Olivier Messiaen), estilo que normalmente não aprecio. Eu não achava nada demais nessa minha preferência pela Rosalie Simon, até que reparei uma coisa que eu nunca tinha percebido antes: em uma capa de disco gravado durante sua juventude (hoje a cantora tem 65 anos), ela está muito parecida com a Lady Anne dos vídeos pornô, gravados nos anos 1990, quando ela tinha seus vinte e poucos anos, a mesma idade da Rosalie Simon na capa do disco. (Trecho do conto “Duas Mulheres”, que será publicado ainda neste ano na minha coletânea “A Mulher de César”. A imagem que acompanha o texto foi obtida no Gemini. Se você tem interesse em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Mito e Verdade em Duas Biografias Essenciais – A desconstrução de Rasputin e Nietzsche pelas obras de Douglas Smith e Curt Paul Janz.
Filosofia, História
Mito e Verdade em Duas Biografias Essenciais – A desconstrução de Rasputin e Nietzsche pelas obras de Douglas Smith e Curt Paul Janz.
21 de setembro de 2025 0
Alguns vídeos na internet pintam o monge Grigori Rasputin (1869-1916) como a encarnação do mal. Com uma influência enorme na família imperial russa antes da queda do Império com as Revoluções de 1917, ele é até hoje visto como uma péssima influência para o czar Nicolau II e, principalmente, para sua esposa, a imperatriz Alexandra. No entanto, ele não é retratado de forma tão desfavorável na monumental biografia “Rasputin: Fé, poder e o declínio dos Romanov”, de Douglas Smith (Companhia das Letras, tradução de Berilo Vargas, 1128 páginas, ano de publicação original: 2016). Sim, ele era promíscuo, mas muitas das orgias famosas em que participou foram exageradas por seus inimigos. Ao contrário do que se dizia, nada indica que ele tenha tido um caso com a imperatriz Alexandra. Ele foi assassinado, mas muito do que foi dito sobre a sua morte — como ter sobrevivido a vários envenenamentos — é simples exagero. E, finalmente, sua influência nos desmandos do czar foi basicamente nula: Douglas Smith o apresenta como uma voz da razão contra o teimoso, despreparado e arrogante Nicolau II, que quase sempre tomava a decisão errada para o Estado. Mas alguns acontecimentos estranhos, sempre lembrados quando se fala em Rasputin, eram basicamente verdadeiros: ele realmente dizia que, se fosse assassinado, o Império Russo cairia — o que de fato aconteceu. Seu olhar era realmente penetrante e assustador, como se pode ver em fotografias da época. E o mais estranho de tudo é a maneira como ele curava Alexei, o herdeiro do Império Russo, de crises de hemofilia — uma doença totalmente incurável. A documentação de suas curas é tão extensa e confiável que não restou outra opção ao biógrafo Douglas Smith a não ser sugerir que Rasputin, de fato, tinha algum poder sobrenatural. Se a biografia acima é considerada a “definitiva” do “monge louco” russo, “Friedrich Nietzsche: Uma biografia”, de Curt Paul Janz (Vozes, tradução de Markus A. Heidiger, 1648 páginas somando os três volumes, ano de publicação original 1978-1979), é a biografia definitiva do filósofo alemão, que nasceu em 15 de outubro de 1844 e faleceu em 25 de agosto de 1900. Até agora, só li o primeiro dos três volumes, com 660 páginas, mas achei interessante comentar, pois não se sabe quando terminarei a obra completa. Afinal, biografias definitivas, sempre cheias de detalhes, são difíceis de ler rapidamente (pelo menos para mim). O primeiro volume da biografia cobre a infância, a juventude e os anos em que Nietzsche viveu em Basileia como professor de filologia. Ele saiu de lá, aos 35 anos de idade, por problemas de saúde. Dos seus grandes livros, ele só tinha escrito “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música” e “Humano, Demasiado Humano”. Suas obras mais famosas, como “Assim Falou Zaratustra”, “Além do Bem e do Mal” e “O Anticristo” serão abordadas no segundo volume, enquanto o terceiro e mais curto volume trata dos anos de sua loucura (1889-1900). Neste primeiro volume que li, a fascinante Lou Andreas-Salomé, sobre a qual eu comentei, nem aparece. Em compensação, a primeira parte fala da sua admiração inicial e do posterior rompimento com o grande compositor Richard Wagner, além de sua vida como professor e do início de suas ideias que revolucionaram a filosofia e até a psicologia. O que mais me marcou, neste primeiro volume, é como Nietzsche sofria com dores de cabeça e dificuldades de visão. É difícil não sofrer junto com ele, nem que seja um pouco! (Imagem que acompanha o texto obtida com o Gemini. Se você estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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O que Acontece Quando Você Lembra da sua Vida Passada? – Um conto sobre reencarnação, solidão e o conforto de um passado presente.
Obra Literária
O que Acontece Quando Você Lembra da sua Vida Passada? – Um conto sobre reencarnação, solidão e o conforto de um passado presente.
14 de setembro de 2025 0
Não tenho muitas certezas na vida. De todo modo, uma delas é que, desde criança, sempre soube que fui a última mulher de César, Calpúrnia, em uma encarnação anterior. Lembro-me de acontecimentos daquela vida como se fossem meus. É similar a alguém que disputou uma competição de natação trinta anos atrás: pode até se lembrar que nadou e da marca que atingiu, mas dificilmente recordará os adversários nas raias ao lado ou a data exata da prova. Comigo, em minha vida como Calpúrnia, acontece o mesmo: recordo detalhes importantes da época — meu casamento com César, meu famoso pânico antes de sua morte, minha solidão — mas não me lembro de muitos pormenores. Por exemplo, nomes de conhecidos ou de escravos menos importantes da casa de meu então marido, assim como qualquer pessoa na faixa dos cinquenta anos que possa ter esquecido detalhes de sua juventude. Nasci em 1969 e sou curitibana. Há quase oito anos, mudei para Londrina porque meu filho, Paulo, foi aprovado em medicina na UEL, e aproveitei para trazer também minha filha mais nova, Mariana, para cuidar melhor dos dois. Meu marido não pôde se transferir, pois é dono de uma grande empresa na Cidade Industrial de Curitiba. Sou dona de casa desde que me casei, embora seja formada em enfermagem. Passo meus dias basicamente sozinha aqui, enquanto meus filhos têm suas atividades: Paulo já se formou em medicina, conseguiu um emprego e logo se casará com uma ótima moça da cidade. Mariana está se formando em engenharia e estagia em uma empresa de projetos onde, provavelmente, continuará após a formatura. Se ela conseguir esse emprego, é provável que eu permaneça aqui enquanto ela desejar. (…) Enfim, minha personalidade não mudou em absoluto de “Calpúrnia” para “Gabriela”, e meu gosto por ficar sozinha em casa é o mesmo desde então. Tive a sorte de permanecer bem assistida por empregados confiáveis, que sempre resolveram — e resolvem — todos os meus problemas do dia a dia, assim como os escravos na Antiga Roma. Gosto de comer frugalmente, algo que é bem-visto hoje, mas que era malvisto quando eu era Calpúrnia. Por isso, não há como eu ser mais feliz do que sou. Por outro lado, alguns acontecimentos de alguns anos atrás perturbaram minha tranquilidade por um tempo — e são esses os acontecimentos que vou descrever agora. (Trecho inicial de “A mulher de César”, conto que dá título à coletânea de mesmo nome, a ser publicada ainda neste ano. Imagem que acompanha o texto obtida com o Gemini. Quem estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.)
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Diário de um Leitor Compulsivo – Um mergulho pessoal nas páginas e nas frustrações da vida literária
História, Literatura
Diário de um Leitor Compulsivo – Um mergulho pessoal nas páginas e nas frustrações da vida literária
7 de setembro de 2025 0
A minha ideia de escrever sobre livros na internet surgiu no início dos anos 2000, mais como um auxílio à minha própria memória. Como leio muito, tinha receio de esquecer se já havia lido ou não determinado livro. Com exceção de um curto período, sempre li o que quis, sem compromisso com prazos, lançamentos ou qualquer outra obrigação. Além desse desejo, sempre achei que, ao publicar meus comentários, poderia ajudar outras pessoas a descobrir uma obra. Por isso, me sinto um pouco frustrado quando leio algo decepcionante, mas, por uma espécie de dever “profissional”, sinto a necessidade de comentar todos os livros que leio — exceto os de engenharia. O texto de hoje, aliás, fala sobre três livros que foram bastante decepcionantes, mas, mesmo assim, vale a pena comentá-los, né? Foe, de J. M. Coetzee Publicado originalmente em 1986, Foe, de J. M. Coetzee, é uma obra de 157 páginas editada pela Penguin Books. A edição brasileira, traduzida por José Geraldo Couto, foi publicada pela Companhia das Letras. O romance reconta a história de Robinson Crusoé a partir de uma perspectiva feminina. A naufragada Susan Barton, que morou no Brasil colonial e procurava a filha desaparecida, encontra Crusoé (chamado de “Cruso” no livro) e Sexta-feira em uma ilha deserta. Ao ser resgatada e retornar à Inglaterra, ela procura o autor Daniel Foe (o nome original de Daniel Defoe) para que ele escreva sua aventura. No entanto, o relato de Susan foca na ausência da língua de Sexta-feira e na recusa de Cruso em valorizar essa questão, o que levanta discussões sobre colonialismo, identidade e autoria. É difícil expressar o quanto amo as obras de J. M. Coetzee, mas esta, apesar de ser interessante em alguns momentos no início, tem um final tão confuso e sem sentido que se torna uma decepção completa. Quem sabe eu passe a gostar dela no futuro, como aconteceu com a trilogia sobre Jesus, mas acho difícil. Sete anos, de Fernanda Torres Sete anos, de Fernanda Torres, com 168 páginas, é uma coletânea de crônicas publicada em 2024 pela Companhia das Letras. Eu gostei bastante dos dois romances da grande atriz Fernanda Torres e de suas crônicas na Folha de São Paulo. Isso, mais o fato de a primeira crônica de “Sete Anos”, a longa “Kuarup” (quase 20 páginas), sobre as filmagens do filme de mesmo nome, dirigido por Ruy Guerra em 1989, ser bastante interessante, acabou me animando em relação ao que viria depois no livro. Que decepção! Fernanda Torres passeia por vários temas e faz inúmeras relações, fala muito sobre política, mas quase tudo me deixou profundamente entediado. Foi uma dificuldade terminar de ler o livro, que ficou datado além da conta. Televisionários. A História da Facção Exército Vermelho, Mais Conhecida por Engano Como Grupo Baader Meinhof, de Tom Vague Publicado originalmente em 1992, Televisionários, de Tom Vague, é uma obra de 208 páginas. A edição em português foi traduzida por Celso Grubisic e publicada em 1999 pela editora Conrad. O grupo terrorista alemão Baader-Meinhof é um dos meus interesses estranhos, assim como os Wari, os etruscos, os papas de Avignon e o período Permiano. Comprei este livro na esperança de saber mais sobre o grupo, mas o texto, que não passa de uma longa cronologia, não aprofunda basicamente nada sobre as motivações do grupo nem sobre seus integrantes. Terei que encontrar outro livro sobre eles. (Imagem que acompanha o texto obtida com o Google Gemini.)
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O umbigo de Heitor – Uma história de pânico, ironia e má digestão
Obra Literária
O umbigo de Heitor – Uma história de pânico, ironia e má digestão
31 de agosto de 2025 0
“Antes da internet: – Vou fazer pós-doutorado em literatura neozelandesa do sec. XIX Depois da internet: – Como escreve embigo” Quando você pensa em memes, você pensa neste, especificamente. Você, Heitor, não conhece nenhum mais engraçado. Tudo nele é perfeito: o deboche da ignorância em tempos de internet, o exagero sem pudor, a falta de interrogação na frase final — que é uma pergunta, afinal de contas. E você acha que o principal nele é o maravilhoso “embigo”. Podia ser “imbigo” também — que você se lembra de ter ouvido na infância —, mas é “embigo”, que enfim parece ser uma forma mais sofisticada de falar errado. Pensando agora, você não sabe por que acha tão engraçado esse meme, já que seu próprio umbigo não lhe dá nenhuma alegria. Ele é bonito, e tal, mas sensível demais. Sua mulher vive querendo limpá-lo, e você tem pânico quando pensa nisso. Às vezes você, Heitor, pensa que, se fosse um habitante de um país menos paranoico com a higiene pessoal — a Nova Zelândia, por exemplo —, seu umbigo sujo e dolorido não seria algo menos asqueroso. Enfim, com a pandemia você, Heitor, engordou, e agora que o seu umbigo cresceu, ficou mais importante, mais dolorido. Um horror — são muitos os horrores que o umbigo lhe traz. Junto com a pandemia também veio a má digestão, Heitor. Os bifes que você ama passaram a significar um verdadeiro terror para você. Os sucos de fruta, nossa. Pães. Você ama pães. Mas assim que os come, parece que eles ficam parados no meio do caminho. Então, Heitor, foram duas más notícias que você teve com a pandemia: dor de umbigo e má digestão. A primeira seria resolvida com um emagrecimento — que você não tinha a menor vontade de fazer. A segunda poderia também ser resolvida do mesmo modo, mas será mesmo? Você não poderia estar com algum outro problema? Então você resolve ir ao médico, que faz uma ecografia abdominal e lhe dá o veredito: você tem que tirar a vesícula. O veredito do médico — E como é o procedimento? — você pergunta, Heitor. — Ah, é simples, risco mínimo — o médico responde, como se fosse a coisa mais simples do mundo. — Por laparoscopia, são feitos quatro furos nos quais entram as câmeras, os bisturis, e por onde sai a vesícula. — E onde são esses furos? — você pergunta de novo, Heitor. E o médico explica que são três na barriga e que a vesícula sai pelo umbigo. Você entra em pânico, Heitor. Fica temendo pela dor no umbigo até se operar. Mal consegue dormir. Diz para todo mundo que está em pânico. Diz que não quer ninguém mexendo no seu umbigo. Porque seu umbigo dói, Heitor, e porque você tem má digestão. E você tem que tirar a vesícula, coisa que você não queria fazer. Enfim, você tira a vesícula, e no pós-operatório sente dor no umbigo, nos cortes, na barriga. Mas não é aquela dor que você imaginou. Não foi aquela tragédia toda. Você é ridículo, Heitor. Ridículo. (Conto presente em “A mulher de César”, coletânea a ser publicada ainda neste ano. Ilustrações geradas por IA – Google Gemini.)
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