maio 2019

Literatura, Obra Literária
Trecho inicial de Sorry
26 de maio de 2019 at 19:58 0

Abaixo segue o trecho inicial de "Sorry", a quarta e última novela de "O verão de 54 (novelas)", a ser lançado proximamente, com prefácio do escritor, tradutor, editor, professor e conferencista Robertson Frizero.

Nona série


Segunda-feira, 4 de maio


Eu me chamo Renata e sou aluna da nona série. Aqui no Colégio a gente se senta por ordem alfabética, o que faz com que eu me sente atrás do Rafael. É o primeiro ano em que ele estuda aqui em Curitiba. Ele veio de Videira, lá onde o diabo perdeu as botas, e tem sotaque de catarinense, mas não muito. Explico: como ele morou também em Goiás o sotaque dele é meio misturado. Ele ri da minha cara cada vez que eu falo “leite”. Cariocas falam “leitch”, catarinenses não, mas, segundo o Rafael, só os curitibanos pronunciam de maneira tão ridícula o “te”. “Leite quente dá dor de dente”, é a frase que ele usa quando quer zoar o sotaque dos curitibanos. Estou tentando pensar num jeito de dar uma ideia para você, que me lê, de entender como o nosso sotaque é diferente (ridículo, segundo o Rafael), mas não tenho ideia de como fazer. Então, para você que não sabe como é o sotaque daqui, imagine uma coisa “peculiar”, que é uma expressão que meu pai usa de vez em quando. Às vezes ele vem com uma palavra muito nada a ver e eu e a minha mãe olhamos para ele como se ele fosse maluco e ele fica meio espantado, meio debochado, e acaba perguntando: “não tinha ideia de que vocês não sabiam o que (aí você coloca a palavra esquisita que meu pai falou) é”.


Tenho que ser justa com o Rafael. Ele não ri só do nosso sotaque. Ele é muito mais palhaço quando imita o sotaque do pessoal de Videira. Faz até umas caras diferentes, todo o mundo dá risada. Quando o Rafael chegou no Colégio ele, coitadinho, ainda estava meio deslocado, às vezes ficava sozinho no recreio e me partia o coração. Ainda bem que esta fase não durou muito, ele logo entrou para equipe de basquete do Colégio e agora todo o mundo gosta dele por aqui. Então. Eu preciso me concentrar, se não vem uma ideia, vem outra e daí você, que me lê, vai sair por aí falando que a “Renata se perde no meio da história”. Calma lá!

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Séries
You
19 de maio de 2019 at 18:19 0
You - fonte: internerdz

Joe Goldberg (Penn Badgley) é um funcionário de uma livraria em Nova York. É no trabalho que ele encontra Guinevere Beck (Elizabeth Lail) e se apaixona de cara. Como a moça se expõe bastante nas redes sociais, ele em pouco tempo consegue um enorme número de informações sobre ela e passa a segui-la obsessivamente. Este é o mote principal de “You”, série de 2018 da rede americana Lifetime, distribuída internacionalmente pela Netflix, cuja primeira temporada (a segunda já está confirmada) teve nove episódios de cerca de 45 minutos cada um.

Guinevere é uma universitária com sérios problemas financeiros e que não consegue concentração suficiente para se sair bem nas matérias em que está matriculada. Suas amizades – principalmente a ricaça Peach Salinger (Shay Mitchell) – são tóxicas e prejudiciais e seu namorado, Benji (Lou Taylor Pucci) é um rapaz rico, pretensioso, viciado em heroína e que não dá a menor importância para ela. A obsessão de Joe por Guinevere não tem limites: ele logo faz amizade com ela, e depois, consegue ser seu namorado. Mesmo tomando atitudes assustadoras para conseguir se aproximar dela, Joe consegue fazer uma análise bastante justa da vida de Guinevere – por exemplo, quando percebe que suas amigas, seu namorado e a sua obsessão pelas redes sociais são uma péssima influência para ela e seus estudos. A mistura de um Joe realmente preocupado com a sua amada, mas fazendo coisas horríveis para protegê-la, é o grande segredo do fascínio que “You” causa no público; não à toa, muitas espectadoras são “apaixonadas” por Joe Goldberg - o que irrita sobremaneira Penn Badgley, o ator que faz o personagem.

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Literatura
“Satíricon”, de Petrônio
12 de maio de 2019 at 18:03 0

Para um interessado nos costumes do Império Romano como eu, “Satíricon” (L&PM Pocket, 224 páginas, tradução do latim de Alessandro Zir), de Petrônio (27-66 d.C.), é ao mesmo tempo fascinante e frustrante, conforme explico a seguir.

O livro conta as a história de uma pequena trupe de vagabundos, Encólpio, seu amante Ascilto e seu servo Gitão, além do poeta Eumolpo, que se liga aos três no meio da história. Eles passam por diversas situações – quase sempre cômicas – envolvendo brigas, roubos, um banquete (onde aparece o famoso personagem Trimalquião, ex-escravo, vulgar e riquíssimo), recitações de poesia – sempre criticadas pelos demais personagens – por parte de Eumolpo, uma aventura com uma sacerdotisa do deus Príapo, e muito sexo – inclusive entre menores. A parte do fascínio de “Satíricon” está em que, sendo este um dos únicos romances em prosa da época que sobreviveram até os dias de hoje, é mais ou menos como ler um Balzac (famoso, entre outras coisas, pelo realismo de suas descrições da vida no Terceiro Império francês) do Império Romano: vemos os personagens se perdendo no escuro pois esqueceram suas tochas, participando de rituais pagãos, morando em apartamentos minúsculos, se alimentando em banquetes, se maquiando das maneiras mais esquisitas. E, o que é melhor, “Satíricon” é escrito de maneira debochada e vívida, agradabilíssimo de ler.

A parte frustrante é que a obra chegou até nós incompleta: o livro começa com a ação em andamento e os fragmentos vão ficando cada vez mais esparsos à medida que a ação transcorre. Nunca saberemos o que acabou acontecendo com os anti-heróis Encólpio, Ascilto, Gitão e Eumolpo.

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Literatura
“Diário de um velho louco”, de Junichiro Tanizaki
5 de maio de 2019 at 16:13 0

“Não tenho nenhuma intenção de me apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo, não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto.” Esta frase, obtida do romance “Diário de um velho louco” (Estação Liberdade, 208 páginas, tradução do japonês de Leiko Gotoda), de Junichiro Tanizaki (1886-1965), é tão representativa do livro que estampa, solitária, sua contracapa.

Tokusuke Utsugi é um senhor de 77 anos, que vive com a esposa, uma enfermeira, seu filho Jokichi e a mulher dele, Satsuko. Apesar de impotente e com a condição física bastante deteriorada, o desejo sexual do patriarca da família Utsugi pela nora Satsuko vai ficando cada vez mais exacerbado à media que transcorrem os dias. Ele não esconde dela seu desejo, e vai conseguindo um favorzinho dela aqui, outro ali. Não dá para contar mais para não estragar a surpresa.

“Diário de um velho louco” é, em sua maior parte, escrito na forma do diário do próprio Utsugi e é fascinante na descrição da obsessão sexual do idoso pela nora. Uma obra-prima.

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