fevereiro 2024

Dois livros de capa laranja
Religião
Dois livros de capa laranja
25 de fevereiro de 2024 at 21:00 0
Os dois livros que estão na foto que acompanha este texto, “Autobiografia de um Iogue”, de Paramahansa Yogananda (Self-Realization Fellowship, 648 páginas, sem indicação de tradução, lançado originalmente em 1946) e “Padre Pio: um santo entre nós”, de Renzo Allegri (Paulinas, 616 páginas, tradução de Maria do Rosário de Castro Pernas, lançado originalmente em 1968) têm muito em comum: são biografias de líderes espirituais, com um número parecido de páginas, e capas semelhantes: em laranja e com o rosto do biografado em primeiro plano. No meu caso específico, eles ainda coincidem pelo fato de eu não ter comprado nenhum dos dois: o livro sobre o Padre Pio foi a Valéria que adquiriu aqui em casa, e a autobiografia de Paramahansa Yogananda foi um presente da minha querida tia Neila para minha filha Teresa. Ambos os livros têm outro ponto de maior semelhança ainda, sobre o qual eu vou comentar mais adiante. Nascido em 1893 em Gorakhpur, na Índia e falecido em 1952 em Los Angeles, Estados Unidos, Paramahansa Yogananda desde cedo mostrou uma forte tendência a uma espiritualidade profunda. No início da adolescência começou sua jornada com o guru Sri Yukteswar, e em 1917 lançou sua primeira escola, ainda na Índia. Em 1920 fundou sua organização, a Self-Realization Fellowship, já nos Estados Unidos, para difundir o sistema de Yoga chamado de Kriya Yoga, revivido nos tempos modernos pelo guru de Sri Yukteswar, Lahiri Mahasaya. Com a sua organização Paramahansa Yogananda ficou famoso nos Estados Unidos e no mundo ocidental, tendo conhecido políticos, artistas e estadistas importantes. Sua “Autobiografia de um Iogue” é um livro delicioso, bem-humorado e de fácil leitura. Apesar de ser hindu, no livro Cristo é um mestre cujo exemplo deve ser seguido de maneira aprofundada. Nascido em 1897 na cidade italiana de Pietrelcina e falecido na cidade de San Giovanni Rotondo, também na Itália, em 1968, Padre Pio era um frade capuchinho famoso por seus estigmas. Achando que estes eram fruto de fraude, a Igreja Católica tentou o que pôde para complicar a vida do frei, impedindo-o, em épocas diversas, de rezar missas, fazer confissões, viajar, e por aí vai. A história da relação de Padre Pio com a Igreja me lembra o que o fariseu Gamaliel falou em Atos 5:38-39, dirigindo-se ao povo que queria matar Pedro e outro apóstolos: “Portanto, neste caso eu os aconselho: deixem esses homens em paz e soltem-nos. Se o propósito ou atividade deles for de origem humana, fracassará; se proceder de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los, pois se acharão lutando contra Deus”. Isto porque hoje o Padre Pio é o São Padre Pio, tendo sido canonizado pelo Papa João Paulo II em 16 de junho de 2002. Finalmente, o maior motivo para os dois livros estarem juntos aqui neste texto são os exemplos de acontecimentos extraordinários que pululam o tempo todo neles, como curas milagrosas, bilocação e levitação no livro sobre o Padre Pio, e ressurreições e conversas com mortos no caso do livro de Paramahansa Yogananda. Se você é cético, fique longe deles. Mas eu não sou, e amei estes dois livros de capa laranja.
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Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
Literatura
Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
21 de fevereiro de 2024 at 12:12 0
Lembro como se fosse hoje. Minha mãe trabalhava na firma do meu pai, e um dia eu estava na sala dela. Tinha uma prateleira com poucos livros e, no meio destes, havia três livros grossos, belíssimos, em papel-bíblia, mas que não eram a Bíblia. Era uma edição das “Obras Completas de Machado de Assis”, da Companhia José Aguilar, de 1971. Não lembro que ano era, estávamos no final dos anos 1970 ou início dos anos 1980. Peguei os livros e comecei a folheá-los, simplesmente inebriado. Nunca tinha visto edições tão lindas como aquelas. Perguntei para minha mãe de quem eram aqueles livros. “São teus”, ela respondeu. A alegria que me invadiu naquele momento é difícil de ser definida, até hoje. Li grande parte dos romances de Machado de Assis naquela edição, no primeiro volume, muitos deles mais de duas vezes. Também li a maioria dos contos, no segundo volume, e algumas peças e poesias, no terceiro. Nunca li as crônicas, que formam boa parte do terceiro volume, mas lê-las é um projeto que carrego comigo até hoje. Minha mãe amava Machado de Assis como, acho, não amou nenhum outro autor, brasileiro ou estrangeiro. Ela fazia uma citação, que nem ela lembrava de quem era, que dizia que “as casas de Machado não têm quintais” – uma referência às poucas descrições de lugares e paisagens no autor, ao contrário do que acontecia com outro grande escritor do tempo do Império, José de Alencar. Ela sempre contava que tinha chorado quando, ainda jovem, acabou de ler o último livro de Machado, pois não teria mais nada novo dele para ler. Lamentava que ele escrevesse em português, e que fosse pouco conhecido fora do país, e ficou muito feliz quando lhe contei que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era um dos livros preferidos de Woody Allen. Às vezes, ela me perguntava: Capitu traiu ou não? E achava estranho que eu lhe dizia que preferia Lima Barreto a Machado de Assis. Para esta série “livros que minha mãe amava” resolvi reler (pela segunda ou terceira vez) “Dom Casmurro”. Tinha gostado muito de mais uma releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 2016, conforme conto aqui. Mas com Dom Casmurro a situação foi bem diferente. Desde a primeira vez que o li, a parte que eu mais tinha gostado era a sensibilidade com que era contado o início do namoro entre Bentinho e Capitu. Desta vez, ao contrário, o final do romance estava muito na minha cabeça – são tantos os debates sobre a suposta, ou não, traição da personagem principal do romance que, para mim, era inevitável pensar no que aconteceria páginas adiante. Achei, enfim, um livro amargo, pesado, que não me deu nenhuma alegria ao lê-lo. Ou, quem sabe, seja só saudade da minha mãe. Mas ela não me deixaria terminar este texto sem responder a esta questão, a mais famosa da literatura brasileira: Capitu traiu Bentinho ou não? Para mim ela traiu sim, mãe, e acho que você concorda comigo.
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