Em algum lugar na minha cabeça confusa, o escritor brasileiro Machado de Assis e o cineasta americano Woody Allen ocupam o mesmo espaço. Explico: os dois fazem obras sofisticadas, de humor fino, com ótimos comentários sobre a existência humana, nas quais os personagens raramente se preocupam com dinheiro – mas que não grudam na memória. Consigo lembrar com detalhes do pobre pai que se sacrifica até à morte pelas duas filhas em “Pai Goriot”, de Balzac, mas não sei direito como descrever direito os gêmeos Esaú e Jacó de Machado de Assis, ou o que mesmo é que aconteceu no ótimo “Vicky Cristina Barcelona”, de Woody Allen. Duas visitas recentes às obras destes dois gigantes reforçaram esta minha impressão geral.
Em “Café Society”, Bobby (Jesse Eisenberg) é um judeu nova-iorquino que vai tentar a sorte com um tio ricaço, o produtor cinematográfico Phil (Steve Carell). Depois de uma estranheza inicial – tio e sobrinho nem se conheciam –, Phil começa a ajudar Bobby, e indica Vonnie (Kristen Stewart) para auxiliá-lo na inserção no mundo hollywoodiano. O rapaz rapidamente se encanta com a garota – mas ela tem um namorado, por quem é apaixonada. Não dá para contar mais para não estragar a surpresa.
Como quase sempre acontece nos filmes do Woody Allen, muitos personagens deliciosos vão aparecendo na tela – com destaque para a família judia de Bobby: a mãe, religiosa; o pai, judeu orgulhoso de suas origens, mas não praticante; o irmão, gângster e apaixonado pela família; e o cunhado, intelectual e comunista. Praticamente todos os arquétipos de judeus nova-iorquinos aparecem no filme, e este é um dos muitos charmes dele. O triângulo amoroso – Vonnie, Bobby e o namorado – também é magistralmente conduzido, com interpretações marcantes de Jesse Eisenberg, Steve Carell e Kristen Stewart (eu sempre disse que ela é boa atriz!). Um filme delicioso, em suma.
Não tenho certeza se é a quarta ou quinta vez que leio “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Lembro que na primeira leitura, no final da infância, eu tinha ficado fascinado com a ousadia narrativa: o livro é escrito por um falecido Brás Cubas e a história é contada em capítulos curtíssimos, em que frequentemente o falecido autor comenta sua própria obra. Nas demais leituras, fui tomando ciência da moral duvidosa de Brás Cubas – capaz, por exemplo, de fazer propaganda por ter encontrado e devolvido uma moeda, mas que não devolveu uma fortuna achada na rua – e do tom pessimista da obra. Nesta leitura mais recente, fiquei fascinado pela firmeza da narrativa e pelo absoluto deslumbre que Brás Cubas sente pelo corpo feminino.
Pensando bem, é bom que eu esqueça os enredos dos livros de Machado de Assis e dos filmes de Woody Allen: normalmente eles são tão deliciosos que o esquecimento faz com que eu tenha vontade de revisitá-los de novo, e de novo.
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