O compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750) teve sete filhos com a primeira mulher, Maria Barbara, e mais treze com a segunda, Anna Magdalena. Praticamente metade deles faleceu ainda criança e, entre os sobreviventes, quatro se tornaram compositores importantes: Wilhelm Friedemann, Carl Philipp Emanuel, Johann Christoph Friedrich e Johann Christian.

Nascido em 24 de fevereiro de 1724, o primeiro filho de Anna Magdalena, Gottfried Heinrich, era também um músico de talento, e Johann Sebastian chegou a escrever sobre ele: “ (…) igualmente dotado para a música, e notadamente para o cravo”. O problema com Gottfried Heinrich era que ele era “mentalmente fraco”, como se dizia na época. Carl Philipp Emanuel escreveu que ele era “um grande gênio, mas que não conseguiu se desenvolver”. Tinha alguma deficiência mental, e possivelmente compôs a melodia da ária “So oft ich meine Tobackspfeife”, BWV 515, do Segundo Caderno de Anna Magdalena Bach. A pintura que acompanha este texto chama-se “Bach e três filhos”, e gosto de imaginar que Gottfried Heirich seja o mais novinho, feliz.

Não dá para confiar que o livro “A Pequena Crônica de Anna Magdalena Bach”, publicado por Esther Meynell em 1925, seja de grande precisão histórica, mas enfim. Neste livro, “Anna Magdalena” comenta o seguinte:

“Eu acho que ele (Johann Sebastian) sente por Wilhelm Friedemann o que eu sinto pelo meu pobre Gottfried, embora Friedemann fosse tão brilhante, com um cérebro tão poderoso, e o pobre Gottfried fosse um daqueles que chamamos ‘filhos de Deus’. Bem, eu acho que às vezes é através de nossos filhos que o Todo-Poderoso nos ensina nossas lições mais profundas. Tê-los e depois perdê-los – através destas alegrias e destas tristezas vem nossa ligação com o Eterno. ”

A “Anna Magdalena” de Esther Meynell também fala da tristeza de Johann Sebastian por ter um filho deficiente mental:

“ (…) Gottfried, que embora crescido continuasse mentalmente uma criança (com flashes de gênio musical que não era possível cultivar – eu via seu pai sentado ouvindo o cravo com lágrimas nos olhos enquanto Gottfried tocava de seu jeito selvagem, sem conhecimento técnico, mas tocante). ”

Depois da morte de Johann Sebastian a família se separou e Gottfried foi morar com sua irmã mais nova, Elisabeth Juliane Friederica, e seu marido Johann Christoph Altnickol – músico que morava e trabalhava em Naumburg, aproximadamente a 60 km a sudoeste de Leipzig. Depois da morte do cunhado em 1759, Gottfried Heinrich ficou com sua irmã até sua própria morte, em 17 de fevereiro de 1764.

Como era a vida de um deficiente mental naquela época? Se o preconceito existe ainda hoje, tendemos a imaginar que naquela época era ainda pior. De todo modo, não tenho muitos elementos para saber exatamente o que aquela criança grande sofreu.

Prefiro imaginá-lo com um grande amor pela música, e que nada mais tivesse importância em seu mundinho limitado. Se assim foi, ele pode ter passado a vida toda sob o impacto das músicas de seu pai – possivelmente o conjunto de composições mais belo que um ser humano já criou.

Uma vida inteira apenas para ouvir Bach: quem sabe aquele menino da pintura fosse feliz mesmo.