Dois livros de José Luís Peixoto
Literatura

Dois livros de José Luís Peixoto

21 de agosto de 2016 0

Uma das coisas fascinantes na boa literatura é a possibilidade de o leitor ser transportado, mentalmente, para outros países e/ou épocas. A chance de entrar em contato com uma pequena cidadezinha portuguesa nos anos 80 me trouxe a curiosidade de ler “Galveias” (Companhia das Letras, 264 páginas), do português José Luís Peixoto, publicado em 2014. O tema do livro lembra o de “Cenas da Vida da Aldeia”, em que o israelense Amós Oz descreve a vida numa pequena aldeia de seu país natal.

Logo no início do romance um meteoro cai nas redondezas numa madrugada para lá de quente, e os moradores vão para a praça principal da pequena Galveias para saber o que está rolando. Pessoas de pijama se olham, se estranham, tentam entender o que está ocorrendo. Sem a possibilidade de se aprofundar sobre o ocorrido, todos voltam às suas casas – e ao seu dia-a-dia monótono. Os personagens começam então a ser descortinados: o marido violento, o garoto deficiente mental, duas mulheres casadas que mantêm um relacionamento lésbico, o mecânico de motocicletas, dois irmãos idosos – um pobre, outro rico – que ficam mais de cinquenta anos sem se falar. À medida em que o livro se desenvolve, o único efeito perceptível da queda do meteoro é um permanente odor de enxofre que não só empesteia o ar, como estraga o gosto dos alimentos.

Bem escrito, “Galveias” realmente consegue transportar o leitor para a cidadezinha portuguesa dos anos 80: o problema do livro é que os personagens, em sua maioria, são frouxos, e os enredos não têm maiores atrativos. Basicamente, a personalidade mais interessante é o de uma dona de bordel, brasileira, que também é padeira: mas parece que o interesse está mais no inusitado da coisa mesmo. O fato é que apenas o “transporte” para outro país e/ou outra época não é o suficiente para a criação de boa literatura: “Galveias” não pode se comparar, por exemplo, com o já citado “Cenas da Vida de Aldeia”, em que Amós Oz cria personagens para lá de marcantes, criando grande literatura – e, claro, transportando o leitor, mentalmente, para a sua cidadezinha.

Muito melhor é outro livro de José Luís Peixoto, o curtíssimo “Morreste-me” (Dublinense, 62 páginas), espécie de carta de despedida do escritor para seu pai, recém-falecido. Para dar uma ideia da coisa, só um trecho do livro já basta:

“Descansa, pai, dorme pequenino, que levou o teu nome e as tuas certezas e os teus sonhos no espaço dos meus. Descansa, não vou deixar que te aconteça mal. Não se aflija, pai. Sou forte nesta terra nos meus pés. Sou capaz e vou trabalhar e vou trazer de novo aqui o mundo que foi nosso. Vou mesmo, pai. O mundo solar. Reconhecê-lo-ei, porque não o esqueci. E também o tempo será de novo, e também a vida. Sem ti e sempre contigo. (…) E nunca mais nunca mais. Pai. Dorme, pequenino, que foste tanto. E espeta-me no peito nunca mais poder ouvir ver tocar. Pai, onde estiveres, dorme agora. Menino. Eras um pouco muito de mim. Descansa, pai. Ficou o teu sorriso no que não esqueço, ficaste todo em mim. Pai. Nunca esquecerei.”

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