junho 2022

“Correntes”, de Olga Tokarczuk
Literatura
“Correntes”, de Olga Tokarczuk
12 de junho de 2022 at 19:20 0
É estranha a minha relação com a escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de 2018. O primeiro livro dela que li, “Sobre os ossos dos mortos”, sobre o qual escrevi aqui, foi crescendo em qualidade na memória: enquanto estava lendo-o ele me cansou diversas vezes, mas quando fui escrever sobre o romance não consegui encontrar nenhum defeito nele. Hoje posso dizer que foi um dos livros mais marcantes da minha vida, tão vívidas e fortes suas descrições. Já com este excelente “Correntes” (Todavia, 400 páginas, tradução de Olga Bagińska-Shinzato, publicado originalmente em 2007) a estranheza vem de outro lugar. A obra é dividida em 116 capítulos, a maior parte deles muito curtos e aparentemente autobiográficos, e sem relação com os demais. Alguns trechos me lembraram meu próprio “Memórias”, segundo livro de “Rua Paraíba”, obra mais recente que publiquei. Para dar uma ideia da coisa, vou transcrever um capítulo completo de “Correntes” aqui:
“Um sujeito na lanchonete de um certo museu me disse que nada lhe dava mais satisfação do que conviver com um original. Também insistiu que quanto mais cópias houver no mundo, maior será o poder do original — que às vezes se aproxima do poder de uma relíquia sagrada. Pois o que é singular é significativo, com a ameaça de destruição que paira sobre ele. A confirmação dessas palavras veio na forma de um grupo de turistas que celebrava com concentração devotada uma pintura de Leonardo da Vinci. Apenas ocasionalmente, quando algum deles já não aguentava mais, ouvia-se o clique de uma máquina fotográfica, que soava como um amém falado numa nova língua digital.”
Já no meu “Memórias” eu tenho um capítulo assim:
“Escrevi um conto batido a máquina. Cabia numa folha A4, no modo paisagem. Era escrito em três colunas: lendo a primeira coluna, o conto tinha um sentido. Se se juntassem as linhas da primeira e da segunda colunas, o sentido se modificava. Juntando a primeira, a segunda e a terceira colunas, outro sentido ainda aparecia. Eu não devia ter mais que onze anos, e mostrei o conto para um colega do curso de francês. Ele, então, mostrou para o pai dele, que veio com a sentença: ‘esse menino vai ser um grande escritor’. Eu ri e ele respondeu, sério: ‘meu pai nunca se engana.’”
Duas lembranças de episódios longínquos no tempo, duas opiniões originais (esquisitas?) de desconhecidos: um gosta de pessoas originais, outro achava que eu iria ser um grande escritor. Mas “Correntes” tem muito mais do que pequenas lembranças: o livro fala sobre suas obsessões por viagens e por “gabinetes de curiosidades onde se coleciona e expõe objetos raros, únicos, bizarros e disformes”, como órgãos disformes de seres humanos conservados em formol (duas obsessões que, é interessante comentar, eu não tenho). Além disso, algumas histórias – não sei se ficcionais ou não – são contadas de maneira completa, como a de uma mãe e um filho que aparentemente desaparecem numa ilha turística, e a de uma nobre no século XVIII que pede desesperadamente, por cartas, para que Francisco, o Imperador da Áustria, dê um enterro digno para o seu pai. “Correntes” é um livro fascinante, aliás muito melhor que o meu “Memórias”. (foto que acompanha o texto obtido no site da Revista Veja)
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Nos tempos do Imperador
Televisão
Nos tempos do Imperador
5 de junho de 2022 at 16:54 0
Sou fascinado por algumas épocas da História: o Império Romano e o cristianismo primitivo; o império Wari, no Peru; o Holocausto e tudo o que aconteceu para que este crime horrendo tenha sido possível; o Brasil Colônia e o Brasil Imperial Foi portanto com muita curiosidade que comecei a assistir ‘Nos Tempos do Imperador”, novela das seis da Globo que foi exibida de 9 de agosto de 2021 a 4 de fevereiro de 2022, em 154 capítulos, com direção de João Paulo Jabur e Vinícius Coimbra e com Thereza Falcão e Alessandro Marson como autores principais. A novela pode ser assistida pela Globoplay.  “Nos tempos do Imperador” teve uma audiência muito baixa, e boa parte dos espectadores reclamou do seu andamento lento - característica que, para mim, foi uma qualidade da novela.  Além do ritmo tranquilo, gostei muito dos cenários e da reconstituição da época, muito bem feitos e aparentemente bastante fiéis ao período retratado, e da iluminação - eu mesmo tirei a foto que acompanha este texto, porque na hora da transmissão achei belíssimo o tratamento de luz na cena. Outro destaque (não vou falar dos defeitos da novela, já que a crítica bateu bastante nessa tecla e acho que não preciso retomar o assunto) foram as atuações. Posso citar aqui Maicon Rodrigues, grande ator que infelizmente pegou o pequeno papel do revoltado Guebo, Selton Mello, excelente como o Imperador Pedro II, e Augusto Madeira e Dani Barros, vivendo o casal atrapalhado Quinzinho e Clemência, mostrados na foto supracitada. Por coincidência, as duas grandes atuações da novela são de atores que viveram muitos anos em Curitiba: o curitibano Alexandre Nero, inesquecível como o vilão Tonico Rocha, e a belorizontina Letícia Sabatella, que fez uma sofrida Imperatriz Teresa Cristina, traída às clara por Pedro II (que, aliás, aparece em “Nos tempos do Imperador” como apaixonado pela amante), ao mesmo tempo intensa e contida - coisa de gênio.
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