“Ai ai Izaura, hoje eu não posso ficar / se eu cair nos teus braços não há despertador que me faça acordar”. Como acontecia frequentemente, Paulo se lembrava dessa música quando Maria lhe pedia para ficar “só mais um pouquinho”. De brincadeira, finalmente, resolveu cantá-la. Maria estrilou:
- Que música idiota.
- Mas é bonitinha, Maria.
- Ah vá.
Era assim. Os dois se acertavam em quase todos os aspectos, menos na música. Amante que era do tal “sertanejo universitário”, Maria se irritava a cada vez que ele colocava no carro algo mais sofisticado, na linha de um John Coltrane ou Miles Davis. Ele meio que se divertia com isso e nunca ligou muito para essa profunda diferença musical, mas uma vez ele teve esperança de que ela fosse abrir um pouco seus horizontes musicais.
Foi assim: literalmente apaixonada pela família imperial, e pelo imperador Pedro Luís de Orléans e Bragança em particular, Paulo um dia contou para Maria que o próprio monarca tinha lhe dito que seu cantor preferido era o jazzista americano Chet Baker. Tinha sido numa reunião de trabalho na capital imperial, Rio de Janeiro - ocasião que tinha deixado Maria praticamente sem dormir durante uma semana. Ela não parava de mandar para o Paulo mensagens no Whatsapp falando da excitação que sentia por saber que ele teria uma reunião com o imperador. Com o imperador! Maria tinha quadros com toda a família imperial pela casa, era um fanatismo que não conhecia limites.
Na verdade, Paulo exagerara um pouco em seu relato para Maria. De fato, depois da reunião de trabalho (uns assuntos sobre o metrô do Rio), ele e o imperador trocaram palavras sobre música. Pedro Luís de Orléans e Bragança falou que amava Bach, que ouvia desde criança e que, agora, com o Spotify, estava muito feliz pela possibilidade de conhecer ainda mais intérpretes e gravações de seu compositor preferido. Paulo, que nunca foi fã de música clássica, resolveu lhe perguntar se gostava de jazz também. O imperador lhe respondeu que não tinha maior interesse pelo estilo, mas tinha visto um show de Chet Baker no YouTube e tinha gostado muito – a história trágica do grande jazzista também tocava o coração do monarca.
De modo que o papo de Chet Baker ser o “cantor preferido” do imperador era só isso – papo, e furado. O mais engraçado tinha sido a reação de Maria:
- Que pena, um imperador tão maravilhoso, com um gosto tão estragado.
(Exercício literário proposto por Robertson Frizero: em Literatura, chamamos de ucronia qualquer narrativa que conte uma versão alternativa da História como a conhecemos. Trata-se da reconstrução de um evento do passado tal como ele poderia ter acontecido. Em Fatherland, romance policial de Robert Harris, por exemplo, o autor imagina um mundo no qual a Alemanha nazista teria vencido a Segunda Guerra Mundial.
O desafio de hoje é escrever uma narrativa de até 500 palavras que se passa no seguinte cenário ucrônico: Deodoro da Fonseca não proclamou a República e o Brasil seguiu sendo governado por um regime monárquico e pela mesma linhagem dos Orleans e Bragança. Use essa informação apenas como pano de fundo para sua narrativa; não se preocupe em descrever como o movimento republicano falhou, etc.)
Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira seu fulgor?são de leitura cansativa. (mais…)
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