julho 2021

Meu filme preferido de Erich von Stroheim
Cinema
Meu filme preferido de Erich von Stroheim
4 de julho de 2021 at 03:24 0
Qual o meu filme preferido dirigido por Erich von Stroheim? Desde que escrevi o primeiro texto sobre ele por aqui fico me perguntando isso. Os dois primeiros que chegaram até nós, “Blind Husbands” e “Foolish Wives”, respectivamente de 1919 e 1922, mostram um diretor – e ator principal – totalmente seguro de si, confiante, e são brilhantes em todos os aspectos. “Greed”, de 1924, considerado pela maioria dos críticos sua obra-prima, tem uma temática diferente dos demais e por isso creio que ele seja um pouco menos representativo de sua obra como um todo. Pela história totalmente provocativa, eu tenderia a escolher “Queen Kelly”, com Gloria Swanson e de 1932, mas ele está inacabado e a versão existente hoje, com apenas fotogramas e trechos escritos do roteiro na parte final, acaba sendo complicado como escolha. Fico então com “The Wedding March”, de 1928, sobre o qual contei aqui a minha frustração de não o ter assistido inteiro restaurado no Telecine Cult, e cujo impressionante final (a única parte que vi na ocasião) ficou na minha memória por anos. O filme conta a história do Príncipe Nicki, vivido pelo próprio Stroheim, que é um nobre com pouco dinheiro e que é convencido a se casar com Cecelia, filha de um rico fazendeiro (o tema do nobre decadente que se casa com uma burguesa rica é tema de obras-primas como o romance “O Leopardo”, de Lampedusa, no qual foi baseado aliás um filme espetacular de Luchino Visconti). Nicki está noivo e de casamento marcado com Cecelia quando, numa parada militar, se apaixona por uma moça pobre, Mitzi, que também está prometida em casamento, nesse caso com um açougueiro grosseiro chamado Schani. Enfim, Mitzi e o Príncipe Nicki começam um relacionamento contra tudo e contra todos, e não vou contar mais para não estragar a surpresa – quem quiser assistir a essa obra-prima, pode assisti-la de graça no YouTube, aliás. “The Wedding March” tem as obsessões presentes em quase todas as obras de Stroheim, como o naturalismo exacerbado, a qualidade e o detalhismo dos cenários, a pulsão sexual, a descrição chocante – e mesmo divertida – de defeitos humanos como a ganância e a falta de escrúpulos. Mas, como diz Arthur Lenning em sua monumental biografia do diretor, o filme apresenta personagens ainda mais complexos e profundos que aqueles dos seus demais filmes, no que eu concordo com ele. “The Wedding March” teve uma continuação, chamada “The Honeymoon”, cuja última cópia se perdeu num incêndio na Cinemateca Francesa em 1957, e só podemos lamentar não podermos mais assisti-la. (fonte da foto: Wikipedia)
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Livros vencedores do Prêmio Jabuti de 2006
Literatura
Livros vencedores do Prêmio Jabuti de 2006
4 de julho de 2021 at 03:18 0
O Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro desde 1959, é o mais tradicional e importante prêmio literário do país. Os resultados do prêmio de 2006 foram anunciados recentemente, e alguns dos livros mais bem classificados em categorias importantes são comentados a seguir, e são ótimas dicas de leitura. Aclamado pela crítica com uma das melhores obras escritas no Brasil nos últimos anos, Cinzas do Norte, do amazonense Milton Hatoum (Companhia das Letras, 312 páginas), venceu o Prêmio Jabuti na categoria de melhor romance. O livro se passa na cidade e nos arredores de Manaus, a partir do final dos anos 50, e conta a história de um artista plástico fracassado, Mundo (apelido de Raimundo). O mote principal da obra é a relação de ódio entre ele e seu pai, Jano (apelido de Trajano) Mattoso, um fazendeiro riquíssimo que simplesmente não tolera a idéia de que o rapaz não herde a administração de seus negócios e que se envolva com arte. O romance é contado em primeira pessoa pelo melhor amigo de Mundo, Lavo, que é sobrinho de Ranulfo, um homem pouco afeito ao trabalho - e amante da mãe de Mundo, Alícia. Esta praticamente não suportava o marido e tentava - muitas vezes sem sucesso - defender o filho das violentas invectivas de seu pai, Jano. Para poder suportar o constante e profundo clima de ódio que existe na enorme casa - um verdadeiro palacete - Alícia se refugia no jogo, na bebida, e nas tórridas relações sexuais com Ranulfo. Um acontecimento de grande importância no desenvolvimento do romance  é o golpe militar de 64: ecos do autoritarismo vigente - por exemplo, surras dadas por militares contra os inimigos dos poderosos ou do regime - pipocam a todo momento no livro. Cinzas do Norte descreve a decadência patrimonial e familiar dos Mattoso. Ao mesmo tempo em que o ódio recíproco entre filho e pai vai aumentando e minando qualquer possibilidade de harmonia e de relacionamento (mesmo que somente respeitoso) entre eles, a juta - base da fortuna de Jano - vai perdendo valor no mercado internacional. A decadência é mostrada de maneira aguda e sem nenhuma condescendência por Milton Hatoum, que parece não ter piedade de seus personagens: à medida que a situação vai ficando mais e mais insustentável, o pai vai perdendo a saúde e o filho, a sanidade. Cinzas do Norte é poderoso, extremamente bem escrito, e conta com personagens inesquecíveis. É um livro inquietante que, além de mostrar como poucos a decadência moral de uma família, é o retrato de uma época turbulenta do país e de uma região. Também na categoria romance, ficaram empatados em segundo lugar Menino Oculto, de Godofredo de Oliveira Neto (Record, 222 páginas) e Meninos no Poder, do paranaense Domingos Pellegrini (Record, 288 páginas). Assim como em Cinzas do Norte, em Menino Oculto o personagem principal, chamado Aimoré Seixas, é um artista plástico. Só que, ao contrário do personagem Mundo do outro romance, que queria criar uma obra original, a principal atividade artística de Seixas é a falsificação de pinturas. O livro todo é uma entrevista gravada que alguém, que acabamos sem saber quem é, faz com o artista no intuito de saber onde estava um pedaço - o qual representava um menino - de uma obra que ele falsificou. Definitivamente não é nada fácil entrevistar Aimoré Seixas, e seu entrevistador se exaspera diversas vezes ao longo do romance. O artista, ao invés de dizer diretamente onde estava a tal pintura, fica se perdendo em reminiscências, que mostram uma personalidade próxima da esquizofrenia. Seixas comenta a respeito de diversos assassinatos que cometeu ao longo dos anos, obrigado por entidades espirituais que moram na baía de Babitonga, em Santa Catarina - o artista viveu em São Francisco do Sul e no Rio de Janeiro na maior parte de sua vida. Além disso, o falsificador também é obcecado em consultar Baltazar, um velho cego que vive na beira da baía e que fala em coisas como lobisomens e possessões demoníacas. Outro assunto recorrente de Seixas são suas peripécias sexuais com diversas amantes, principalmente com aquela que mais o obcecou, uma mulher chamada Ana. Mas nem só de esquisitices funciona a cabeça do falsificador: ele tem um vasto conhecimento de música popular e erudita contemporâneas, sabe diversos poemas e romances de cor e é professor de literatura. Com uma narrativa caótica e com um final próximo do thriller, Menino Oculto é um livro inquietante, que faz o leitor penetrar fundo na mente de um louco brilhante. Pode não ser para todos os gostos, mas certamente mereceu a segunda colocação no Jabuti. Se os dois livros citados anteriormente têm uma atmosfera pesada e sombria, o livro que ficou empatado com Menino Oculto em segundo lugar, Meninos no Poder, de Domingos Pellegrini, tem um clima bem mais leve. No romance, Caboré, um radialista de uma cidade brasileira que não é nomeada, recebe a visita de um tal Ari, um baixinho de personalidade inquieta e cheio de idéias originais a respeito de como deve ser gerida a administração da cidade. Para colocá-las em prática ele tenta convencer Caboré a se candidatar prefeito. O radialista reluta bastante em aceitar o convite, mas como as idéias do baixinho pareciam factíveis e, honestas e, principalmente, poderiam ajudar a vida do povo se postas em prática, ele acaba aceitando. E a campanha começa. Aos poucos Caboré vai percebendo que, por mais que pregasse princípios honestos e transparentes, Ari não agia  exatamente como um político diferente da maioria. A dúvida sobre o real caráter do baixinho perpassa a maior parte da obra - e é melhor não contar mais nada para não estragar a surpresa. Meninos no Poder é um livro ágil, bem escrito, com muitas reviravoltas e cheio de boas intenções - o que, no caso específico deste romance, é uma qualidade literária e não um defeito. Outra boa sugestão de leitura é o primeiro colocado na categoria "Biografia" do Prêmio Jabuti, Carmen, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 632 páginas). Detalhada biografia de Carmen Miranda, a mais famosa brasileira do século XX, o livro é escrito com o estilo envolvente do autor, que já escreveu, entre outras, ótimas biografias de Garrincha, Nelson Rodrigues e o já clássico Chega de Saudade, sobre a bossa nova. (texto publicado no suplemento dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006 - fonte da foto: Revista Veja)
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