Livros vencedores do Prêmio Jabuti de 2006
Literatura

Livros vencedores do Prêmio Jabuti de 2006

4 de julho de 2021 0

O Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro desde 1959, é o mais tradicional e importante prêmio literário do país. Os resultados do prêmio de 2006 foram anunciados recentemente, e alguns dos livros mais bem classificados em categorias importantes são comentados a seguir, e são ótimas dicas de leitura.

Aclamado pela crítica com uma das melhores obras escritas no Brasil nos últimos anos, Cinzas do Norte, do amazonense Milton Hatoum (Companhia das Letras, 312 páginas), venceu o Prêmio Jabuti na categoria de melhor romance. O livro se passa na cidade e nos arredores de Manaus, a partir do final dos anos 50, e conta a história de um artista plástico fracassado, Mundo (apelido de Raimundo). O mote principal da obra é a relação de ódio entre ele e seu pai, Jano (apelido de Trajano) Mattoso, um fazendeiro riquíssimo que simplesmente não tolera a idéia de que o rapaz não herde a administração de seus negócios e que se envolva com arte. O romance é contado em primeira pessoa pelo melhor amigo de Mundo, Lavo, que é sobrinho de Ranulfo, um homem pouco afeito ao trabalho – e amante da mãe de Mundo, Alícia. Esta praticamente não suportava o marido e tentava – muitas vezes sem sucesso – defender o filho das violentas invectivas de seu pai, Jano. Para poder suportar o constante e profundo clima de ódio que existe na enorme casa – um verdadeiro palacete – Alícia se refugia no jogo, na bebida, e nas tórridas relações sexuais com Ranulfo. Um acontecimento de grande importância no desenvolvimento do romance  é o golpe militar de 64: ecos do autoritarismo vigente – por exemplo, surras dadas por militares contra os inimigos dos poderosos ou do regime – pipocam a todo momento no livro.

Cinzas do Norte descreve a decadência patrimonial e familiar dos Mattoso. Ao mesmo tempo em que o ódio recíproco entre filho e pai vai aumentando e minando qualquer possibilidade de harmonia e de relacionamento (mesmo que somente respeitoso) entre eles, a juta – base da fortuna de Jano – vai perdendo valor no mercado internacional. A decadência é mostrada de maneira aguda e sem nenhuma condescendência por Milton Hatoum, que parece não ter piedade de seus personagens: à medida que a situação vai ficando mais e mais insustentável, o pai vai perdendo a saúde e o filho, a sanidade.

Cinzas do Norte é poderoso, extremamente bem escrito, e conta com personagens inesquecíveis. É um livro inquietante que, além de mostrar como poucos a decadência moral de uma família, é o retrato de uma época turbulenta do país e de uma região.

Também na categoria romance, ficaram empatados em segundo lugar Menino Oculto, de Godofredo de Oliveira Neto (Record, 222 páginas) e Meninos no Poder, do paranaense Domingos Pellegrini (Record, 288 páginas).

Assim como em Cinzas do Norte, em Menino Oculto o personagem principal, chamado Aimoré Seixas, é um artista plástico. Só que, ao contrário do personagem Mundo do outro romance, que queria criar uma obra original, a principal atividade artística de Seixas é a falsificação de pinturas. O livro todo é uma entrevista gravada que alguém, que acabamos sem saber quem é, faz com o artista no intuito de saber onde estava um pedaço – o qual representava um menino – de uma obra que ele falsificou.

Definitivamente não é nada fácil entrevistar Aimoré Seixas, e seu entrevistador se exaspera diversas vezes ao longo do romance. O artista, ao invés de dizer diretamente onde estava a tal pintura, fica se perdendo em reminiscências, que mostram uma personalidade próxima da esquizofrenia.

Seixas comenta a respeito de diversos assassinatos que cometeu ao longo dos anos, obrigado por entidades espirituais que moram na baía de Babitonga, em Santa Catarina – o artista viveu em São Francisco do Sul e no Rio de Janeiro na maior parte de sua vida. Além disso, o falsificador também é obcecado em consultar Baltazar, um velho cego que vive na beira da baía e que fala em coisas como lobisomens e possessões demoníacas. Outro assunto recorrente de Seixas são suas peripécias sexuais com diversas amantes, principalmente com aquela que mais o obcecou, uma mulher chamada Ana. Mas nem só de esquisitices funciona a cabeça do falsificador: ele tem um vasto conhecimento de música popular e erudita contemporâneas, sabe diversos poemas e romances de cor e é professor de literatura.

Com uma narrativa caótica e com um final próximo do thriller, Menino Oculto é um livro inquietante, que faz o leitor penetrar fundo na mente de um louco brilhante. Pode não ser para todos os gostos, mas certamente mereceu a segunda colocação no Jabuti.

Se os dois livros citados anteriormente têm uma atmosfera pesada e sombria, o livro que ficou empatado com Menino Oculto em segundo lugar, Meninos no Poder, de Domingos Pellegrini, tem um clima bem mais leve. No romance, Caboré, um radialista de uma cidade brasileira que não é nomeada, recebe a visita de um tal Ari, um baixinho de personalidade inquieta e cheio de idéias originais a respeito de como deve ser gerida a administração da cidade. Para colocá-las em prática ele tenta convencer Caboré a se candidatar prefeito. O radialista reluta bastante em aceitar o convite, mas como as idéias do baixinho pareciam factíveis e, honestas e, principalmente, poderiam ajudar a vida do povo se postas em prática, ele acaba aceitando. E a campanha começa.

Aos poucos Caboré vai percebendo que, por mais que pregasse princípios honestos e transparentes, Ari não agia  exatamente como um político diferente da maioria. A dúvida sobre o real caráter do baixinho perpassa a maior parte da obra – e é melhor não contar mais nada para não estragar a surpresa.

Meninos no Poder é um livro ágil, bem escrito, com muitas reviravoltas e cheio de boas intenções – o que, no caso específico deste romance, é uma qualidade literária e não um defeito.

Outra boa sugestão de leitura é o primeiro colocado na categoria “Biografia” do Prêmio Jabuti, Carmen, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 632 páginas). Detalhada biografia de Carmen Miranda, a mais famosa brasileira do século XX, o livro é escrito com o estilo envolvente do autor, que já escreveu, entre outras, ótimas biografias de Garrincha, Nelson Rodrigues e o já clássico Chega de Saudade, sobre a bossa nova.

(texto publicado no suplemento dominical do jornal O Estado do Paraná em 2006 – fonte da foto: Revista Veja)

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