Já achei que o melhor show a que assisti na vida foi o de
Morrissey, em 2000. Depois mudei de ideia e passei a achar que o de
Ariana Grande tinha superado o do cantor inglês. Finalmente, tinha chegado à conclusão de que o melhor show da minha vida foi o do
Amenra, pouco antes do lockdown da pandemia em 2020.
Mas, pensando bem, a maior experiência musical que já tive foi em uma noite de flamenco em Madri, em 1982.
Tínhamos ido, só eu e minha mãe, para um mês de excursão de ônibus pela Europa com outros brasileiros e um guia português, e passamos por quase uma dezena de países. Em Madri, minha mãe resolveu que não éramos turistas como os outros e, para provar isso, deixamos de assistir ao show de flamenco que o restante da excursão iria. Ela perguntou a um motorista de táxi que tínhamos tomado durante a tarde qual era um lugar com shows de flamenco "de verdad" — ou alguma outra expressão em portunhol que ela inventou na hora. O taxista escreveu num papelzinho: "Café Chinitas". Era lá que assistiríamos, à noite, a um verdadeiro show de flamenco, e não àquela bobagem diluída a que os demais participantes da excursão iriam!
Sei lá como foi o show dos outros turistas. O nosso foi, literalmente, inesquecível.
Eram vários homens e mulheres com roupas mais ou menos típicas de ciganos, todos sentados em semicírculo. De vez em quando, alguns deles vinham ao centro para dançar, às vezes em casal, às vezes uma mulher sozinha.
O flamenco é uma música tensa, a dança com sapateado é forte e hipnotizante. As palmas são uma espécie de instrumento percussivo, e o violão é tocado de maneira extremamente virtuosa (eu tinha aulas de violão na época, o que deixou tudo ainda mais intenso), elementos que tornam tudo mais intenso — e lindo. O estilo tem pilares fundamentais: o
cante, executado pelo cantaor; o
toque, executado pelo tocaor; o
baile, sob responsabilidade do bailaor; e o
compás, o ritmo, que pode ser muito complexo.
No Café Chinitas, não era servido nada que não fosse a
sangría, um coquetel com uma base de vinho. Nunca fui fã de bebidas alcoólicas, e com quatorze anos eu mal devia saber o gosto daquilo! Mas a tal da sangría era realmente deliciosa. Se o álcool me fez gostar ainda mais do espetáculo, é uma questão em aberto — mas, como sou fã do estilo até hoje e sou abstêmio, imagino que a influência deva ter sido pequena.
Voltei da Europa tentando achar alguma coisa de flamenco para ouvir e só consegui duas faixas de um LP com várias músicas espanholas, a maioria de touradas. Mais tarde, descobri que o maior cantaor da história — em uma rara unanimidade no campo artístico — se chamava
Camarón de La Isla, e o cara era espetacular mesmo, tendo inclusive gravado vários discos com o grande violonista
Paco de Lucía. Apesar de ele ser relativamente pouco conhecido por aqui, a nossa grande Cássia Eller
cantava algumas músicas dele.
Acho que só o
blues rural, como música antiga e "de raiz", me emociona tanto quanto o flamenco. E hoje amo ver alguns vídeos, como
este com a cantaora
Antonia "La Negra" e com Camarón de La Isla ao toque (!), que me lembram perfeitamente a maior experiência musical da minha vida.
E, claro, tudo isso me faz recordar, com saudade, da minha mãe.
***
Quem estiver interessado em receber este e outros textos meus semanalmente, clique
aqui e cadastre seu e-mail.
Imagem que acompanha o texto obtida no site
Fandom.