Duas noites no Teatro Guaíra
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Duas noites no Teatro Guaíra

17 de julho de 2017 0

Estou escrevendo um romance que se passa em Curitiba nos anos 50-60. Li alguns livros sobre a época e alguma literatura daqueles tempos – principalmente Nelson Rodrigues e Dalton Trevisan. O curitibano é um de meus autores preferidos, mas fico meio dividido quanto a Nelson Rodrigues: li as crônicas de “A vida como ela é”, comecei, mas não consegui terminar, o folhetim “O meu destino é pecar” – que ele assinava com o pseudônimo de Suzana Flag – e algumas crônicas esportivas. Tudo me pareceu muito exagerado, sem sutileza, carregado nas tintas.

Mas ele é conhecido como um grande dramaturgo, e comecei a achar que era injusto falar mal de Nelson Rodrigues sem conhecer seu teatro: assim, quase que de uma sentada, li recentemente as peças “A mulher sem pecado”, “Vestido de noiva” e “Valsa n. 6”. A minha preferida, por ser a de linguagem mais direta, foi “A mulher sem pecado”, que conta a história de um aleijado com ciúme doentio da mulher. O monólogo de uma menina falecida, “Valsa n. 6”, é interessante, mas mais parece bom do que é na realidade. Com toda a sofisticação da montagem – palco em três planos: “alucinação”, “memória” e “realidade” -, “Vestido de Noiva” me pareceu uma peça interessante para ser assistida, mas nem tão profunda assim em termos psicológicos – e olha que o exemplar em que a li é o das “peças psicológicas” do dramaturgo.

Estava nessa quando vi o anúncio da apresentação de “Dorotéia”, considerada por Ruy Castro a obra-prima de Nelson Rodrigues, aqui em Curitiba. Não tive dúvidas: comprei os ingressos e assisti à peça na sexta-feira passada (14/7/2017), no Guairinha – não ia lá desde a minha infância, e achei interessante como ele realmente parece o Guairão em miniatura. A peça conta a história de três primas, velhas, de uma família em que as mulheres têm “náusea” na noite de núpcias – que faz com que elas fiquem totalmente castas e não consigam mais ter qualquer tipo de contato com homens dali em diante. Dorotéia é uma outra prima que não teve a “náusea”, mas que quer passar a ser casta como o restante das mulheres da família. Em estilo metafórico e impressionante, a peça é um ensaio profundo e avassalador sobre a repressão sexual. A montagem – que reforça a ligação da repressão com o catolicismo, presente de maneira mais sutil no texto de Nelson Rodrigues – é deslumbrante, assim como o desempenho de Letícia Spiller (Dorotéia) e de Rosamaria Murtinho (Dona Flávia, a líder das primas).

Realmente, parece mesmo que Nelson Rodrigues é melhor ao vivo.

Domingo passado (16/7/2007) fui com a Teresa e a Valéria no show do Criolo, desta vez no Guairão. Originário do rap, ele arriscou e fez um disco somente com sambas, chamado “Espiral de Ilusão” – e, no show, totalmente baseado neste disco, não constou um só rap que fosse. Ele estava tão à vontade no palco, e seus sambas são tão autênticos, que era até engraçado ouvi-lo falar – e ele fala muito durante o show – sobre sua carreira como rapper: alguém que não conhecesse a carreira “paralela” dele jamais imaginaria que aquele sambista de primeira não tenha sido sambista a vida toda! Inesquecível.

 

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