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Livros que minha mãe amava: 7. “A história secreta”, de Donna Tartt
Literatura
Livros que minha mãe amava: 7. “A história secreta”, de Donna Tartt
27 de abril de 2024 at 12:18 0
Eu já comentei aqui e aqui sobre o quanto gosto de "A história secreta", de Donna Tartt (Companhia das Letras, tradução de Celso Nogueira, 557 páginas, publicado originalmente em 1992), e que ele tinha sido me apresentado pela minha mãe. Acho que ela estava no escritório, lá em cima, e me mostrou o livro, dizendo que era muito bom. Amei o romance, me esqueci dele e resolvi relê-lo, anos depois. Eu o pedi para a minha mãe, sofremos um pouco, mas acabamos achando o exemplar - que reli e amei de novo. Quando resolvi fazer um texto sobre "livros para reler", acabei chegando à conclusão de que este era um dos poucos romances que tenho vontade de reler sempre. Sei lá onde está aquele exemplar que minha mãe me emprestou. Comprei outra edição, cuja foto acompanha este texto, com uma capa diferente da primeira. E reli o romance, agora pela terceira vez. Engraçado, nesta nova leitura, é que o que eu mais lembrava do romance era uma ocorrência trágica e de fundo espiritual que realmente vira a cabeça de todos de cabeça para baixo - mas, sei lá por quê, eu achava que ele ocorria no final do livro: na verdade, a tragédia ocorre aí pela metade. O fato é que este acontecimento era sobre o qual a minha mãe mais comentava quando falava do romance, e deve ser por isso que eu me lembrava tanto dele. E, quem sabe, a lembrança dela me ajude a gostar tanto de "A história secreta", de Donna Tartt.
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Livros que minha mãe amava: 6. “Memorial de Aires”, de Machado de Assis
Literatura
Livros que minha mãe amava: 6. “Memorial de Aires”, de Machado de Assis
21 de abril de 2024 at 13:07 0
Comentei aqui que minha mãe amava Machado de Assis como, provavelmente, nenhum outro autor. Contei também que eu não tinha gostado muito de uma nova leitura de "Dom Casmurro", provavelmente por saudade dela. Resolvi tirar a cisma e li (pela segunda) "Memorial de Aires", o último romance escrito pelo Bruxo do Cosme Velho. No romance, contado em primeira pessoa pelo Conselheiro Aires, diplomata aposentado, um casal idoso, de sobrenome Aguiar, não pôde ter filhos, mas praticamente ajudou a criar Fidélia, filha de um fazendeiro e agora viúva, e o advogado Tristão, que estava em Portugal e voltou para a cidade onde toda a ação de passa, o Rio de Janeiro. Ao contrário de Dom Casmurro, amei "Memorial de Aires". No dizer de Barreto Filho, que faz a introdução dos romances de Machado de Assis na edição das obras completas do autor da Nova Aguilar Editora, sobre a qual eu tinha comentado anteriormente e cuja foto ilustra este texto, comenta:
"O escritor está trabalhando com uma mão leve, que não conhece mais a ênfase nem a inflação sentimental. Quando o marido declara que os dois possuíam o único e grande ressentimento de não terem filhos, o Conselheiro censura no seu diário semelhante ênfase, e o melhor elogio que tem para Dona Carmo é declarar: 'é das poucas pessoas a quem nunca ouvi dizer que são doidas por morangos, nem que morrem por ouvir Mozart. Nela a intensidade parece estar mais no sentimento que na expressão'. Isso nos dá uma amostra das exigências de sobriedade a que ele tinha chegado, e que ele próprio praticava, exemplarmente, não somente como homem mas nos seus livros e em particular no Memorial, onde não se encontra nenhuma situação, nenhum sentimento, nenhuma reflexão sublinhada além de sua medida. O seu espírito chegou aqui a um estado de apuro em que imita ou se confunde com a sabedoria popular. A sua palavra sobre cada coisa vem repassada daquela simplicidade e concisão de que é feito o ditado, a expressão ao mesmo tempo única e geral. O Memorial está cheio dessas delícias, e as próprias construções castiças respiram essa linguagem arcaica que o povo muitas vezes conserva, e esse modo meio jocoso e sério de apreciar as coisas que é o patrimônio do senso comum. (...) O seu sistema de ideias constitui um patrimônio comum, que se comunica a todos, produzindo-se a surpresa de um encontro entre o grande trabalho de erudição e de cultura e o insondável sentimento da comunidade. Eis por que a sua influência é cada vez mais ampla e profunda. Memorial é melancólico, mas é um depoimento em favor da vida."
Minha mãe falava pouco deste livro, mas o que importa? O fato é que a releitura me deu saudades dela. Ainda mais hoje, no dia do aniversário de seu falecimento.
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Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
Literatura
Livros que minha mãe amava: 4. “Dom Casmurro”, de Machado de Assis
21 de fevereiro de 2024 at 12:12 0
Lembro como se fosse hoje. Minha mãe trabalhava na firma do meu pai, e um dia eu estava na sala dela. Tinha uma prateleira com poucos livros e, no meio destes, havia três livros grossos, belíssimos, em papel-bíblia, mas que não eram a Bíblia. Era uma edição das “Obras Completas de Machado de Assis”, da Companhia José Aguilar, de 1971. Não lembro que ano era, estávamos no final dos anos 1970 ou início dos anos 1980. Peguei os livros e comecei a folheá-los, simplesmente inebriado. Nunca tinha visto edições tão lindas como aquelas. Perguntei para minha mãe de quem eram aqueles livros. “São teus”, ela respondeu. A alegria que me invadiu naquele momento é difícil de ser definida, até hoje. Li grande parte dos romances de Machado de Assis naquela edição, no primeiro volume, muitos deles mais de duas vezes. Também li a maioria dos contos, no segundo volume, e algumas peças e poesias, no terceiro. Nunca li as crônicas, que formam boa parte do terceiro volume, mas lê-las é um projeto que carrego comigo até hoje. Minha mãe amava Machado de Assis como, acho, não amou nenhum outro autor, brasileiro ou estrangeiro. Ela fazia uma citação, que nem ela lembrava de quem era, que dizia que “as casas de Machado não têm quintais” – uma referência às poucas descrições de lugares e paisagens no autor, ao contrário do que acontecia com outro grande escritor do tempo do Império, José de Alencar. Ela sempre contava que tinha chorado quando, ainda jovem, acabou de ler o último livro de Machado, pois não teria mais nada novo dele para ler. Lamentava que ele escrevesse em português, e que fosse pouco conhecido fora do país, e ficou muito feliz quando lhe contei que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era um dos livros preferidos de Woody Allen. Às vezes, ela me perguntava: Capitu traiu ou não? E achava estranho que eu lhe dizia que preferia Lima Barreto a Machado de Assis. Para esta série “livros que minha mãe amava” resolvi reler (pela segunda ou terceira vez) “Dom Casmurro”. Tinha gostado muito de mais uma releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em 2016, conforme conto aqui. Mas com Dom Casmurro a situação foi bem diferente. Desde a primeira vez que o li, a parte que eu mais tinha gostado era a sensibilidade com que era contado o início do namoro entre Bentinho e Capitu. Desta vez, ao contrário, o final do romance estava muito na minha cabeça – são tantos os debates sobre a suposta, ou não, traição da personagem principal do romance que, para mim, era inevitável pensar no que aconteceria páginas adiante. Achei, enfim, um livro amargo, pesado, que não me deu nenhuma alegria ao lê-lo. Ou, quem sabe, seja só saudade da minha mãe. Mas ela não me deixaria terminar este texto sem responder a esta questão, a mais famosa da literatura brasileira: Capitu traiu Bentinho ou não? Para mim ela traiu sim, mãe, e acho que você concorda comigo.
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Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
Literatura
Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
14 de janeiro de 2024 at 19:46 0
Minha mãe amava Philip Roth. Sempre repetia que adorava suas histórias de “homens judeus” - que muitas muitas vezes também são escritores. Durante um bom tempo, foi o escritor preferido dela ao lado de John Updike - e os dois realmente têm muito em comum: estilo límpido, histórias com personagens da classe média americana do tempo em que eles viviam (principalmente as últimas décadas do século XX), linguagem crua. Philip Roth (1930-2018), conforme comentado acima, concentrava suas histórias em homens judeus seculares, enquanto as famílias descritas por John Updike (1932-2019) eram normalmente protestantes. Os dois, aliás, eram figurinhas carimbadas nas colunas do famoso jornalista Paulo Francis. Os dois lançaram em um período muito curto dois grandes romances: Philip Roth com “Pastoral Americana”, de 1997, e John Updike com “Na beleza dos lírios”, de 1996. São muitos pontos em comum entre as duas obras-primas, conforme comentado neste texto de Arthur Nestrovski para a Folha de São Paulo. Na época eu e minha mãe lemos ambos os romances: eu preferi o de Updike – mais espiritualizado, sob o meu ponto de vista da época, quando estava começando acreditar em Deus -, e minha mãe preferiu o de Philip Roth. Provavelmente, se eu relesse os dois livros hoje, iria concordar com a opinião da minha mãe. Junto com Thomas Mann e Honoré de Balzac, Philip Roth foi um dos três escritores que eu simplesmente decidi parar de ler lá pelas tantas, conforme comentei aqui, em 2015; mas neste texto, de setembro de 2023, eu escrevi que já tinha mudado de ideia. De fato, no meio do ano passado eu tinha lido “Lição de Anatomia”, o terceiro romance constante da edição “Zuckerman Acorrentado”, da Companhia das Letras, que apresenta “três romances e um epílogo” nos quais o personagem principal é Nathan Zuckerman - escritor judeu, alter ego de Philip Roth. Eu tinha lido os dois primeiros romances da trilogia, “O escritor fantasma” e “Zuckerman Libertado” ainda antes de eu ter escrito aquele texto de 2015 citado acima, e lembro de poucos detalhes dos livros. Amei “Lição de Anatomia”! Parecia que eu precisava mesmo ler alguma coisa de Philip Roth depois de tantos anos. Nathan Zuckerman, no romance, continua fazendo um sucesso gigante como escritor, ao mesmo tempo em que tem ódio de alguns desafetos no meio literário e sofre com dores excruciantes nas costas. Consegue algumas fãs para fazer massagens, trabalhar como secretárias e fazer sexo com ele – que, muitas vezes, mal consegue se mover devido ao estado de sua coluna. Sim, o romance provavelmente seria cancelado se tivesse sido escrito nos dias de hoje, por excesso de machismo. Mexendo nos livros da minha mãe, descobri uma edição de “Diário de uma Ilusão”, apresentado na foto que acompanha este texto ao lado da minha edição de “Zuckerman Acorrentado”: na verdade, este romance é o mesmo citado acima com o nome de “O Escritor Fantasma”, na edição da Companhia das Letras. Minha mãe com certeza leu “Diário de uma Ilusão”, devido ao estado do livro, e provavelmente também leu “Lição de Anatomia” – lembro vagamente de ter visto um exemplar do romance com ela na minha adolescência, mas não tenho certeza. De todo modo, mesmo se ela não o leu, certamente o teria amado se tivesse lido!
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Livros que minha mãe amava: 2. “Atos de Amor”, de Elia Kazan
Literatura
Livros que minha mãe amava: 2. “Atos de Amor”, de Elia Kazan
24 de dezembro de 2023 at 18:43 0
Minha mãe adorava James Dean. Desde criança ela me falava deste ator que morreu muito jovem, num acidente, e que tinha trabalhado em apenas três filmes: “Juventude Transviada”, “Vidas Amargas” e “Assim Caminha a Humanidade”. Uma história que ela adorava contar era sobre uma amiga que dizia que ‘Giant” (o nome original do filme) significava, em inglês, “assim caminha a humanidade”, e que minha mãe discordava dela. Uma das hipóteses que eu tenho sobre o motivo de ela ter comprado não uma, mas duas, edições de “Atos de Amor”, de Elia Kazan (lançado originalmente em 1978), é que o autor era também diretor do já citado “Vigas Amargas” - cujo título original é “East of Eden” (“a leste do Éden”), e é baseado num romance de John Steinbeck do mesmo nome. Um dos grandes diretores de Hollywood, o greco-americano Elia Kazan revelou não só James Dean como também Marlon Brando, que ele dirigiu em clássicos como “Sindicato de Ladrões” e “Uma Rua Chamada Pecado”. A literatura apareceu na vida de Elia Kazan (1909-2003) no final da sua vida, quem sabe por causa dos seus problemas por ter sido delator na época do macarthismo, mas só estou especulando. Falemos agora sobre as edições do livro que minha mãe comprou: uma delas é da Editora Abril, lançada em 1984 e que eu li ainda na década de 1980, e a outra do Círculo do Livro, sem data de lançamento. O texto das edições é o mesmo, e o tradutor é Ruy Jungmann, para edição original de “Atos de Amor”, da Editora Record. As gerações mais novas talvez não a conheçam bem, mas a Editora Abril era a maior difusora de alta cultura em bancas que este país já teve, e minha relação com ela talvez valha um texto à parte neste blog. Já o Círculo do Livro era uma espécie de Amazon dos anos 80: o assinante recebia uma revista com seus lançamentos, e o leitor escolhia o que queria. As edições da editora – que normalmente lançava sucessos e clássicos com alguma defasagem temporal em relação aos lançamentos originais – eram sempre em capa dura, com um capricho muito acima da média: até hoje amo ler livros lançados pelo Círculo do Livro. O romance, de cerca de 450 páginas, cuja história se passa toda nos Estados Unidos, conta a história de Ethel Laffrey, uma linda filha adotiva de um casal milionário e disfuncional, e do seu casamento com Teddy, um filho de gregos, Costa e Noola Avaliotis. Ethel é promíscua sexualmente, mas quer de alguma maneira agir de acordo com as rígidas regras de comportamento do sogro – e isso é só o começo da confusão. É fácil resenhar “Atos de Amor”, e este texto do New York Times descreve bem a obra: excelentes diálogos, mas dois personagens principais – Ethel e Costa – que não despertam nenhuma empatia, são irritantes e têm comportamentos difíceis de justificar. Eu mesmo gostei muito do livro na adolescência, mas lembro de pouca coisa da leitura daquela época; a releitura (na edição do Círculo do Livro) foi decepcionante, por mais que seja um livro, na maior parte do tempo, que prende bastante a atenção. “Atos de Amor”, de Elia Kazan, deve ter feito muito sucesso: a edição da Abril é da coleção “Grandes Sucessos – Série Ouro”, e raramente o Círculo do Livro lançava um livro da época que não vendesse bastante em sua edição original. Hoje, porém, ele parece completamente esquecido: levando-se em conta o site da Amazon, não há nenhuma edição recente, nem em português, nem em inglês. Não faço ideia do que minha mãe achava do romance. Provavelmente ela já tinha a edição do Círculo do Livro e comprou a edição da Abril na praia para passar o tempo, como ela fazia com muitos outros livros – eu mesmo li aquela edição em Caiobá. Mas, a conhecendo bem, duvido que ela gostasse do desejo de Ethel Laffrey de agradar um sujeito machista e insuportável como o sogro Costa Avaliotis. Não é à toa que o livro está esquecido hoje: este aspecto do comportamento da personagem de “Atos de Amor” está completamente datado.
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Livros que minha mãe amava: 1. “O filho eterno”, de Cristóvão Tezza
Literatura
Livros que minha mãe amava: 1. “O filho eterno”, de Cristóvão Tezza
3 de dezembro de 2023 at 16:40 0
Gosto de ler basicamente por causa da minha mãe. Foi ela que sempre me incentivou à leitura, e passamos boa parte da vida trocando indicações sobre livros. Na adolescência, em geral, eu não gostava muito das obras que ela me recomendava, e o inverso quase sempre também era verdadeiro. Só com a idade adulta comecei a curtir os livros que ela me indicava, quando comecei a entender as questões levantadas por escritores que ela amava, como John Updike e Philip Roth. Falecida há pouco mais de seis meses, uma das maneiras de me lembrar dela – sempre uma lembrança doce, principalmente, no meu caso, quando se trata de livros – tem sido ler (ou reler) livros que ela gostava e descobrir o que acho sobre eles, agora. Pretendo que esta série “Livros que minha mãe amava”, que começo agora no meu blog, demore bastante, e que eu consiga inserir muitos textos nela. Não sei se lembro de um número muito grande de comentários dela sobre o que ela lia, mas os livros da minha mãe – os que eu não roubei com o passar dos anos – estão na casa do meu pai, passo horas vendo aquele grande número de prateleiras abarrotadas e é inevitável eu me lembrar de uma coisa aqui e outra ali. Se eu não me lembrar de nada, o estado do livro pode me indicar se ela o leu ou não! O primeiro livro da série “Livros que minha mãe amava” é “O filho eterno” (Record, 224 páginas, lançado originalmente em 2007), sucesso extraordinário do escritor catarinense, que vive em Curitiba desde criança, Cristovão Tezza. O romance, de autoficção, conta a história do próprio autor com os problemas gerados pelo nascimento de um filho com síndrome de Down.  Passando ao largo da pieguice, Cristovão Tezza, com uma técnica literária impecável – a narração vai e volta ao passado de maneira suave, acessível e, muitas vezes, emocionante –, conta o quanto se sentia mal em ter um filho com uma condição especial. O interessante é que o autor não poupa os leitores nem de sua postura pouco recomendável em relação ao filho, nem das suas duvidosas decisões pessoais e profissionais. O romance é uma pequena obra-prima, que fez por merecer o imenso sucesso a que chegou – a ponto de ter tido um filme, lançado em 2016 e com Marcos Veras e Débora Fallabella nos papéis principais, baseado nele. No final da sua vida minha mãe sempre citava este livro, e me contava a cena final do filme (a que não assisti, aliás) e sua diferença em relação ao que acontecia no romance original.
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Três romances para reler
Literatura
Três romances para reler
10 de setembro de 2023 at 22:19 0
É meio que um mistério isso. Só costumo reler ficção quando não lembro nada do livro – normalmente no caso de obras que li muito novo, e quando algo me diz que não custaria nada ter uma ideia do que eu tinha lido. Entre os muitos autores de livros relidos nesta categoria eu posso citar Kafka, Faulkner, Jorge Luis Borges, Machado de Assis, Lampedusa, Homero e Virginia Woolf; e normalmente a releitura é prazerosa. Outro caso são os livros de alguns autores que “deixo fazer parte do passado da minha memória”, conforme eu tinha comentado aqui, como Thomas Mann, Honoré de Balzac e Philip Roth (se bem que já mudei de ideia quanto a este último). Situação semelhante é de “Em busca do tempo perdido”, da Marcel Proust, que me deixou completamente alucinado quando o li no final dos anos 1980; cheguei a reler os dois primeiros da série, mas não me vejo mais retomando Proust no futuro. Outros casos específicos são a Bíblia e o Alcorão: estou sempre lendo um pedacinho destas obras sagradas, não é como se eu tivesse necessidade de tomar a iniciativa de relê-los. E, se eu fosse apontar hoje quais os romances que mais gostei até hoje, eu apontaria “As irmãs Makioka”, de Junichiro Tanizaki, e “2666”, de Roberto Bolaño: mas me aprofundei tanto na leitura deles que não vejo muita necessidade de uma releitura. Finalmente, vamos então aos livros da minha pequena lista de três romances que, misteriosamente, sempre quero reler e que sei que ainda vou reler muitas vezes ainda (clicando no nome dos romances abaixo tem outros detalhes sobre os livros, que eu tinha comentado anteriormente neste site), começando por um que só li duas vezes: “A história secreta”, de Donna Tartt. Nunca tinha ouvido falar deste livro e um belo dia minha mãe me mostrou, dizendo que tinha comprado pouco tempo antes e que o tinha amado. Resolvi ler, e nunca esqueci a história maluca de uns estudantes universitários americanos de literatura clássica grega que bebiam sem parar. Na primeira releitura, o romance me pareceu melhor ainda. Conforme comentei aqui, é impressionante como odiei “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto, na primeira leitura. Depois que descobri que muito do que ele escrevia era irônico, resolvi reler o romance e ele me pareceu melhor que nunca. Sempre lembro da cena em que o narrador – baseado no próprio Lima Barreto – descobre o preconceito, numa estação de trem, contra a pele negra dele. O melhor livro da literatura brasileira, e não admito que ninguém tenha uma opinião contrária (brincadeira, admito sim, só não concordo). Só não sei se o li três ou quatro vezes, mas isso não importa, né. Finalmente, “A Cartucha de Parma”, de Stendhal. Lembro como fosse hoje quando comprei uma linda pequena edição em francês deste clássico em papel-bíblia, num sebo. Carrego esse livro sempre comigo, e já li o romance quatro vezes no total, tanto em francês quanto em português. É engraçado que meu nome é baseado do personagem Fabrizio de Salina, de um romance de Lampedusa chamado “O Leopardo”: um bom livro, mas que nem se compara com “A Cartucha de Parma”, cujo personagem principal é outro xará meu: Fabricio del Dongo é um sujeito apaixonante e amalucado, meu personagem preferido na história da literatura. Minha mãe, mesmo por vias meio tortas, me batizou muito bem.
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Minha mãe e Rita Lee
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Minha mãe e Rita Lee
9 de maio de 2023 at 17:37 0
Não gostava muito das músicas da Rita Lee. Conheci algumas coisas do começo da carreira solo dela que são maravilhosas, mas nunca ouvi muito. Conheci alguma coisa dos Mutantes também, gostava, mas não muito. A fase de grande sucesso dela nos anos 80 nunca me pegou. De todo modo, para mim o melhor dueto da história da MPB é quando ela cantou “Jou Jou Balangandans” num show com João Gilberto, que dá para ver no YouTube e faz parte do álbum “João Gilberto Prado Pereira de Oliveira”, do meu cantor brasileiro preferido. Mas nem é especificamente por causa dela que estou escrevendo isso. Minha mãe morreu dia 21 de abril, há quase três semanas: não escrevi nada sobre ela, não consegui. Agora, com a morte da Rita Lee, entendo por que: eu acho que, para todo o mundo entender como era minha mãe, é só pensar na Rita Lee: irreverente, alegre, polêmica, que viveu uma vida completa e que marcou demais na sua passagem pela Terra. Só que, ao contrário da Rita Lee, minha mãe não usava drogas. Quando via as fotos da cantora no final da vida me lembrava imediatamente da expressão da minha mãe, que se encontrava também no estágio final da doença: as duas tinham olhares que transcendiam, mais próximos da outra dimensão do que desta. Enfim, estou escrevendo isso porque sei que minha mãe já recebeu sua alma gêmea do outro lado. Imagina o deboche e a confusão!
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