Comentei aqui que minha mãe amava Machado de Assis como, provavelmente, nenhum outro autor. Contei também que eu não tinha gostado muito de uma nova leitura de “Dom Casmurro”, provavelmente por saudade dela.
Resolvi tirar a cisma e li (pela segunda) “Memorial de Aires”, o último romance escrito pelo Bruxo do Cosme Velho.
No romance, contado em primeira pessoa pelo Conselheiro Aires, diplomata aposentado, um casal idoso, de sobrenome Aguiar, não pôde ter filhos, mas praticamente ajudou a criar Fidélia, filha de um fazendeiro e agora viúva, e o advogado Tristão, que estava em Portugal e voltou para a cidade onde toda a ação de passa, o Rio de Janeiro.
Ao contrário de Dom Casmurro, amei “Memorial de Aires”. No dizer de Barreto Filho, que faz a introdução dos romances de Machado de Assis na edição das obras completas do autor da Nova Aguilar Editora, sobre a qual eu tinha comentado anteriormente e cuja foto ilustra este texto, comenta:
“O escritor está trabalhando com uma mão leve, que não conhece mais a ênfase nem a inflação sentimental. Quando o marido declara que os dois possuíam o único e grande ressentimento de não terem filhos, o Conselheiro censura no seu diário semelhante ênfase, e o melhor elogio que tem para Dona Carmo é declarar: ‘é das poucas pessoas a quem nunca ouvi dizer que são doidas por morangos, nem que morrem por ouvir Mozart. Nela a intensidade parece estar mais no sentimento que na expressão’. Isso nos dá uma amostra das exigências de sobriedade a que ele tinha chegado, e que ele próprio praticava, exemplarmente, não somente como homem mas nos seus livros e em particular no Memorial, onde não se encontra nenhuma situação, nenhum sentimento, nenhuma reflexão sublinhada além de sua medida.
O seu espírito chegou aqui a um estado de apuro em que imita ou se confunde com a sabedoria popular. A sua palavra sobre cada coisa vem repassada daquela simplicidade e concisão de que é feito o ditado, a expressão ao mesmo tempo única e geral. O Memorial está cheio dessas delícias, e as próprias construções castiças respiram essa linguagem arcaica que o povo muitas vezes conserva, e esse modo meio jocoso e sério de apreciar as coisas que é o patrimônio do senso comum. (…) O seu sistema de ideias constitui um patrimônio comum, que se comunica a todos, produzindo-se a surpresa de um encontro entre o grande trabalho de erudição e de cultura e o insondável sentimento da comunidade. Eis por que a sua influência é cada vez mais ampla e profunda.
Memorial é melancólico, mas é um depoimento em favor da vida.”
Minha mãe falava pouco deste livro, mas o que importa?
O fato é que a releitura me deu saudades dela.
Ainda mais hoje, no dia do aniversário de seu falecimento.
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