setembro 2020

“Tudo pode ser roubado”, de Giovana Madalosso
Literatura
“Tudo pode ser roubado”, de Giovana Madalosso
27 de setembro de 2020 at 18:51 0
Como o próprio nome indica, Giovana Madalosso faz parte da família proprietária do excelente e tradicional restaurante aqui da capital paranaense. Mas ela não quis saber de panelas e polentas, conforme o texto publicado na Gazeta do Povo por Reinaldo Bessa em 6/10/2016. Formada em jornalismo pela UFPR, ela mora há muitos anos em São Paulo e já publicou três livros de ficção, sendo este “Tudo pode ser roubado” (Todavia, 192 páginas, lançado originalmente em 2018) seu primeiro romance. O livro conta, em primeira pessoa, a história de uma garçonete que atende num restaurante chique na Avenida Paulista, e que se aproveita de sua beleza física para levar pessoas para a cama (mais homens, mas também mulheres) e roubar coisas delas. Aliás, não só de quem faz sexo a garçonete (apelidada de “Rabudinha”) rouba: ela pode furtar objetos numa reunião social, por exemplo. Boa parte do que ela vai catando aqui e ali ela vende num brechó chique no bairro paulistano de Pinheiros cuja dona é uma transexual chamada Tiana. A narrativa de “Tudo pode ser roubado” é circular: a garçonete rouba alguma coisa, vende e rouba de novo. Mesmo o grande roubo no qual ela se mete – de uma obra rara do romancista José de Alencar – segue mais ou menos essa lógica - só que mais elaborada neste caso. O final da história também não apresenta grandes surpresas. De todo modo, “Tudo pode ser roubado” é extremamente bem escrito e agradável de ler. (fonte da foto: Folha de São Paulo)
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Obra Literária
Contracapa de “Rua Paraíba”, meu próximo livro
20 de setembro de 2020 at 21:39 0

Formado por três livros (“Rua Paraíba”, “Memórias” e “Energia”) escritos entre 2016 e 2019, “Rua Paraíba” conta histórias pessoais, histórias profissionais e comentários do autor a respeito de assuntos como religião, economia, política e música pop.

Cada uma das três obras tem um foco e um estilo diferentes: “Rua Paraíba” conta sobre o início da vida de casado do autor e seu trabalho como hidrólogo; “Memórias” é composto por recordações e comentários curtos; finalmente, “Energia” é um livro sobre o início da vida profissional do autor como especialista em estudos energéticos de usinas hidráulicas, função que ele exerce até hoje.

De todo modo, uma característica permeia todo o volume: a passagem de um assunto para outro de maneira mais ou menos aleatória – mas num todo que, espera-se, faça sentido.

Enfim: quanto ao estilo, na falta de um termo melhor, “Rua Paraíba” é uma espécie de ensaio autobiográfico.

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Literatura
“Zonas húmidas”, de Charlotte Roche
13 de setembro de 2020 at 16:26 0
Charlotte Roche - Wikipédia

O título do presente texto é “Zonas húmidas”, e não isto é um erro de digitação. A edição que li deste romance da alemã Charlotte Roche é de Portugal (CADERNO, 222 páginas, tradução de João Bouza da Costa), e lá “úmido” se escreve com “h” mesmo. Como o livro é permeado de gírias, é ao mesmo tempo engraçado e angustiante para um brasileiro ler vários termos um tanto difíceis de compreender. 

Publicado originalmente em 2008, o livro - muito bem escrito, aliás - conta a história de Helen, uma adolescente que está no hospital por causa de uma crise de hemorróidas. Enquanto está lá, sofrendo com dores, ela descreve e analisa seu dia-a-dia no hospital e comenta sua vida até então.

Helen é obcecada por secreções corporais e por sexo, e critica a “mania de higiene” de outras mulheres - ela mesma não se preocupa, nem um pouco, com limpeza corporal. 

Segundo o site da Amazon, “os jornais relataram desmaios de ouvintes em leituras públicas” de “Zonas húmidas” - e até dá para entender um pouco isso, já que frequentemente o livro é nojento mesmo.

Mas o maior impacto do romance nem está na escatologia, mas na história da própria Helen - e é esse aspecto, que não posso contar para não estragar a surpresa, uma das coisas que fazem de “Zonas húmidas” um ótimo romance.

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Cinema
Bob le flambêur (Bob, o jogador), de Jean-Pierre Melville
6 de setembro de 2020 at 20:18 0

O gênero polar, às vezes chamado de noir francês, é um estilo que começou baseado no filme noir americano[1], e que continuou com grande sucesso até os anos 1980[2]. A Versátil Home Vídeo tem lançado caixas de DVDs de noir francês – já está no volume 5.

Já assisti a um número razoável de filmes deste estilo fascinante, e confesso que tive um motivo de estranhamento com o ator que faz o personagem principal de “Bob le flambêur” (Bob, o jogador), de Jean-Pierre Melville, lançado em 1956. Explico: muitos desses filmes têm atores que aparecem em mais de um deles – casos dos gigantes Jean Gabin e Alain Delon (que coestrelam o sensacional “Gângsteres de casaca”, de 1953, inclusive). Já Roger Duchesne é o ator principal deste “Bob le flambêur”, e é tão expressivo que está na capa do volume 2 da série da Versátil, conforme se pode verificar na foto que acompanha este texto. Depois de assistir ao filme, estranhei mais ainda ele não estrelar outros filmes do gênero, já que a atuação dele também é impressionante. “Bob le flambêur” conta a história de um gângster decadente com pouco mais de cinquenta anos que quer encerrar sua carreira no crime com um assalto espetacular – uma temática semelhante a de outros filmes da época, inclusive.

A resposta está nos extras da coleção da Versátil, num documentário chamado apropriadamente “Diário de um vilão”, de Dominique Maillet. Nele, o roteirista e escritor Thierry Crifo resume a vida de Roger Duchesne – cujo nome verdadeiro era Roger André Charles Jordens -, que faz o Bob do título do filme Jean-Pierre Melville. O ator nasceu em 1906 em Luxeuil-les-Bains em 1906 e faleceu em Mureaux no dia de Natal de 1996 – com noventa anos, portanto -, ou seja, “tanto no início quanto no fim da vida estava próximo de uma roleta”, no dizer de Thierry Crifo.

Depois da Segunda Guerra, Duchesne escreveu cinco romances policiais, mas não fez sucesso. Foi para o interior, então, trabalhar como mecânico – e é até lá que o diretor Jean-Pierre Melville vai para chamá-lo para estrelar “Bob le flambêur”. Por excesso de dívidas, os gângsteres da região do Pigalle, em Paris, não queriam deixar que Duchesne trabalhasse ali, e Melville teve que convencer os bandidos da região do contrário. O filme foi lançado em 1955, e em 1957 o ator trabalha novamente, em “Marchands de filles”, de Maurice Cloche – e é quando termina a carreira no cinema do ator, conhecido até hoje quase que exclusivamente por seu papel magnífico em “Bob le flambêur”.

Mas por que razão um ator deste nível terminou sua carreira cinematográfica cerca de quarenta anos antes de sua morte? A explicação é dada também por Thierry Crifo no documentário “Diário de um vilão”: durante a ocupação francesa, possivelmente por causa de dívidas de jogo, Duchesne foi um colaborador ativo da Carlingue, a Gestapo francesa – pode até ter torturado um membro da resistência. Entre 1933 e 1943 ele tinha participado de mais de trinta filmes, “com papéis secundários em filmes importantes, e papéis principais em filmes de menor orçamento”, ainda segundo Thierry Crifo. Depois da guerra, Duchesne ficou preso alguns meses por suas atividades de colaborador.

A maior ironia desta história trágica é que o diretor Jean-Pierre Melville, que deu o grande papel da vida de Roger Duchesne, era judeu.


[1] http://www.frenchfilms.org/best-policiers.html

[2] http://www.rueducine.com/cinema-policier-francais-de-1945-a-2015/

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