Jean-Pierre Melville

Os filmes a que mais gostei de ter assistido em 2020
Cinema
Os filmes a que mais gostei de ter assistido em 2020
23 de dezembro de 2020 at 21:19 0
Há alguns anos eu tinha decidido que iria praticamente parar de ver filmes para me dedicar mais à literatura - e isso mudou depois que comprei a primeira caixa de DVDs da Versátil, com seis filmes noir. Como se sabe, filmes noir são filmes policiais americanos lançados nas décadas de 1940 e 1950, com fotografia expressionista. O gênero polar, às vezes chamado de noir francês, é um estilo que começou baseado no similar americano e que continuou com grande sucesso até os anos 1980 – aliás, é interessante acrescentar que existem filmes polar coloridos, ao contrário dos noir americanos, sempre em preto e branco. A Versátil já lançou 17 caixas com seis filmes noir cada uma, e cinco outras com filmes polar. Segue abaixo a relação dos melhores filmes noir e polar a que assisti este ano. Alguns deles têm versões integrais no YouTube com legendas – quando é o caso, os links são acessados quando se clica no título do filme. A foto que acompanha este texto, com o cartaz de Moeda falsa, foi obtida na Wikipédia.
  1. Bob, o jogador (Bob, le flambeur, 1956, 103 min, França). De Jean-Pierre Melville, com Roger Duchesne, Isabelle Corey, Daniel Cauchy. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2.

Comentário: um dos meus filmes preferidos, sobre o qual já falei aqui.

  1. Moeda falsa (T-Men, 1947, 92 min, Estados Unidos). De Anthony Mann. Com Dennis O’Keefe, Wallace Ford, Alfred Ryder. Caixa da Versátil: Filme Noir 10.

Comentário: agentes do governo norte-americano caçam uma quadrilha de falsificadores de dinheiro. Grande filme de um dos maiores diretores americanos de todos os tempos.

  1. Os Corruptos (The Big Heat, 1953, 90 min, Estados Unidos). De Fritz Lang, com Glenn Ford, Gloria Grahame e Lee Marvin. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2.

Comentário: nunca esqueço do verbete da Enciclopédia Abril que dizia que os filmes americanos de Fritz Lang eram muito piores que os alemães, que tinham sido feitos na época do expressionismo. Este filme, que fala sobre corrupção na polícia, prova que a coisa não era bem assim.

  1. Um Preço para Cada Crime (The Enforcer, 1951, 86 min, Estados Unidos). De Raoul Walsh e Bretaigne Windust, com Humphrey Bogart e Zero Mostel. Caixa da Versátil: Filme Noir 2.

Comentário: o astro Humphrey Bogart está excelente no papel de um policial com dificuldade de que as suas testemunhas façam depoimentos contra um mafioso.

  1. Série negra (Série Noire, 1979, 115 min, França). De Alain Corneau, com Patrick Dewaere, Marie Trintignant. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês.

Comentário: filme estranho e violento sobre um vendedor casado que se apaixona por uma adolescente obrigada a se prostituir. O único filme colorido desta lista.

  1. Precipícios d’alma (Sudden Fear, 1952, 111 min, Estados Unidos). De David Miller, com Joan Crawford, Jack Palance, Gloria Grahame. Caixa da Versátil: Filme Noir 8.

Comentário: Joan Crawford está estupenda como uma dramaturga que entra num relacionamento amoroso perigoso. Eu sempre me lembro das cenas finais, impressionantes.

  1. Almas perversas (Scarlet Street, 1945, 102 min, Estados Unidos). De Fritz Lang, com Edward G. Robinson, Joan Bennett, Dan Duryea. Caixa da Versátil: Filme Noir 7.

Comentário: homem se apaixona por uma prostituta. De Fritz Lang com Edward G. Robinson, nem precisa falar mais nada.

  1. O invencível (Champion, 1949, 100 min, Estados Unidos). De Mark Robson, com Kirk Douglas, Arthur Kennedy, Marilyn Maxwell. Caixa da Versátil: Filme Noir 6.

Comentário: o primeiro grande papel de Kirk Douglas, que faz um boxeador inescrupuloso. Meu filme de boxe preferido.

  1. Rincão de tormentas (Brighton Rock, 1947, 93 min, Inglaterra). De John Boulting. Com Richard Attenborough, Hermione Baddeley, William Hartnell. Caixa da Versátil: Filme Noir 9.

Comentário: os fãs de Morrissey já ouviram falar sobre os gângsteres londrinos de segunda categoria Dallow, Spicer, Pinkie e Cubitt, que são os personagens principais deste grande filme, sobre o qual já comentei aqui.

  1. Gângsteres de casaca (Mélodie en sous-sol, 1963, 121 min, França). De Henri Verneuil, com Jean Gabin, Alain Delon, Claude Cerval. Caixa da Versátil: Filme Noir Francês 2.

Comentário: um velho criminoso quer assaltar um cassino em Cannes com a ajuda de um amigo mais novo. O ator que faz o assaltante idoso é Jean Gabin, e o que faz o jovem é Alain Delon, já basta.

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Cinema
Bob le flambêur (Bob, o jogador), de Jean-Pierre Melville
6 de setembro de 2020 at 20:18 0

O gênero polar, às vezes chamado de noir francês, é um estilo que começou baseado no filme noir americano[1], e que continuou com grande sucesso até os anos 1980[2]. A Versátil Home Vídeo tem lançado caixas de DVDs de noir francês – já está no volume 5.

Já assisti a um número razoável de filmes deste estilo fascinante, e confesso que tive um motivo de estranhamento com o ator que faz o personagem principal de “Bob le flambêur” (Bob, o jogador), de Jean-Pierre Melville, lançado em 1956. Explico: muitos desses filmes têm atores que aparecem em mais de um deles – casos dos gigantes Jean Gabin e Alain Delon (que coestrelam o sensacional “Gângsteres de casaca”, de 1953, inclusive). Já Roger Duchesne é o ator principal deste “Bob le flambêur”, e é tão expressivo que está na capa do volume 2 da série da Versátil, conforme se pode verificar na foto que acompanha este texto. Depois de assistir ao filme, estranhei mais ainda ele não estrelar outros filmes do gênero, já que a atuação dele também é impressionante. “Bob le flambêur” conta a história de um gângster decadente com pouco mais de cinquenta anos que quer encerrar sua carreira no crime com um assalto espetacular – uma temática semelhante a de outros filmes da época, inclusive.

A resposta está nos extras da coleção da Versátil, num documentário chamado apropriadamente “Diário de um vilão”, de Dominique Maillet. Nele, o roteirista e escritor Thierry Crifo resume a vida de Roger Duchesne – cujo nome verdadeiro era Roger André Charles Jordens -, que faz o Bob do título do filme Jean-Pierre Melville. O ator nasceu em 1906 em Luxeuil-les-Bains em 1906 e faleceu em Mureaux no dia de Natal de 1996 – com noventa anos, portanto -, ou seja, “tanto no início quanto no fim da vida estava próximo de uma roleta”, no dizer de Thierry Crifo.

Depois da Segunda Guerra, Duchesne escreveu cinco romances policiais, mas não fez sucesso. Foi para o interior, então, trabalhar como mecânico – e é até lá que o diretor Jean-Pierre Melville vai para chamá-lo para estrelar “Bob le flambêur”. Por excesso de dívidas, os gângsteres da região do Pigalle, em Paris, não queriam deixar que Duchesne trabalhasse ali, e Melville teve que convencer os bandidos da região do contrário. O filme foi lançado em 1955, e em 1957 o ator trabalha novamente, em “Marchands de filles”, de Maurice Cloche – e é quando termina a carreira no cinema do ator, conhecido até hoje quase que exclusivamente por seu papel magnífico em “Bob le flambêur”.

Mas por que razão um ator deste nível terminou sua carreira cinematográfica cerca de quarenta anos antes de sua morte? A explicação é dada também por Thierry Crifo no documentário “Diário de um vilão”: durante a ocupação francesa, possivelmente por causa de dívidas de jogo, Duchesne foi um colaborador ativo da Carlingue, a Gestapo francesa – pode até ter torturado um membro da resistência. Entre 1933 e 1943 ele tinha participado de mais de trinta filmes, “com papéis secundários em filmes importantes, e papéis principais em filmes de menor orçamento”, ainda segundo Thierry Crifo. Depois da guerra, Duchesne ficou preso alguns meses por suas atividades de colaborador.

A maior ironia desta história trágica é que o diretor Jean-Pierre Melville, que deu o grande papel da vida de Roger Duchesne, era judeu.


[1] http://www.frenchfilms.org/best-policiers.html

[2] http://www.rueducine.com/cinema-policier-francais-de-1945-a-2015/

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