Margaret Atwood

Livros lidos recentemente
Literatura
Livros lidos recentemente
20 de dezembro de 2022 at 15:08 0
“A viagem do elefante”, de José Saramago (Companhia das Letras, 264 páginas, publicado originalmente em 2008): a ida do elefante indiano Salomão de Belém (Lisboa) até à Áustria, mandado pelo Rei D. João III para ser o presente de casamento do arquiduque Maximiliano II, é o tema deste romance. Havia poucas informações reais sobre essa viagem, o que acabou ajudando o grande escritor português José Saramago (1922-2010), Nobel de Literatura de 1998, a fazer uma descrição fantasiosa, frequentemente engraçada, frequentemente lírica, desta estranha viagem ocorrida no século XV europeu. “O assassino cego”, Margaret Atwood (Rocco, 516 páginas, traduzido por Léa Viveiros de Castro, publicado originalmente em 2001): confesso que me confundi nas primeiras páginas deste romance que tem três narrativas paralelas: as recordações da octogenária Iris Chase Griffen, filha de um industrial falido; o romance fictício de grande sucesso “O assassino cego”, escrito por sua irmã Laura; e notícias de jornal do local e da época e em que grande parte dos acontecimentos descritos no livro ocorreu, a pequena cidade de Port Ticonderoga, no Canadá dos anos 30 do século XX. Bem, quando finalmente engrenei na leitura, descobri que “O assassino cego” é provavelmente o melhor romance de Margaret Atwood (1939- ) que já li. “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá”, de Lima Barreto (publicado originalmente em 1919): respeito quem pensa diferente, mas Lima Barreto é o maior escritor brasileiro. Neste romance publicado originalmente em 1919, o narrador, Augusto Machado, recorda diálogos que tinha tido com seu amigo e colega mais velho, Gonzaga de Sá, falecido logo no início da história. Como sempre em Lima Barreto (1881-1922), a descrição de tipos e da realidade carioca do começo do século XX é inesquecível. “Sátiras e outras subversões”, de Lima Barreto (Companhia das Letras, 552 páginas, coletânea organizada por Fernando Botelho Corrêa, publicada originalmente em 2016): para complementar a renda que recebia como amanuense, o grande escritor carioca publicava crônicas em diversos veículos de imprensa, muitas vezes com pseudônimo – e são esses textos anônimos que compõe a totalidade desta coletânea. A introdução do livro é primorosa, descrevendo todo o processo de procura por textos esquecidos em arquivos e as técnicas para descobrir a identidade escondida do autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma. Já as crônicas em si, frequentemente irônicas e debochadas, não sobreviveram ao teste do tempo: o leitor atual normalmente não sabe sobre quem Lima Barreto estava falando. (fonte da imagem: Revista Istoé)
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Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
Literatura
Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
16 de janeiro de 2022 at 19:52 0
  1. “Vulgo Grace”, de Margaret Atwood: a história de um assassinato real ocorrido no século XIX foi o ponto de partida para um livro fascinante, transformado numa série tão fascinante quanto.
  2. “O fim”, de Karl Ove Knausgård: o final da monumental série “Minha luta” mistura ensaios, principalmente sobre o nazismo, e problemas pessoais ligados ao sucesso de seus livros anteriores e ao casamento do autor.
  3. “Mundos paralelos – uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo”, de Michio Kaku: a estranha física moderna e valores humanos num livro afetivo e delicioso.
  4. “Os andarilhos do bem”, de Carlo Ginzburg: tudo é estranho neste livro de não-ficção que conta batalhas espirituais contra bruxas na Itália do século XVI.
  5. “O segundo tempo”, de Michel Laub: o narrador desta novela excelente não sabe se vai dar ou não uma notícia ruim a seu irmão mais novo durante um Grenal no estádio Beira Rio, em Porto Alegre.
  6. “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez: só Gabriel García Márquez para conseguir fazer o leitor sentir empatia por um caudilho sanguinário.
  7. “Rei, valete, dama”, de Vladimir Nabokov: já Nabokov não consegue fazer com que o leitor sinta empatia pelos personagens deste romance, mas ele escreve tão bem que isso pouco importa.
  8. “A leitora do Alcorão”, de G. Willow Wilson: autora de HQs, criadora da super-heroína Kamala Khan da Marvel, G. Willow Wilson emociona na descrição de sua conversão ao Islã.
  9. “Amiga de juventude”, de Alice Munro: as histórias da canadense, Nobel de 2012, são pérolas da literatura.
  10. “A gafieira de dois tostões”, de Georges Simenon: conforme o comentário do leitor Heitor Vieira de Resende no site da Amazon, “o pior livro de Simenon é ainda muito bom”. E este certamente não é o pior livro de Simenon.
(foto: Karl Ove Knausgard, obtida no Rascunho)
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“Alias Grace”, “Vulgo Grace”
Literatura, Séries
“Alias Grace”, “Vulgo Grace”
7 de fevereiro de 2021 at 19:45 0
É muito comum se ouvir que o “livro é sempre melhor que o filme”. Eu não compartilho dessa opinião, e quando a escuto normalmente cito o livro “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, para mim bastante inferior ao filme homônimo de Stanley Kubrick. Séries não são filmes, mas achei que seria divertido comparar a minissérie “Alias Grace” (Netflix, seis episódios de cerca de 45 minutos cada um) com o livro que lhe deu origem, traduzido no Brasil como “Vulgo Grace”, da escritora canadense Margaret Atwood (Rocco, 512 páginas, tradução de Geni Hirata). Na verdade, fiquei tão entusiasmado com a série que acabei lendo o livro logo que acabei de assisti-la. A história é baseada num fato real: Grace Marks, uma irlandesa vivendo no Canadá, é condenada à morte em 1843 junto com o cocheiro James McDermott pelo assassinato do patrão dos dois, o fazendeiro Thomas Kinnear, e de sua governanta, Nancy Montgomery. McDermott é efetivamente enforcado, mas Grace Marks tem sua pena comutada para prisão perpétua. Na história contada pelo livro e pela série um médico, Dr. Simon Jordan, é contratado pelo reverendo Verrenger (vivido pelo grande diretor David Cronenberg!), líder de um grupo que luta pela absolvição de Grace Marks, para conseguir elementos psicológicos para inocentá-la. Acho que não vale a pena contar muito mais a respeito da história para não estragar a surpresa. Vamos à comparação entre a série e o livro, então. Inicialmente, é interessante notar que a própria Margaret Atwood, assim como tinha feito na série “Handmaid’s Tale”, também baseada num romance seu, faz uma pequena ponta em “Alias Grace” – ela mesma, portanto, não parece muito incomodada em querer defender a superioridade do livro em relação à série, né? Brincadeiras à parte, tanto “Alias Grace” quanto “Vulgo Grace” são obras de extrema qualidade, e a série é muito fiel ao livro – embora este, como normalmente acontece, seja mais detalhado do que aquela. E eu me emocionei igualmente com o final da série e o do livro, por mais que, quando li “Vulgo Grace”, eu já soubesse o que me esperava. Enfim, se eu fosse escolher um dos dois, escolheria a série mesmo. Não por nada, mas Sarah Gadon, a atriz que faz Grace Marks e que está na imagem que acompanha este texto, atua de maneira tão espetacular que desempata esse jogo que teria tudo para terminar com placar igual para os dois lados!
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Livros lidos recentemente
Literatura
Livros lidos recentemente
10 de janeiro de 2021 at 18:39 0
  • “O olho”, de Vladimir Nabokov (Alfaguara, 86 páginas, tradução de José Rubens Siqueira, publicado originalmente em 1965): quarto romance de Nabokov, ainda em sua fase russa, o livro discorre sobre Smurov, jovem russo pobre vivendo no exílio em Berlim e que se suicida logo no início da história. Se no início temos o Nabokov brilhante de sempre, o final do romance deixa um pouco a desejar.
  • “Madame Oráculo”, de Margaret Atwood (Círculo do Livro, 325 páginas, tradução de Domingos Demasi, publicado originalmente em 1976): uma escritora de romances açucarados só pode receber uma herança se emagrecer. O terceiro romance da autora de “O conto da aia” começa brilhantemente, mas, assim como o livro citado acima, se perde um pouco no final.
  • “Amiga de juventude”, de Alice Munro (Biblioteca Azul, 259 páginas, tradução de Elton Mesquita, publicado originalmente em 1990): comentei recentemente o seguinte sobre “A fugitiva”, outro livro de contos da escritora Prêmio Nobel de 2013: “já dá para perceber que a canadense, única pessoa a receber o Nobel de Literatura tendo escrito somente contos na carreira, tem um estilo todo próprio: o negócio então, para mim, é continuar lendo suas ótimas histórias, mesmo que o maravilhamento tenha diminuído muito da leitura de ‘Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento’ para cá”. Pois é, o mesmo vale para este “Amiga de juventude”.
  • “Philosophy, Pussycats, & Porn”, de Stoya (Not a Cult, 148 páginas, publicado originalmente em 2018): nesta coletânea de textos já publicados anteriormente em diversas mídias, a famosa atriz pornô Stoya fala sobre relacionamentos sexuais, apresentações ao vivo, questões relacionadas a trabalhadores do sexo, viagens de trabalho e, como diz o título, filosofia e gatos. Ela escreve muito bem, e o livro é de leitura extremamente agradável.
  • “O segundo tempo”, de Michel Laub (Companhia das Letras, 112 páginas, publicado originalmente em 2006): o narrador desta novela não sabe se vai dar ou não uma notícia ruim a seu irmão mais novo durante um Grenal no estádio Beira Rio, em Porto Alegre. O livro é tão bom quanto “A maçã envenenada”, do mesmo autor, sobre o qual eu tinha comentado aqui.
  • “A gafieira de dois tostões”, de Georges Simenon (Companhia das Letras, 150 páginas, tradução de Eduardo Brandão, publicado originalmente em 1931): antes de ser executado, o condenado Jean Lenoir confessa ao comissário Maigret que foi testemunha de um crime seis anos antes. Conforme o comentário do leitor Heitor Vieira de Resende no site da Amazon, “o pior livro de Simenon é ainda muito bom”. E este certamente não é o pior livro de Simenon!
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Os livros que mais gostei de ter lido em 2020
História, Literatura
Os livros que mais gostei de ter lido em 2020
31 de dezembro de 2020 at 15:16 0
  1. “Gengis Khan e a formação do mundo moderno”, de Jack Weatherford: provavelmente você não sabia que o grande imperador mongol (1158 – 1227) tinha uma mentalidade tão à frente do seu tempo.
  2. “Não me abandone jamais”, de Kazuo Ishiguro: poucos livros me perturbaram tanto.
  3. “O império de Hitler”, de Mark Mazower: sempre tive curiosidade de saber como os nazistas se comportavam como colonizadores, coisa que este livro monumental explica.
  4. “A destruição dos judeus europeus”, de Raul Hilberg: outro livro monumental, sobre o Holocausto neste caso.
  5. “O mapa e o território”, de Michel Houellebecq: fico mais feliz lendo uns autores do que outros, e Michel Houellebecq é um dos que me dão mais alegria na leitura.
  6. “Os testamentos”, de Margaret Atwood: continuação de “O conto da Aia”, não preciso explicar mais.
  7. “As luas de Júpiter”, de Alice Munro: tem gente que reclama do Prêmio Nobel de Literatura por causa disso e daquilo, mas eu provavelmente não conheceria autoras como esta canadense se não fosse a Academia Sueca.
  8. “A época da inocência”, de Edith Wharton: um amor mal resolvido e os preconceitos e costumes dos ricos americanos do final do século XIX e início do século XX numa obra-prima.
  9. “O dom”, de Vladimir Nabokov: Nabokov é Nabokov, e pronto.
  10. Deus, essa gostosa, de Rafael Campos Rocha: uma história em quadrinhos que comprova que God is a woman, como diz a Ariana Grande, uma favorita aqui da casa.
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Literatura
Três livros escritos por mulheres
12 de abril de 2020 at 22:19 0
V.S.Naipaul

O Prêmio Nobel de Literatura de 2001, o trinitário-britânico de origem indiana V.S.Naipaul (de quem, aliás, li três ótimos livros, “Os mímicos”, “Uma casa para o sr. Biswas” e “Guerrilheiros”) causou polêmica em 2011 ao criticar a literatura feminina, devido à "sensibilidade e estreita visão de mundo das mulheres". Isso é uma bobagem tão grande que nem merece refutação.

Mas é outra afirmação do escritor, na mesma ocasião, que me faz citá-lo aqui: ele acrescentou ainda que lia uma obra e depois de dois parágrafos já sabia dizer se o livro tinha sido escrito por uma mulher ou não. Li recentemente três ótimos romances escritos por mulheres, e fico me perguntando se eu saberia se tinham sido escritos por membros do sexo feminino caso eu não soubesse o nome do autor(a).

Sou fascinado pela distopia da república fictícia de Gilead, criada pela escritora canadense Margaret Atwood no romance “O conto da Aia” e que é a origem da excepcional série “Handmaid’s Tale”, ambos já comentados por aqui. Em 2019 ela lançou uma continuação de sua saga, chamada “Os testamentos” (Rocco, 448 páginas, tradução de Simone Campos). O livro é contado, de forma alternada, por três personagens femininas, tanto a favor quanto contra a opressora República de Gilead. O livro é excelente e com conflitos muito bem resolvidos, mas eu esperava um pouco mais. Coisa de fã.

Já “Largo pétalo del mar”, da chilena Isabel Allende (Sudamericana, 2019 – já existe uma tradução brasileira, a cargo da Bertrand Brasil) é uma verdadeira epopeia. O romance contando a história do casal espanhol (um casal bem diferente, diga-se, mas prefiro não dar mais detalhes) Víctor e Roser Dalmau desde a fuga da Guerra Civil Espanhol até seu final da vida no Chile – passando por uma fuga deste país quando do golpe de estado do ditador Augusto Pinochet. O livro parece esbarrar na pieguice aqui e ali, e os personagens principais são inesquecíveis.

Finalmente, “A época da inocência”, escrita pela americana Edith Wharton em 1920 (Penguin-Companhia, 416 páginas, tradução de Hildegard Feist), conta a história de amor mal-resolvido entre o rico advogado Newland Archer e a condessa Olenska, prima de sua futura esposa May Welland. Os preconceitos e costumes dos ricos americanos entre final do sec. XIX e o início do sec. XX são descritos com precisão cirúrgica e desapiedada por esta extraordinária Edith Wharton. Uma obra-prima.

Voltando à pergunta inicial: eu saberia se algum dos livros foi escrito por mulher, caso eu não soubesse o nome das autoras? Com certeza não. V.S. Naipaul era um bobão mesmo.

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Literatura
Os livros que eu levaria para o exílio
8 de setembro de 2019 at 17:58 1
foto do autor

Se a polícia política chegasse aqui e eu fosse obrigado a me exilar, levando apenas doze livros de casa, eu acho que eu levaria esses:

- “Heavier than heaven – Mais pesado que o céu: Uma biografia de Kurt Cobain”, de Charles R. Cross (Globo Livros, 456 páginas): a biografia do líder do Nirvana (estou no meio da leitura), me lembraria de uma impressionante história do rock, assim como

- “Atravessar o fogo - 310 letras de Lou Reed” (Companhia das Letras, 792 páginas): uma edição com as letras do líder do Velvet Underground (no original e traduzidas para o português), algumas das quais citei no meu livro “Rua Paraíba”, ainda não publicado. Antes que me perguntem, não existe um livro semelhante com as letras do Morrissey aqui no Brasil;

- “En una noche escura - poesía completa y selección de prosa”, de San Juan de la Cruz (Penguin Clásicos, 560 páginas), que ainda não li, mas que serviria para eu treinar meu espanhol - além do que a poesia do santo carmelita é maravilhosa;

- “Alcorão Sagrado”: conheço outras versões do livro sagrado dos muçulmanos, mas nenhuma tão linda como a tradução de Samir El Hayek, publicada na coleção “Livros que mudaram o mundo”, da Folha de São Paulo. Além disso, a edição, com 700 páginas, tem mais de 2500 notas;

- “Bíblia Sagrada”, da NVI (Nova Versão Internacional – Editora Vida, 1640 páginas), com letra grande e linguagem bem mais acessível do que a maioria das que se encontram por aí;

- “Légendes de Catherine M.” (Denoël, 240 páginas), em que o marido de Catherine Millet – crítica de arte e autora do escandaloso e autobiográfico “A vida sexual de Catherine M.” – posta fotos da esposa, nua, e as comenta;

- “Machado de Assis – Obra Completa – Volume 1 – Romances” (Companhia Nova Aguilar, 1216 páginas): o bacana do mais importante escritor brasileiro é que ele faz comentários geniais em cada página - o que acaba incentivando bastante a releitura. Reler é útil num exílio, o que fez me lembrar também de

- “La Chartreuse de Parme”, de Stendhal (Éditions du milieu du monde, 676 páginas), provavelmente o único romance que li quatro vezes;

- “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood (Rocco, 368 páginas): preciso confessar que gostei mais da série “Handmaid’s Tale” do que do romance que lhe deu origem. Mas o mundo que a escritora canadense criou é assombroso e distópico – e são livros que eu teria que levar e não séries para TV, não é?

- “Oeuvres”, de Diderot (Bibliothèque de la Pléiade, 1448 páginas), edição que amo tanto que até já fiz um texto sobre ela no meu blog;

- “Poemas”, de Friederich Hölderlin (Companhia das Letras, 216 páginas): vou querer levar comigo o meu poema preferido, “Aos jovens poetas”:

“Irmãos! Talvez a nossa arte logo amadureça

Porque, como o jovem, de há muito fermenta para

Chegar logo à tranquila beleza;

Sede só piedosos, como o grego era!

Amai os deuses, pensai nos mortais com afeto!

Ebriez e frieza, lição e descrição: odiai-as

Todas e, se o mestre vos der medo,

Pedi conselho à grande Natureza.”

- “O verão de 54 (novelas)”, de Fabricio Muller (Appris, 222 páginas): ah, que se dane.

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História, Literatura
A relação entre a História (e a Sociologia) e a Literatura em três romances
27 de janeiro de 2019 at 21:01 0
o grande J.M.Coetzee - fonte: The Nation

Eu não lembro bem onde li que era possível aprender mais sobre a história do Segundo Império (1852-1870) com os romances de Honoré de Balzac (1799-1850) do que com livros de História. De fato, a relação entre a História (e a Sociologia) com a Literatura é um tema bastante rico, e é claro que aqueles voltados ao estudo das duas primeiras ciências humanas tendem a destacar, em algum romance, mais os seus aspectos históricos e sociológicos, enquanto que outros – entre os quais me incluo – estão mais interessados na sua relevância propriamente literária.

Lembrei bastante desses aspectos em três romances que li recentemente: “Nix” (2016), do americano Nathan Hill (Intrínseca, 672 páginas), “Oryx e Crake" (2003), da canadense Margaret Atwood (Rocco, 344 págs.) e “A Infância de Jesus” (2013), do sul-africano J.M. Coetzee (Companhia das Letras, 304 págs. – eu li na versão em espanhol, da Literatura Random House).

“Nix” conta a história de Samuel Anderson, um professor de literatura inglesa de cerca de 30 anos de idade que dá aulas numa universidade na região de Chicago, nos Estados Unidos, e que está viciado em um jogo on-line de computador chamado “World of Elfscape”. Sua mãe, Faye, que o tinha abandonado quando este era criança, aparece nos noticiários depois de jogar pedras num candidato ultraconservador, com riscos de cegá-lo. É quando – por motivos um tanto escusos – o filho vai procurar a mãe, depois de anos sem saber notícias dela. Este é o mote principal do longo romance de Nathan Hill, que tem um grande número de outros personagens e que passa por diversas fases da história americana – concentrando-se de maneira especial nas manifestações contra a Guerra do Vietnã em Chicago, em 1968, e no movimento “Occupy Wall Street”, de 2011. A vontade de marcar tanto a obra em termos históricos (com o objetivo de fazer “O Grande Romance Americano”?) e as idas e vindas da narrativa no tempo e no espaço irritam um pouco, mas os personagens criados por Hill são bem construídos e o livro prende a atenção em todas as suas muitas páginas.

Os personagens criados na distopia “Oryx e Crake” são ainda melhores que os de “Nix”: o livro de Margaret Atwood conta a história de um futuro em que ocorre uma grande catástrofe depois que cientistas começam a fazer modificações genéticas em grande escala nos animais e nos seres humanos, e o único sobrevivente do homem conforme conhecemos (há também alguns seres humanoides, criados por manipulação genética) em uma grande região litorânea é um homem que agora tem o apelido de “Homem das Neves”. A ligação com a Sociologia e a História no caso de “Oryx e Crake” é, conforme comentou Bernardo Carvalho na Folha de São Paulo em 3 de abril de 2004, está em que “o discurso de Atwood representa uma preocupação que está no ar hoje (entre ecologistas e ambientalistas sobretudo). É um discurso com mensagens um tanto óbvias, embora não menos pertinentes, que fala de um desdobramento possível: as experiências dos homens com a natureza podem sair do controle e acabar destruindo os próprios homens e o mundo em que vivem.” Conforme complementa Bernardo Carvalho, este é “o ponto mais fraco” do livro, “como se o texto não passasse de um meio para a transmissão das ideias da autora”. A literatura é muito mais que simples transmissão de ideias e, por sorte, “Oryx e Crake” é tão criativo, delirante e bem escrito que o romance é, sim, grande literatura – independentemente das ideias que defende.

Finalmente, “A Infância de Jesus” também uma espécie de distopia, na qual os personagens vão morar numa ilha onde perdem as lembranças de tudo o que ocorreu em sua vida antes da chegada por lá. No local todos vivem em paz e harmonia o tempo todo, ninguém quer ganhar mais do que o mínimo necessário para uma sobrevivência digna, e o sexo tem importância secundária. O recém-chegado Simón é um dos únicos que acham esta “vida nova” muito chata - e tem grandes dificuldades para se adaptar a ela. Ele também leva um garoto, chamado David, para tentar encontrar a sua mãe: Simón não lembra quem ela é, mas acha que vai encontrá-la – e a encontra (ou acha que encontra) em Inés, uma mulher solteira e rica, que, depois de uma estranheza inicial, acaba adotando o garoto. David, que tinha um bom comportamento enquanto vivia com Simón, passa a ter todos os sintomas de alguém muito mimado: mesmo sem saber ler nem fazer contas, não quer aprender porque acha que “já sabe”. Não se adapta na escola, tem dificuldades de concentração, e Inés apoia o garoto em tudo.

E, bem, não dá para entender o que o grande J.M. Coetzee (Prêmio Nobel de 2003) quis dizer com esta história, que continua em “A vida escolar de Jesus”, que ainda não li. David tem alguma coisa a ver com Jesus Cristo? O que exatamente ele tentou mostrar com a ilha distópica do romance, onde as pessoas se esquecem do seu passado? Por que David e Inés são tão irritantes? (E por que, algum engraçadinho poderia perguntar, este livro está sendo comentado aqui?)

“A infância de Jesus” – muito bem escrito, como sempre em se tratando de J.M. Coetzee – é um dos livros mais estranhos que já li.

Vejamos se na sua continuação a coisa passa a fazer algum sentido.

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