Música

Quem é vivo sempre aparece: 2.“In Washington D.C. 1956 Volume Four”, de Lester Young
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Quem é vivo sempre aparece: 2.“In Washington D.C. 1956 Volume Four”, de Lester Young
17 de março de 2024 at 17:44 0
Grande parte das pessoas, depois de uma certa idade, continua a ouvir apenas as músicas e/ou músicos que gostava na juventude. Já ouvi um podcaster famoso contando que continuava ouvindo sons do passado porque eles lhe lembravam de sua juventude - e acho que é assim com muita gente. Comigo, ao contrário, praticamente nunca é assim. Se volto a ouvir algo que eu gostava quando era mais jovem, julgo este som como se eu o estivesse ouvindo pela primeira vez: se continuo achando bom, ótimo; se mudei de ideia e não acho mais, lamento. Como raras exceções a este comportamento não-saudosista, lembro de um momento, alguns poucos anos atrás, em que ouvi “Standing on a Beach”, da banda inglesa The Cure, e ter me sentido de novo no Cursinho, na Rua Vicente Machado, aqui em Curitiba, onde estudei em 1986. O texto de hoje desta série “Quem é vivo sempre aparece”, onde comento músicas que não ouvia há muito tempo e que voltei a escutar e gostar, é sobre o disco “In Washington D.C. 1956 Volume Four”, do saxofonista americano Lester Young (1909-1959), que tenho ouvido bastante nos últimos tempos - mas não sei se é por causa de saudosismo ou não. Por muito tempo tentei gostar de jazz, mas isto é assunto para o episódio desta série que tratará de Modern Jazz Quartet. De todo modo, um dos discos que comprei no estilo, na adolescência, foi este “In Washington D.C. 1956 Volume Four”, e nunca vou ter ideia de quantas dezenas – ou centenas – de vezes ouvi o LP. Eu só sabia que, se colocasse o disco na vitrola, eu não pensaria em trocá-lo tão cedo. E lamentava que só tinha conseguido o Vol. 4 da série. Já casado comprei alguns CDs de Lester Young, mas eram sempre versões de “melhores músicas da carreira” que tinham coisas de orquestra, coisas com vocal, e quase nada que se aproximasse da sensação de prazer que “In Washington D.C. 1956 Volume Four” me dava. Até que, com o advento do Spotify, resolvi um belo dia ouvir os três primeiros volumes da série do grande saxofonista, precursor do bebop, tocando na capital dos Estados Unidos (eu não tinha ideia de quantos discos havia na série, mas eram só quatro mesmo). E aí veio a decepção. Os volumes 1 a 3 estão, obviamente, longe de ser ruins. Mas não me passavam a emoção que “In Washington D.C. 1956 Volume Four” me passa, até hoje. Saudosismo? Quem sabe.
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Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
Música
Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
3 de março de 2024 at 15:35 0
Vendo aqui a relação das coisas que tenho ouvido ultimamente, além dos preferidos de sempre da casa (a pianista Hélène Grimaud, Bones, Elvis Presley, Arctic Monkeys, Bach), percebi que boa parte são músicas que eu já tinha deixado de lado há anos, às vezes décadas, e sobre as quais nunca comentei aqui. Pensei então em criar uma nova série no site sobre estes sons retomados depois de muito tempo, nos moldes daquela sobre os livros que minha mãe amava. Só que o título da série não vinha nunca. “Das profundezas da memória”? “Inéditos no site”? “Deixados de lado, mas nunca esquecidos”? Todos eles me pareceram meio pedantes, meio autoindulgentes. “Quem é vivo sempre aparece”, por outro lado, apesar de ser falso em muitos casos (Lester Young, por exemplo, o próximo da lista, já é falecido), é engraçadinho, com o tipo de humor infame que me agrada sobremaneira. O primeiro da lista desta nova série, a banda americana Hüsker Dü, é um dos mais difíceis de comentar, por um motivo que logo conto. A banda existiu entre 1979 e 1987 e era do estado americano do Minnesota. Segundo o AllMusic, o grupo foi um “trio punk influente de Minneapolis que conciliava habilmente a introspecção barulhenta de Bob Mold com o romantismo pop mordaz de Grant Hart”. Como muita coisa nos anos 1980, comprei os dois álbuns da banda lançados por aqui (“Candy Apple Grey” e “Warehouse: Songs and Stories”, duplo) por influência da revista Bizz, e várias coisas me chamaram a atenção neles. Praticamente todas as músicas eram assinadas e interpretadas ou pelo baterista Grant Hart (falecido em 2017) ou pelo guitarrista Bob Mould - já o baixista Greg Norton, que postava um bigode completamente fora de moda para a época, nem compunha nem cantava. As capas eram lindas e coloridas (é só ver a imagem que acompanha este texto, de “Warehouse: Songs and Stories”, obtida no site da Amazon), e mesmo a foto da banda no encarte, com colunas e flores, era bem diferente do visual do rock da época. Mas o que sempre mais me marcou na banda, e que torna este texto meio difícil de escrever, era sua irregularidade - pelo menos para meus ouvidos: ou as músicas eram absolutamente irritantes, gritadas e apenas barulhentas, ou conseguiam fazer uma síntese maravilhosa entre belíssimas melodias e um punk/hardcore pesado. Ouvindo a banda hoje, infelizmente as músicas irritantes continuam irritantes. A categoria de músicas perfeitas, por outro lado - da qual fazem parte, por exemplo, “Eiffel Tower High” ou “Ice Cold Ice” - me emocionava nos anos 1980, e me emociona igualmente em 2024.  
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Visitas ao passado
História, Música
Visitas ao passado
29 de outubro de 2023 at 14:37 0
Acho que a maioria das pessoas que gosta de História já se imaginou voltando no tempo e vivendo, por pouco tempo que seja, na sua época preferida do passado. Sim, já imaginei como seria visitar Roma no tempo de Nero, a Itália no ápice do período etrusco (século VI a.C.), o Peru no auge do império pré-Inca Wari (século VIII d.C.), ou o Brasil no tempo do Segundo Império. Seria fascinante visitar Pikillacta, monumental cidade wari que nem se sabe direito para que servia. Ver as construções etruscas no seu auge, que foram em grande parte destruídas porque eram construídas em madeira – o que restou delas foram os túmulos, em parte subterrâneos e em concreto. Quem já viu fotos de Pompeia tem ideia de como deviam ser monumentais as construções romanas do período clássico. O que restou do Segundo Império, infelizmente, está mal preservado em grande parte. Mas é claro que estas épocas podem ser perigosas: não se sabe direito como os wari viviam, os etruscos pareciam gostar de se divertir, mas vai saber, no Segundo Império a escravidão comia solta e os tempos de Nero eram tempos de Nero, não precisa ir muito longe. Acho que o período que mais me daria grande prazer na visita, por um motivo específico, seria o início do século XX no sul dos Estados Unidos. Sim, eu gostaria de ver os grandes bluesmen daquela época ao vivo. Já comentei aqui sobre a minha fascinação com o country blues, ou blues rural. As gravações daquela época normalmente têm uma péssima qualidade para os padrões de hoje, e os grandes músicos têm pouquíssimas fotos, sempre de baixa qualidade – estávamos no início do século XX, não custa reforçar. Então eu fico imaginando como seria ver Robert Johnson tocando ao vivo. Como ele fazia aquelas coisas inacreditáveis com o violão? Será que Blind Willie Johnson era tão arrogante como suas gravações maravilhosas deixam transparecer? Será que Blind Boy Fuller era mesmo muito debochado? E Blind Willie Johnson era tão religioso e sofrido quando parecia? E como seria ver a grande Bessie Smith num teatro de luxo em meados dos anos 1920? Como era o jeitão de Blind Blake? Nunca vou saber, mas não custa imaginar. (foto que acompanha o texto: Bessie Smith, obtida na Wikipédia)
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Cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 de bach
Música
Cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 de bach
20 de agosto de 2023 at 18:01 0
Você lembra das comunidades do Orkut? Eu acho que só criei uma, sobre Cantatas de Bach. A frase de apresentação era meio pomposa, no esquema de “o melhor acervo da história da música universal”, ou coisa que o valha. A comunidade nunca fez muito sucesso, mas quando do fim daquela rede social ela já tinha de uns trinta a quarenta membros. Muito antes da internet foi que comprei o primeiro LP com cantatas de Johann Sebastian Bach (1685-1750), ainda no início da adolescência. Ele era um assombro, com “Meine Seufzer, meine Tränen” (BWV 13) de um lado e “Wo gehest du hin?” (BWV 166) (muitos anos depois, já casado, comprei uma caixa com cinco CDs com “as melhores cantatas de Bach” e dentro dela estas duas cantatas estavam num disco chamado “cantatas para tenor”). Aquele LP não me parecia deste planeta, e as árias principais das duas cantatas eram provavelmente as coisas mais bonitas que eu já tinha ouvido até então. Depois disso, durante muitos anos basicamente comprei todos os LPs com cantatas de Bach que passaram na minha frente; mas quem viveu os anos 80 sabe como era difícil conseguir “certos” discos - e os de cantatas eram bem difíceis de achar, de modo que nem eram tantos discos assim. E Bach compôs mais de 200 cantatas, o que me dava, o que é compreensível, a frustração de saber que tinha tanta música maravilhosa por aí que eu não tinha acesso. Bach foi, durante grande parte da minha vida, meu compositor preferido (hoje eu não sei quem é... Brahms, quem sabe?), e eu amava tudo o que eu ouvia dele, mas as cantatas conseguiam ser algo melhor ainda. Anos mais tarde li um livro de Franz Rueb chamado “48 variações sobre Bach” (Companhia das Letras, traduzido por João Azenha Jr., 376 páginas) que, entre muitas outras informações, também defende a ideia de que a grande arte composta por Bach estava mesmo era nas cantatas. Aí é que a porca torce o rabo. Se o melhor de Bach está nas cantatas, o pior também. Certos corais e árias são muito alegres, até com uns tambores de fundo. Chato demais. Mozart era brilhante em músicas alegres, Bach bem menos. Outro problema das cantatas é que as partes lindas são intensas demais, e nem sempre estou com espírito de me aprofundar tanto em termos musicais. E assim fui ouvindo muito menos cantatas do que gostaria: e se uma, encontrada por acaso no Spotify, tivesse mais partes chatas do que lindas? Valeria a pena a procura? Boa parte do tempo, minha preguiça de procurar alguma ária maravilhosa ganhava esta “luta” interna, e eu deixava tudo como estava. Enfim, uns meses atrás achei um lançamento no Spotify com as cantatas 39, 73, 93, 105, 107 & 131 (link) – originalmente é um CD duplo da Virgin Veritas – com o Collegium Vocale, Ghent regido por Philippe Herreweghe, e neste não tem uma só faixa que não seja espetacular. Quando o escuto, parece que estou novamente ouvindo o primeiro disco com cantatas de Bach que ouvi na vida.
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Duetos com cantores e cantoras
Música
Duetos com cantores e cantoras
13 de agosto de 2023 at 20:01 0
Às vezes existe um charme especial num dueto entre uma cantora e um cantor. Estava pensando em alguns casos aqui, e cito os cinco que eu mais gostei até hoje – e o bom é que todos têm videoclipe, cujos links para o YouTube são apresentados no texto abaixo. Na verdade, só pensei neste texto por causa de dois vídeos maravilhosos do cantor australiano Nick Cave: “Henry Lee”, com a britânica P.J Harvey, e “Where The Wild Roses Grow”, com a também australiana Kylie Minogue. A primeira é famosa no meio da música alternativa (ou indie), e a segunda faz um grande sucesso no meio pop (é a maior vendedora de discos na história da Austrália) – a ponto de terem estranhado como o também alternativo Nick Cave a tenha escolhido para um dueto. Nos clipes, enquanto PJ Harvey troca carinhos com o cantor – os dois vestidos com roupas masculinas a rigor -, Kylie Minogue faz o papel, em boa parte do tempo, de um cadáver na beira do rio. De todo modo, as duas canções são baladas lentas e meio parecidas, com lindas melodias. Quase não consigo assistir a um destes dois vídeos sem assistir ao outro em seguida. Neste Dia dos Pais, cito um dueto que me foi apresentado por minha filha Teresa: “The Water”, com os britânicos Johnny Flynn e Laura Marling. Nenhum dos dois cantores faz grande sucesso por aqui, e Johnny atualmente se concentra mais na carreira de ator. É engraçado que esta linda balada, como “Where The Wild Roses Grow”, citada acima, também fala de um rio. No clipe os dois cantores fazem um duo acústico, acompanhado apenas pelo violão do cantor, num belo e arborizado jardim. Existe uma versão desta música no Spotify com mais instrumentos no arranjo, mas, vai por mim, neste caso a perfeição está na simplicidade. Comentei aqui no site que minha mãe era alma gêmea da Rita Lee, uma cantora que nunca me agradou muito, mas que, para mim, fez o melhor dueto da música brasileira: “Jou Jou Balangandans”, com o meu cantor brasileiro preferido, João Gilberto. O clipe, gravado num teatro num especial da Globo de 1980, é lindo não só pela delicadeza da interpretação dos dois, mas também pelo contraste entre uma Rita Lee feliz e comportada e um João Gilberto que está com a sua expressão de louquinho de sempre. Finalmente, “999”, cantada em espanhol por Selena Gomez e o colombiano Camilo tem um refrão grudento, um ritmo latino levemente dançante, uma letra delicada e um clipe com cores exageradas e artificiais. Eu não podia falar em duetos com cantores e cantoras juntos sem citar Selena Gomez, né? (imagem que acompanha o texto: Nick Cave e PJ Harvey no clipe de “Henry Lee”)
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O Rei do Rock
Música
O Rei do Rock
28 de junho de 2023 at 19:26 0
Lembro como se fosse hoje. Meados dos anos 1990, e o David Bowie iria fazer um show em Curitiba em sua fase eletrônica – eu acabei não indo, não lembro bem por quê. No dia do show, depois do almoço, no escritório da empresa em que eu trabalhava, um amigo me contou que viu a entrevista do Bowie num canal local de televisão. Segundo ele, quando perguntado qual seria o repertório do show, o grande cantor inglês respondeu: “só Elvis”. Lembro da expressão divertida do meu amigo, e acho engraçada esta história até hoje – eu nunca soube da resposta do Bowie por outra fonte, mas não tenho nenhum motivo para duvidar da informação que me foi passada na época. Naquele tempo eu era casado com a Valéria desde poucos anos antes, e foi ela que começou a me dizer que Elvis era bom. Ela me dizia, inclusive, que tinha visto em algum lugar que o Morrissey passava os dias, naqueles tempos longínquos, a ouvir “só Elvis”. Também não soube dessa história por outra fonte, mas, do mesmo modo que no caso do meu amigo supracitado, não tenho nenhum motivo para duvidar da informação passada pela Valéria. Enfim, na época acabei comprando alguns CDs para dar uma satisfação à minha esposa, e acabei gostando mais de Elvis do que tinha imaginado: ele, que tinha uma voz grave demais para o meu gosto, e que eu sempre tinha achado meio brega, foi conquistando meus ouvidos aos poucos. Mas acabei me cansando do cantor em poucos meses. Muitos anos depois, já com a internet, comecei a ouvir de novo Elvis, e acabei até mesmo colocando uma foto dele no meu álbum “músicas” do Facebook.  Mas logo desisti de novo do cantor. Enfim, uns meses atrás recomecei com ele, e dessa vez de maneira avassaladora - a ponto de Teresa, André e Valéria me pedirem para parar de ouvir Elvis no carro. Não importa: quando eles saem, lá vou eu de novo com a minha playlist “This is Elvis” do Spotify. Assim como o jornalista Mauro Cezar Pereira falou sobre o Pelé quando da morte do jogador, que o ex-camisa dez da seleção podia não ser o melhor em cada fundamento do futebol – cabeceio, batidas de falta, drible, etc –, mas certamente era um dos três melhores em cada um deles, Elvis Presley é bom em tudo o que faz: não gosto muito, em geral, do rock and roll dos anos 1950, mas faço uma exceção para ele; quando cantava músicas religiosas, ele chegava quase no nível de uma Mahalia Jackson; quando interpretava grandes sucessos de outros artistas, ele costumava fazer picadinho das versões originais; até nas poucas vezes em que cantava blues ele não fazia feio perto de gente como Muddy Waters ou B. B. King. Um youtuber famoso dia desses largou um vídeo com o chamativo (e caça-clique) título “Elvis Presley não foi rei de nada”, e foi justamente execrado pelos fãs do Rei do Rock. Tome tenência, rapaz.
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“Essentials”, com Hélène Grimaud
Música
“Essentials”, com Hélène Grimaud
14 de maio de 2023 at 14:48 0
Para um não-músico como eu, provavelmente o grande segredo para ouvir música clássica de maneira um pouco mais aprofundada seja ouvir a mesma peça com dois ou mais intérpretes diferentes. Por exemplo, eu tinha muitos LPs de peças de teclado de Bach com o pianista brasileiro João Carlos Martins, e era o que eu conhecia em termos de interpretação de piano do grande compositor alemão. Até hoje lembro do choque que foi ouvir o vol. I das Toccatas de Bach (BWV 910, 912, 913) com o pianista canadense Glenn Gould, depois de comprar o disco – muito bem recomendado pela Veja, é bom que se diga. As peças, que na verdade eu nem sabia que existiam na época, eram executadas com um brilho e uma emoção que eu simplesmente não conseguia perceber em João Carlos Martins. Parecia outro mundo. Lembro de uns outros poucos exemplos: Vladimir Horowitz e a NBC Symphony Orchestra regida por Arturo Toscanini pareciam movimentar todo o cosmo para executar o Concerto para Piano n.2, apesar das péssimas condições de gravação feita em 1940, enquanto a versão da mesma peça na Coleção Mestres da Música, da Editora Abril, parecia nunca sair de um torpor eterno. O monumental ciclo Das Lied von der Erde (A Canção da Terra) de Gustav Mahler com Jessie Norman e Jon Vickers e a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis parece revolver o que há de mais profundo na alma humana, enquanto uma versão que comprei em CD, não lembro com quem, parecia executada por uma série de robôs com preguiça. Infelizmente, nem sempre me dediquei o suficiente para comparar a mesma peça com diversos intérpretes. Mesmo assim, algumas coisas, para meus ouvidos não treinados, chamaram a minha atenção e parecem excepcionais por si, sem o reforço da comparação com outras versões. Posso citar neste caso as Sonatas para Violoncelo de Brahms com Mstislav Rostropovitch e Rudolf Serkin, o Concerto n. 4 para Piano e Orquestra de Beethoven com Claudio Arrau e a Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis, ou Trios para Piano K. 496 e K. 502 de Mozart com Maria João Pires, Augustin Dumay e Jian Wang. Tudo isso para chegar no disco lançado no início de 2020 pela Deutsche Grammophon “Essentials”, da pianista francesa Hélène Grimaud, que também atua na preservação de lobos (!) nos Estados Unidos. Peças que eu já conhecia com outros intérpretes - como o Noturno em Mi Menor Op. 72, n.1 de Chopin, o Prelúdio e Fuga n.1 BWV 846 de Bach ou a Melodia do “Orfeu e Eurídice” de Gluck com arranjo de Sgambati -, ou peças que eu nunca tinha ouvido antes - como a Bagatelle I de Valentin Silvestrov, Breathing Light de Nitin Sawhney ou 6 Romanian Folk Dances, BB 68, Sz. 56: I. Stick Dance de Béla Bartók - parecem levar a música a outro patamar. Às vezes eu sinto que Hélène Grimaud parece não ser deste mundo. Que coisa linda, minha gente.
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Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte
Música
Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte
26 de março de 2023 at 17:40 0
As novas gerações nunca vão saber o que era fazer sucesso antes do advento da internet. Hoje em dia, se você não está interessado nos estilos, é fácil não saber quem são os cantores de megassucessos AgroPlay & Ana Castela, Treyce, Selena Gomez ou Drake. Até, digamos, o final dos anos 1990, era muito difícil não ser exposto, em determinadas épocas, a músicas de gente como Ultraje a Rigor, RPM, Madonna ou Prince. Eram poucos canais de televisão (a TV a cabo só surgiu no Brasil em 1989), poucas estações de rádio, a internet não existia – nem se imaginava uma coisa dessas. A pulverização dos meios de comunicação, iniciada há algumas poucas décadas, mudou tudo: lembro de mostrar para minha filha, quando ela tinha, sei lá, uns dez anos, um programinha de computador que imitava o apresentador Silvio o Santos, e ela não achou graça porque não conhecia a voz dele – certamente são raríssimos os brasileiros da minha idade que não reconhecem a voz do comunicador. Quando a música “Bem que se Quis”, da cantora estreante Marisa Monte, surgiu no horizonte musical brasileiro em 1989, foi um sucesso no estilo daqueles de Roberto Carlos nos anos 1970 ou de Michael Jackson nos anos 1980: o público estava exposto à música de maneira que poucos podiam ignorá-la. Eu mesmo não me impressionei nada com a canção, mas acho que sei cantá-la de cor até hoje – ainda bem que não pretendo fazer isso perto de ninguém, seria muito constrangedor para os possíveis envolvidos. Em 1991 Marisa Monte lança outro megassucesso, “Beija Eu”, com letra de Arnaldo Antunes, que também não me impressionou nada. Por mais que tente, eu não consigo lembrar por que resolvi comprar o CD “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão” (cuja capa acompanha este texto), em 1994: nada do que ela tinha lançado antes tinha me agradado, e os jornalistas que eu acompanhava na época debochavam incessantemente dela e da “nova MPB” daqueles tempos. Enfim, após poucas audições do álbum eu concluí algo que continuo defendendo: nunca houve uma cantora brasileira como ela. O disco era perfeito, melancólico, sutil, e o timbre de Marisa Monte era algo que não parecia deste mundo. Cheguei a comentar sobre ele no meu “Rua Paraíba”:
“Eu nunca gostei muito de ouvir músicas repetidamente: tanto pelo fato de sempre ter apreciado vários estilos diferentes, quanto por ter medo de me cansar do que estou ouvindo, o repeat nunca foi meu forte — mesmo no tempo dos LPs, poucos foram os discos que ficaram muito tempo seguido no aparelho de som. Nas minhas madrugadas fazendo dissertação, meio que deixei esse costume de lado. Em boa parte do tempo despendido escrevendo ou programando eu ouvia o CD “Cor de Rosa e Carvão”, de Marisa Monte, no aparelho de som do escritório, ou a fita cassete oficial (nem tinha sido lançado o LP no Brasil) de “Check Your Head”, do grupo de rap americano Beastie Boys, que eu escutava num aparelho pequeno que tinha apenas rádio e toca-fitas. O melancólico e belíssimo disco de Marisa Monte era uma boa companhia para aquelas muitas horas solitárias.”
O tempo foi passando, fui deixando Marisa Monte de lado – mesmo assim gostei muito do primeiro disco dos Tribalistas, com ela, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. Em 2006 ela lança outro álbum quase tão bom quanto “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”: “Universo ao Meu Redor”, composto quase que só por sambas, alegre, positivo, que parece querer fazer com que o ouvinte fique de bom humor assim que o ouça. Fascinado, ouvi muitas e muitas vezes este disco, que tem como grandes destaques a faixa-título e “Meu canário”. “Universo ao meu redor” foi lançado simultaneamente com outro disco com proposta bastante diferente, “Infinito particular” - muito bom também mas que, na minha opinião, não se compara com aquele. Passei mais um bom tempo praticamente sem ouvir Marisa Monte até que resolvi baixar, uns poucos anos atrás, no Spotify, “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”: na primeira audição me senti transportado para meus anos escrevendo a dissertação – Marcel Proust explicou isso antes. Passou mais algum tempo e descobri que a cantora ia fazer um show aqui em Curitiba, em duas datas no Teatro Positivo. Comprei o ingresso para o dia 10 de setembro de 2022 e resolvi ir atrás da setlist e do novo disco dela, “Portas”: outro lançamento excepcional, com maravilhas como a faixa-título, “Calma”, “Déjà Vu”, “A Língua dos Animais” e o grande destaque, o fado “Vagalumes”. O show foi uma experiência quase mística, difícil de descrever em palavras – até por isso acabei não escrevendo sobre ele na época. A coisa foi tão louca que até amigos que não são fãs, nem costumam ouvir MPB, gostaram do espetáculo (como nota complementar, a plateia canta “Bem que se Quis”, citada acima, a capella no final do show). Nunca houve uma cantora brasileira como Marisa Monte. Ninguém me tira isso da cabeça.
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