Ciência

“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
Ciência, Religião
“A ciência tem todas as respostas?”, de Sabine Hossenfelder
8 de dezembro de 2024 at 15:49 0
Não muito tempo atrás escrevi aqui que "quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida". No mesmo texto, comentei: "como disse a polêmica – e divertida – física alemã Sabine Hossenfelder  (...), cientistas frequentemente entram no campo da religião (...) quando falam das “grandes questões” (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e (...) não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso". Minha curiosidade sobre Sabine Hossenfelder me levou a ler, recentemente, seu livro "A ciência tem todas as respostas?" (Editora Contexto, 257 páginas, tradução de Peter Schulz), que analisa vários aspectos da ciência, como o início do universo e da vida, por exemplo. A física alemã é ateia de quatro costados: ela defende, por exemplo, que não existe "livre arbítrio" porque nossos pensamentos, em última análise, são criados por átomos. Ela acha também que a física quântica não é tão surpreendente assim, e que a consciência não atua sobre fenômenos quânticos (não me peça para resumir a explicação dela, não a entendi direito!). Mas ela também acha uma bobagem quando cientistas defendem que Deus não existe, já que a ciência não pode dar esta resposta, simplesmente por falta de provas! Como ela escreve em seu brilhante livro,
"Não me leve a mal. Eu não tenho nada contra pessoas perseguem essas ideias em si. Se alguém achar que isso tem valor por alguma razão, tudo bem para mim - todos devem ser livres para praticar sua religião. Mas eu quero que cientistas estejam atentos aos limites de suas disciplinas. Às vezes, a única resposta científica que pode ser dada é 'nós não sabemos'. É por isso que me parece provável que, nesse processo de descoberta do conhecimento, religião e ciência continuarão a coexistir ainda por um longo tempo. Isso porque a ciência é em si limitada e, onde a ciência termina, buscamos por outros tipos de explicação. (...) Não é que eu queira ser simpática com pessoas religiosas pela única razão de ser agradável. Para começo de conversa, eu não sou exatamente conhecida como uma pessoa agradável. Mais importante do que isso, cientistas que afirmam, como fez Stephen Hawking, que 'não existe a possibilidade de um criador', ou como Victor Stenger, que Deus é uma "hipótese falseada", demonstram que não entendem o limite de seu próprio conhecimento. Eu sinto arrepios quando cientistas fazem essas declarações presunçosas."
O último parágrafo do livro mostra que nem sempre cientistas ateus dão preguiça quando escrevem sobre a vida:
"Então, sim, nós somos sacolas de átomos rastejando por um pálido ponto azul no braço espiral externo de uma galáxia incrivelmente ordinária. E, ainda assim, somos muito mais que isso."
"A ciência tem todas as respostas?" é, sem dúvida nenhuma, o melhor livro de divulgação científica que já li. E é divertidíssimo.
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“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
Ciência
“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
5 de outubro de 2024 at 22:24 0
Em "A ordem do tempo" (Objetiva, 189 páginas, tradução de Silvana Cobucci, lançado originalmente em 2017), o físico italiano Carlo Rovelli, além de apresentar um painel de como o tempo tem sido analisado por filósofos e cientistas desde a Antiguidade Clássica, defende uma teoria fascinante e provocadora: tendo em vista que, na escala do átomo, as equações da física quântica não necessitam da variável tempo para serem resolvidas, a nossa sensação de que o tempo passa - do passado para o futuro - é causada pela Segunda Lei da Termodinâmica.  De maneira muito simplificada, esta lei diz que um sistema fechado sempre tende a um aumento da entropia, ou seja, da desordem, e não há como voltar ao estado anterior. Um ovo quebrado tem mais entropia que um inteiro - e não há como fazer a operação inversa de quebrar um ovo. Segundo Carlo Rovelli, como é sempre necessário o fator tempo - indo do passado para o futuro - para que a  entropia aumente, o aumento de calor causado por este crescimento da desordem é o que dá a sensação da passagem do tempo nos seres humanos. Mesmo nossos pensamentos são causados por atividade neuronal que literalmente esquenta nossas cabeças, e por isso nosso cérebro tem a sensação de que o tempo passa em apenas uma direção. Estava tudo indo bem quando, no final de "A ordem do tempo", Rovelli começa a filosofar sobre o sentido da vida e, como sempre acontece nesses casos, o sono e a preguiça de continuar a leitura tomam conta dos meus pensamentos. Já tinha acontecido isso comigo com livros de divulgação científica de Richard Dawkins, Marcelo Gleiser e outros do próprio Rovelli. Como disse a polêmica - e divertida - física alemã Sabine Hossenfelder num brilhante e curto vídeo chamado "Religion and science have the same roots" ("religião e ciência têm as mesmas raízes"), cientistas frequentemente entram no campo da religião (tradução aproximada para "doing religion") quando falam das "grandes questões" (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e - ainda segundo ela - não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso. Quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida.
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Interesses estranhos
Ciência, História, Religião
Interesses estranhos
21 de dezembro de 2022 at 15:02 0
Tenho interesses que eu mesmo acho estranhos. Pesquisei muita coisa sobre o Império Wari, que veio antes dos incas no Peru. Li quase tudo na internet que consegui sobre São Luís de Tolosa, um santo medieval obscuro. Tenho também particular interesse na vida de outro santo esquecido, São Lourenço de Brindisi (1559-1619). Atualmente tenho pesquisado os poucos vídeos no YouTube que consegui sobre a fauna do Período Permiano, cujos animais dominantes – quase todos destruídos no evento cataclísmico hoje chamado de A Grande Morte – eram muito mais parecidos com os mamíferos de hoje do que os dinossauros, que surgiram milhões de anos depois. Foi tema de um texto no meu “Rua Paraíba” as micronações, “países” inventados por alguns sujeitos estranhos. Já pesquisei até sobre um obscuro e excêntrico candidato a presidente nas eleições presidenciais de 1989, Antônio Pedreira, do PPB (Partido do Povo Brasileiro). Claro, tenho interesses mais “normais”, como o Império Romano, música clássica, filmes noir e os horrores do período nazista, mas não é esse o assunto aqui. Meus novos interesses esquisitos – bem, não sei se tão esquisitos assim – são o Jesus Histórico e os etruscos. Vamos lá. Como já comentei aqui, sou fascinado pela seguinte questão:
“o que será que os antigos romanos, com seus deuses imponentes e grandiosos, achavam de um pessoal - muitos compatriotas entre eles, inclusive - que achava que Deus era um pobre judeu que teve a morte mais humilhante possível, na cruz? Deviam achar estranho, no mínimo. Eu acho que também acharia.”
Para dar uma ideia da coisa, a figura que acompanha este texto, obtida aqui, é um desenho esquemático do Grafite de Alexamenos (também conhecido como grafite blasfemo) que, segundo a Wikipédia,
“é um grafite da Roma Antiga gravado em gesso sobre uma parede nas proximidades do Palatino, em Roma, hoje encontrado no Museu Antiquário do Palatino. É uma das primeiras representações gráficas da crucificação de Jesus, junto com algumas gemas encravadas. É difícil datar, mas estima-se que tenha sido feito por volta de 200. A imagem parece mostrar um jovem adorando uma figura crucificada e com cabeça de burro. A inscrição grega traduz-se aproximadamente como 'Alexamenos adora [o seu] deus', indicando que o grafite aparentemente foi feito para satirizar um cristão chamado Alexamenos.”
As pesquisas sobre o chamado Jesus Histórico tentam desvendar essas e outras questões, utilizando métodos científicos para descobrir mais sobre o fundador do cristianismo (bem, até essa denominação é discutível, mas essa é outra questão). Existem dois canais no YouTube excelentes sobre esse assunto: o de Jonathan Matthies, mais voltado à divulgação científica, e a do professor da UFRJ Andre Leonardo Chevitarese, um pesquisador de mão cheia. O primeiro livro que li sobre Jesus Histórico é de um livro que eu tinha comprado, coincidentemente, antes de acompanhar o canal do pesquisador da UFRJ: “A descoberta do Jesus histórico”, coletânea organizada pelo próprio Chevitarese e por Gabriele Cornelli (Paulus, 167 páginas, lançado em 2009). São muitos artigos interessantíssimos, e os meus preferidos versam sobre assuntos que correlacionam cristianismo e judaísmo: “Parábolas de Jesus e parábolas talmúdicas", de Edgard Leite Ferreira Neto, “O Cristianismo e os essênios. João Batista e Jesus conheceram os essênios?”, de Isidoro Mazzarolo, e “A oração de Nabônides (4Q242) e o Jesus histórico”, de André Leonardo Chevitarese. Numa live dia desses o professor da UFRJ comentou que logo lançará um livro sobre a visão de outros povos (como os romanos) sobre o cristianismo nos primeiros séculos da nossa era. Não vejo a hora de ler! Finalmente, meu último interesse estranho a ser comentado neste texto é o povo etrusco, que habitava o norte da Itália e que acabou sendo conquistado – e/ou absorvido – pelos romanos alguns poucos séculos antes de Cristo. Muito do que se sabe sobre a cultura e os costumes desse povo é de difícil comprovação, já que sua linguagem ainda não foi totalmente decifrada e que os romanos não fizeram muita questão de preservar os documentos etruscos. Já li o primeiro dos quatro livros sobre o assunto que comprei recentemente na Estante Virtual, “Os Etruscos – uma civilização reencontrada”, de Attilio Gaudio (Edições MM, tradução de Charles Marie Antoine Bouéry, 207 páginas, publicado originalmente em 1969), mas não vou comentar nada sobre ele ainda – pretendo escrever mais sobre esse povo fascinante no futuro.
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“A realidade não é o que parece”, de Carlo Rovelli
Ciência
“A realidade não é o que parece”, de Carlo Rovelli
23 de janeiro de 2022 at 19:02 0
Eu lembro de ter visto o Luiz Felipe Pondé dizendo em algum lugar que, se você critica Platão, você está errado. O físico italiano Carlo Rovelli, no final do seu “A realidade não é o que parece” (Objetiva, 296 páginas, tradução de Silvana Cobucci), com a maior desfaçatez, chama de “tolices” as discussões sobre a imortalidade da alma em “Fédon”, clássico do filósofo grego. Carlo Rovelli odeia discussões espirituais. Lá pelas tantas, ele declara que as pessoas que têm fé
preferem uma certeza qualquer, mesmo que evidentemente infundada, à incerteza que vem de se dar conta dos próprios limites. Alguns preferem acreditar em uma história nem que seja apenas porque os anciãos da tribo acreditavam nela — não importa se é verdadeira ou falsa —, em vez de aceitar a coragem da sinceridade: aceitar que vivemos sem saber tudo o que gostaríamos.
Em outro momento ele declara que “ciência e religião estão geralmente em rota de colisão” – não na minha cabeça, Carlo Rovelli, e nem na de muita gente. É isso que me irritou em “A realidade não é o que parece” - livro bem escrito que conta a história dos cientistas que ajudaram a criar a teoria, criada pelo próprio Rovelli, da “gravidade quântica”, rival da teoria das cordas (bem mais interessante, aliás, para um não especialista como eu): a postura arrogante e desrespeitosa de alguém que debocha das crenças de no mínimo 80% da humanidade. Francamente, prefiro os ateus militantes como Richard Dawkins e Christopher Hitchens, que entregam o que prometem e não criam livros com nomes como “A realidade não é o que parece”, que mais lembram alguma discussão metafísica do que qualquer outra coisa.
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Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
Ciência, História, Literatura
Livros que eu mais gostei de ter lido em 2021
16 de janeiro de 2022 at 19:52 0
  1. “Vulgo Grace”, de Margaret Atwood: a história de um assassinato real ocorrido no século XIX foi o ponto de partida para um livro fascinante, transformado numa série tão fascinante quanto.
  2. “O fim”, de Karl Ove Knausgård: o final da monumental série “Minha luta” mistura ensaios, principalmente sobre o nazismo, e problemas pessoais ligados ao sucesso de seus livros anteriores e ao casamento do autor.
  3. “Mundos paralelos – uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo”, de Michio Kaku: a estranha física moderna e valores humanos num livro afetivo e delicioso.
  4. “Os andarilhos do bem”, de Carlo Ginzburg: tudo é estranho neste livro de não-ficção que conta batalhas espirituais contra bruxas na Itália do século XVI.
  5. “O segundo tempo”, de Michel Laub: o narrador desta novela excelente não sabe se vai dar ou não uma notícia ruim a seu irmão mais novo durante um Grenal no estádio Beira Rio, em Porto Alegre.
  6. “O Outono do Patriarca”, de Gabriel García Márquez: só Gabriel García Márquez para conseguir fazer o leitor sentir empatia por um caudilho sanguinário.
  7. “Rei, valete, dama”, de Vladimir Nabokov: já Nabokov não consegue fazer com que o leitor sinta empatia pelos personagens deste romance, mas ele escreve tão bem que isso pouco importa.
  8. “A leitora do Alcorão”, de G. Willow Wilson: autora de HQs, criadora da super-heroína Kamala Khan da Marvel, G. Willow Wilson emociona na descrição de sua conversão ao Islã.
  9. “Amiga de juventude”, de Alice Munro: as histórias da canadense, Nobel de 2012, são pérolas da literatura.
  10. “A gafieira de dois tostões”, de Georges Simenon: conforme o comentário do leitor Heitor Vieira de Resende no site da Amazon, “o pior livro de Simenon é ainda muito bom”. E este certamente não é o pior livro de Simenon.
(foto: Karl Ove Knausgard, obtida no Rascunho)
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“Mundos paralelos – uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo”, de Michio Kaku
Ciência
“Mundos paralelos – uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo”, de Michio Kaku
19 de setembro de 2021 at 17:57 0
Entrevistado frequente de programas científicos em emissoras como Discovery e History Channel, o físico norte-americano de origem japonesa Michio Kaku é, segundo a Wikipédia, autor de vários artigos científicos envolvendo a teoria das cordas, a supergravidade, supersimetria, hádrons, e, atualmente, se dedica à Teoria de Tudo - uma teoria científica hipotética que unificaria, procuraria explicar e conectar em uma só estrutura teórica, todos os fenômenos físicos (juntando a mecânica quântica e a relatividade geral) num único tratamento teórico e matemático. Ele também é divulgador científico, tendo escrito diversos livros para o público em geral – eu já tinha comentado aqui sobre “Hiperespaço”, e o presente texto se concentra em “Mundos paralelos - uma jornada através da criação, das dimensões superiores e do futuro do Cosmo” (Rocco, 428 páginas, traduzido por Talita M. Rodrigues). O livro versa sobre vários aspectos da física moderna, como o fim do universo, universos quânticos paralelos, uma espécie de teoria das cordas chamada “Teoria M”, viagens no tempo, dimensões maiores que as quatro que estamos acostumados (três espaciais e uma temporal). São tantas informações malucas que Michio Kaku traz sobre a física moderna que um leitor leigo, mas com alguma formação matemática, como eu, fica se perguntando como os físicos e matemáticos conseguem entender aquelas teorias todas – mas a leitura do livro vale muito a pena, mesmo assim. E, depois dessa loucurada toda, a conclusão de Michio Kaku tão bonita que resolvi transcrevê-la inteira:
“Acredito que Sigmund Freud, com todas as suas especulações sobre o lado sombrio da mente inconsciente, tenha chegado mais perto da verdade ao dizer que o que dá estabilidade e sentido a nossa mente é trabalho e amor. O trabalho ajuda a nos dar uma sensação de responsabilidade e propósito, um foco concreto para nossos esforços e sonhos. O trabalho não só confere disciplina e estrutura a nossa vida, ele também nos dá uma sensação de orgulho, conquista e uma estrutura para a satisfação. E o amor é um ingrediente essencial que nos coloca dentro do tecido da sociedade. Além do trabalho e do amor, eu acrescentaria mais dois outros ingredientes que dão sentido à vida. Primeiro, satisfazer os talentos com os quais nascemos. Por mais abençoados que sejamos, com diferentes habilidades e pontos fortes, devemos tentar desenvolvê-las ao máximo, em vez de deixá-las atrofiar e apodrecer. Todos nós conhecemos indivíduos que não cumpriram a promessa que demonstraram na infância. Muitos se assustaram com a imagem do que poderiam se tornar. Em vez de culpar o destino, penso que devemos nos aceitar tal como somos e tentar satisfazer todos os sonhos que estejam dentro da nossa capacidade. Segundo, devemos tentar deixar o mundo um lugar melhor do que quando nele chegamos. Como indivíduos, podemos fazer a diferença, seja sondando os segredos da Natureza, limpando o ambiente e trabalhando pela paz e justiça social, ou nutrindo o espírito inquisidor e vibrante dos jovens, sendo um mentor ou guia.”
(foto que acompanha o texto obtida da Wikipédia)
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Qual a quantidade real de mortos devido à COVID-19?
Ciência
Qual a quantidade real de mortos devido à COVID-19?
20 de junho de 2021 at 22:36 0
Qual o tamanho da tragédia mundial do COVID-19? Desde o início da pandemia, ficava me perguntando qual a quantidade de mortos a mais do que o previsto desde março de 2020. Cheguei a pesquisar alguma coisa nos dados estatísticos de sites como o do Banco Mundial, mas não fui adiante – até que saiu a notícia na imprensa de que o mundo pode ter o dobro de mortes do que dizem os números oficiais. Fui então pesquisar alguns artigos sobre o assunto, e o presente texto apresenta o resumo do artigo “Estimation of total mortality due to COVID-19”, do IMHE (Institute for Health Metrics and Evaluation), cujo link pode ser obtido aqui. Pretendo voltar nesse assunto por aqui ainda. Segundo o artigo, o parâmetro que calcula “a quantidade de mortos a mais do que o previsto” se chama “excesso de mortes”, “definido como a diferença entre o número observado de mortes em períodos de tempo específicos e o número esperado de mortes nos mesmos períodos de tempo”. Para avaliar a mortalidade total por COVID-19, foi necessário verificar se a quantidade de mortos foi subnotificada, e possíveis razões para esta subnotificação incluem:
  • A capacidade de teste varia acentuadamente entre os países e dentro dos países ao longo do tempo;
  • Em muitos países de alta renda, as mortes por COVID-19 em indivíduos mais velhos, especialmente em instituições de longa permanência, não foram registradas nos primeiros meses da pandemia;
  • Em outros países, como Equador, Peru e Federação Russa, a discrepância entre as mortes relatadas e o “excesso de mortes” sugere que a taxa de mortalidade total do COVID-19 é muitíssimo maior do que os relatórios oficiais.
O “excesso de mortes” para o caso da COVID-19 é influenciado por seis fatores de mortalidade que se relacionam com a pandemia e o distanciamento social que veio com ela. Esses seis fatores são: a) a taxa total de mortalidade por COVID-19, ou seja, todas as mortes diretamente relacionadas à infecção por COVID-19; b) o aumento da mortalidade devido ao adiamento dos cuidados de saúde necessários durante a pandemia; c) o crescimento da mortalidade devido ao aumento dos transtornos mentais, incluindo depressão, abuso de álcool e de opioides; d) a redução na mortalidade devido a diminuições nas lesões devidas a reduções gerais na mobilidade (diminuição de acidentes de carro, por exemplo); e) diminuição no número de mortos devido à menor transmissão de outros vírus, principalmente influenza, vírus sincicial respiratório e sarampo; e f) redução na mortalidade devido a algumas condições crônicas, como doenças cardiovasculares e doenças respiratórias crônicas, que ocorrem quando indivíduos frágeis que teriam morrido por essas condições morreram mais cedo de COVID-19. O artigo do IMHE calcula as reduções de mortes em torno de 615.000 mortes ou mais, decorrentes de mudanças comportamentais em nível global. Os principais aumentos potenciais no excesso de mortalidade devido ao tratamento adiado e aumentos na overdose de drogas e depressão são difíceis de quantificar, ou de magnitude muito menor. Dado que não há evidências suficientes para estimar essas contribuições para a mortalidade excessiva, assumiu-se que o total de mortes por COVID-19 é igual ao “excesso de mortes” mas, devido a razões apresentadas no artigo do IMHE, concluiu-se que isto provavelmente foi subestimado. À medida que as evidências se fortalecem nos próximos meses e anos, é provável que sejam revisadas as estimativas de mortes por COVID-19 para cima em próximos trabalhos. A principal conclusão do artigo “Estimation of total mortality due to COVID-19” é apresentada num gráfico, que é a imagem que acompanha este texto, em que a linha mais clara superior é a quantidade diária real de mortos, enquanto a de baixo, mais escura, é o número oficial. Em termos de números totais, do início da pandemia até 31 e maio de 2021, segundo o artigo da IMHE a quantidade real de mortos chegou a 7,1 milhão de mortos, enquanto o número oficial correspondente foi de 3,33 milhões. O artigo do IMHE também apresenta a subnotificação estimada para países e estados no mundo inteiro, calculada pela divisão entre o número de mortos real e o oficial, apresentada abaixo. Na figura, quanto mais próximo do azul escuro, maior a subnotificação e, quanto mais próximo do laranja vivo, menor este valor. Em termos de Brasil, do início da pandemia até 31 de maio de 2021 foram reportados 423.307 mortos, enquanto o número real calculado no artigo chegou a 616.914, numa subnotificação de 1,46.
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Xadrez e Covid-19
Ciência, Esporte
Xadrez e Covid-19
6 de junho de 2021 at 03:19 0
Ainda um pouco antes do boom mundial de xadrez, causado pela popular série da Netflix Gambito da Rainha, houve um aumento expressivo no número de jogadores do jogo devido à pandemia, já que as pessoas de uma hora para outra passaram a ficar em casa com mais tempo livre. Eu mesmo, que tinha jogado e estudado um pouco de xadrez na adolescência - ensinado basicamente pelo meu grande amigo Edson Luciani de Oliveira -, retomei o gosto pelo jogo aí pelo meio do ano passado, principalmente por causa dos canais do YouTube Xadrez Brasil, de Rafael Leite, e GothamChess, de Levy Rozman. Ainda gostaria de falar mais sobre o assunto, mas o objetivo deste texto é bem mais específico, e para isto basta dizer que pratico principalmente xadrez online na plataforma Chess.com, e que lá cada jogador tem seu rating - um número que, segundo a Wikipédia, calcula a força relativa e cada jogador. O melhor jogador o mundo na atualidade, o norueguês Magnus Carlsen, tem um rating de cerca de 2847; super grandes mestres (ou Super GMs) – como o russo Ian Nepomniachtchi, que vai desafiar o campeão mundial em novembro, ou o ítalo-americano Fabiano Caruana - têm ratings acima ou próximos de 2800; com mais de 2000 o jogador normalmente já pode ser considerado profissional, ou semiprofissional; eu, com 1096 de rating no Chess.com no dia em que escrevo este texto (6 de junho de 2021), posso apenas ser considerado um amador que tem uma noção mínima do jogo. O rating de 1100 parece ser o meu limite se eu não estudar com afinco – coisa que não pretendo fazer, na verdade. Respondendo a perguntas de seus seguidores, por coincidência ontem ainda o Grande Mestre Rafael Leitão comentou que, para passar deste rating, é necessário estudar; e eu prefiro só assistir a vídeos de xadrez no YouTube e jogar partidas online no Chess.com contra adversários com capacidade técnica semelhante à minha. O gráfico abaixo, que apresenta meu rating desde que entrei na plataforma até o início de março de 2021, mostra que vai ser bem complicado de eu passar de 1100 se eu não me esforçar: Falando agora do principal objetivo deste texto: no dia 16 de março de 2021 fui diagnosticado com Covid-19. Além de dar graças a Deus por nem eu nem minha família termos tido casos graves da doença, tive como principal sintoma um cansaço profundo e duradouro. Olhando meu gráfico de rating de xadrez a partir desta data, notei um persistente declínio, conforme mostra a figura que acompanha este texto, que apresenta o meu desempenho no Chess.com nos últimos 90 dias. O gráfico é, de certa forma, impressionante: se no dia do meu diagnóstico eu estava com um rating de 1042, pouco mais de um mês depois, em 27 de abril, eu tinha caído para 902. Só fui passar de 1000 no dia 22 de maio, mais de dois meses depois do meu diagnóstico, e desde então não baixei mais deste limiar, chegando no valor de 1096 no dia de hoje. É claro, repito, que só tenho de agradecer a Deus por ter sido só isso, mas achei interessante compartilhar esta minha experiência específica com esta doença terrível.
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