outubro 2019

Literatura
“Histórias mínimas”, de Jonatan Silva
27 de outubro de 2019 at 19:20 1
fonte: Tribuna do PR

O tipo de literatura tento fazer nos meus livros é uma literatura que se concentra em conflitos humanos, com uma dose maior ou menor de realismo – é como se fosse um espelho, mais ou menos límpido, da realidade. Existe outro tipo de literatura – por simplicidade, chamemo-la de “fantástica” - em que o texto literário é quase que separado da vida, e que se basta a si mesmo: neste caso, a realidade não aparece como um espelho, mas como metáfora. Os livros de Borges e Kafka pertencem a este tipo de literatura, mas pode-se argumentar que mesmo os mitos de criação todas as culturas, por exemplo, podem pertencer a este grupo.

As histórias deste excelente livro de contos “Histórias mínimas”, de Jonatan Silva (Kafka, 74 páginas, 2019) pertencem a este “outro tipo”, o "fantástico", de literatura. Em “Alfinetes”, a personagem não consegue viver sem alfinetes. Em “A Flor”, alguém vive embaixo de uma pilha de lixo. “Lázaro” tem um caco de vidro no olho. “Neve” é uma estranha história de um níquel e muita neve. “Esteves” é uma máquina faminta que se alimenta “de vinho e cigarros”. “O Sonho”, provavelmente o melhor conto do livro, conta a história de um velho cego com sonhos estranhos. “O pão do corvo” fala, de maneira brilhante, sobre a guerra, assim como o extraordinário “Adela”. “Piano de cauda” é uma história dolorosa sobre música.

Enfim, as “Histórias mínimas” de Jonatan Silva, tenho certeza, agradariam a Borges e Kafka. Mas o livro conta com alguns contos do tipo realista - creio que Dalton Trevisan apreciaria “Rosália”, por exemplo, transcrito a seguir:

“Rosália fora uma mulher voluptuosa, recheada de encantos que aos poucos se transfiguraram em uma velhice que lhe adornaria o corpo. Os homens, que tanto se engraçavam, se calavam ao vê-la passar. Restou-lhe somente o marido, um par de gatos e a obrigação de, pela primeira vez, ser fiel.”

Leia mais +
Literatura
“Longe das Aldeias”, de Robertson Frizero
20 de outubro de 2019 at 14:20 1
fonte: Facebook

São tantas as qualidades de “Longe das Aldeias”, de Robertson Frizero (77 páginas, Terceiro Selo, lançado em 2015), que é até meio difícil saber por qual começo.  De todo modo, vamos lá.

A primeira coisa que me chamou a atenção no romance é o não dito: é impressionante a quantidade de coisas que não são explícitas. Li “Longe das Aldeias” com a sensação de que estava numa espécie de labirinto, em que alguns caminhos levavam a lugar nenhum, enquanto outros, efetivamente, faziam aumentar a compreensão de onde eu estava.

Acho que o segundo aspecto que me chamou a atenção no romance é o fato de ele ser exatamente o contrário do que eu esperava: conheci Robertson Frizero num grupo (de e-mails, estávamos no fim dos anos 90!) sobre a banda portuguesa Madredeus, que eu amava incondicionalmente, hoje um tantinho a menos, e que o Robertson continua amando do mesmo jeito de sempre (sou meio traidor para música, meus amigos sabem disso). 

Bem, o negócio é que um livro chamado “Longe das Aldeias”, de um escritor fã de Madredeus, na minha cabeça deveria ser um livro bucólico, que trataria da beleza e da melancolia de uma aldeia em Portugal, cheio de saudade, mar, e amor – temas caros à grande banda portuguesa.

Que nada! “Longe das Aldeias” fala de guerra, de genocídio, de sofrimento e famílias destroçadas – e tudo daquela maneira elusiva comentada acima.

E o romance é grande literatura não apenas por causa do comentado acima: a solução que Robertson Frizero dá para os conflitos é brilhante, digna dos grandes mestres. 

Meses depois que acabei de ler esta pequena obra-prima, ainda fico impressionado em com o quanto de coisas o autor conseguiu colocar em apenas 77 páginas.

E, finalmente, você, que me lê, deve estar achando que não falei nada sobre o enredo, né? Fato. É uma homenagem: uma resenha elusiva para uma obra-prima elusiva!

Leia mais +
Literatura
“Submissão”, de Michel Houellebecq
20 de outubro de 2019 at 14:13 0
fonte: https://mondoweiss.net/2017/07/novelist-houellebecq-brotherhood/

Num futuro próximo, um partido islâmico chamado “Irmandade Muçulmana” ganha as eleições na França e começa a modifica o dia-a-dia dos franceses. O desemprego desaba rapidamente, já que as mulheres devem ficar em casa cuidando dos filhos, a poligamia é estimulada, as estudantes universitárias devem cobrir a cabeça e a educação é obrigatória somente até os doze anos de vida. Este é o tema de fundo de "Submissão", brilhante romance vagamente distópico do francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 253 páginas).

O livro é contado em primeira pessoa por François, professor de literatura especialista no escritor francês J.K. Huysmans (1848-1907), escritor decadentista, autor da obra-prima "Às avessas" e que se converteu ao catolicismo no final da vida. François é solitário, cínico, e amante de mulheres bem mais jovens que ele.  

Assim como seu personagem principal, o romance "Submissão" é cínico e, apesar de parecer contra o islã em uma ou outra passagem, está longe de ser um manifesto antimuçulmano. Independentemente de qualquer coisa, o romance tem passagens engraçadíssimas e, como um todo, é delicioso de ler.   

Leia mais +
Literatura
“Uma aventura no Brasil Central”, de Horacio Sendacz
13 de outubro de 2019 at 18:33 0
fonte: Viagem e Turismo

Haroldo, no primeiro semestre de 2014, uma época “recheada de más notícias, a maioria delas relacionada a terroristas islâmicos”, resolve sair da cidade em que morava, Curitiba, para dar um passeio em áreas preservadas no Brasil Central. São as aventuras de Haroldo que são descritas em “Aventura no Brasil Central”, de Horacio Sendacz (acessível em https://horaciosendacz.wordpress.com/2018/06/27/aventura-no-brasil-central/).

Já no Centro Oeste, Haroldo trava contato com a guia Rafaela, “uma morena de cor jambo, miúda e com um corpo jeitoso”, que não aparentava seus quarenta anos. Na viagem, eles encontram belas paisagens e “seres, obviamente extraterrestres, que tinham aparência quase igual entre si e, como vestimenta, cada um portava apenas um colar com um pingente de pedra semipreciosa”. Haroldo queria saber se eles faziam sexo, e foi informado que eles transavam apenas uma vez na vida, para reprodução, e sem orgasmo. Além disso, eles são “tradicionalmente tristes”.

Haroldo e Rafaela são liberados pelos E.T. e, de volta ao passeio no Brasil Central, começam uma série de aventuras sexuais, históricas, antropológicas e policiais - e também conhecem povos, da Terra mesmo, bastante misteriosos, sempre em meio a belíssimas paisagens. Melhor não contar muito para não estragar a surpresa.   

De todo modo, o importante é que “Aventura no Brasil Central” é um livro despretensioso e muito, mas muito mesmo, gostoso de ler.

Leia mais +
Literatura
Catherine Millet, Jacques Henric
6 de outubro de 2019 at 15:57 0
fonte: YouTube

Como se sabe, Catherine Millet é uma respeitada crítica de arte que causou furor, em 2001, ao lançar o para lá de polêmico livro autobiográfico A vida sexual de Catherine M., sobre o qual comentei que ela falava de sua vida de verdadeira libertina (participando de orgias, relacionamentos longos e curtos) como uma crítica de arte. Aproveitando o grande sucesso do livro, o seu companheiro Jacques Henric lançou, ainda em 2001, “Légendes de Catherine M.” (Denoël, 250 páginas) e a própria Catherine lançou em 2008 “A outra vida de Catherine M.” (Agir, 200 páginas, tradução de Hortencia Santos Lencastre).

Os dois livros são interligados: o livro de Catherine conta as crises de ciúme que ela teve de Jacques em uma certa época da vida – ciúmes um tanto incoerentes, como ela mesma não cansa de repetir, tendo em vista sua própria vida sexual livre. Já o livro de Jacques Henric mostra uma série de fotos da sua companheira nua – você pode ver algumas delas abaixo – e um longo texto em que o autor fala de sua atração por ela, pelas mulheres em geral, sobre as fotos postadas, com um enorme número de citações literárias e, um tanto paradoxalmente, religiosas – sempre com grande conhecimento de causa, aliás.

Dois livros fascinantes de um casal fascinante.

fotos obtidas em "Légendes de Catherine M.", de Jacques Henric (Denoel)
Leia mais +
Obra Literária
“O verão de 54 (novelas)”
6 de outubro de 2019 at 14:28 0

“O verão de 54 (novelas)” , de Fabricio Muller (Editora Appris), é composto por quatro histórias bastante diferentes uma da outra.

O Verão de 54 é uma história de amor proibido. Conversão trata de família e religião, Morrissey é um policial sobre um assassino serial com “uma missão” e Sorry é uma novela para adolescentes. O Verão de 54 é uma história em metalinguagem. Conversão utiliza um narrador onisciente, Morrissey é em formato de diálogo e Sorry é um diário.

Como se vê, o leitor pode iniciar a leitura deste livro por qualquer uma das quatro novelas cujo tema lhe pareça mais interessante.

Informações:

  • Comprar na Amazon, impresso ou para Kindle: aqui
  • Live de lançamento no YouTube, em de agosto de 2019 no Encontro Café do Escritor: aqui
  • Entrevista na CBN: aqui
  • Prefácio, por Robertson Frizero: aqui
  • Anúncio do lançamento na semana literária do Sesc, em 23 de setembro de 2019: aqui
  • Resenha da Regina Pimentel: aqui
  • Foto do lançamento do livro no CIP, em 4 de agosto de 2019: aqui
  • Trecho inicial da novela Morrissey: aqui
  • Trecho inicial da novela Sorry: aqui



Leia mais +
Literatura, Obra Literária
O verão de 54 – resenha
6 de outubro de 2019 at 13:08 0
foto: autor

Segue abaixo a resenha, bem elogiosa por sorte, que a Regina Pimentel fez do meu "O verão de 54 (novelas)":

Fabricio Muller publicou mais um livro. Este, agora, é uma coletânea de quatro novelas, díspares entre si, cada uma com seu próprio leitmotiv. Mas há o que as una: é o estilo muito pessoal de Fabricio, sempre muito intimista, voltado para os recessos da mente e da emoção. As “verdades em si mesmas”: a noção protofenomenológica de que o mundo é como a consciência o percebe.

Já vimos isso em Balzac, em Flaubert, em Henry James, em Phillip Roth, e já vimos isso aqui mais perto em Dalton Trevisan – o realismo  voltado àquilo que constitui o desenrolar da vida  humano. Sem a crítica social. O sexo sempre premente, as relações interpessoais, os pequenos fracassos e sucessos. Tudo isso, na pena de Fabricio, exposto a céu aberto, às vezes com um sarcasmo que é ao mesmo tempo uma divina concessão à humana pequenez. E a sua escrita é impecável.

“Morrissey”, entre os quatro contos, se destaca por ser, ao mesmo tempo, uma homenagem ao cantor inglês, uma história policial e uma novela escrita inteiramente como fluxo de consciência dialogal. O que é ainda mais interessante por se tratar do diálogo entre um acusado e um criminoso...

A primeira novela, a que dá nome ao livro, entremeia à narração o diálogo interior do autor. A história em si é então uma metanovela: o conto é sobre como o autor decidiu escrever, e escreveu, sobre fatos. Ou o inverso? Um contista narra uma história, mas há um metanarrador que insiste em dizer como e por que isso e aquilo foi escrito...

“Sorry” é o diário de uma adolescente – “nada do que é humano me é estranho”, diria Fabricio, que sim, conseguiu narrar as aventuras e desventuras de uma menina rica de família judia.

Finalmente, “Conversão” relata o caminho percorrido por um grupo de pessoas de classe média rumo a Jesus, nominadamente o Jesus das igrejas Luterana e Bola de Neve. Mais uma vez, o autor consegue mostrar os fatos e as reflexões envolvidas em acontecimentos aparentemente cotidianos.

Leia mais +