Literatura, Obra Literária

Trecho inicial de Sorry

26 de maio de 2019 0

Abaixo segue o trecho inicial de “Sorry”, a quarta e última novela de “O verão de 54 (novelas)”, a ser lançado proximamente, com prefácio do escritor, tradutor, editor, professor e conferencista Robertson Frizero.

Nona série


Segunda-feira, 4 de maio


Eu me chamo Renata e sou aluna da nona série. Aqui no Colégio a gente se senta por ordem alfabética, o que faz com que eu me sente atrás do Rafael. É o primeiro ano em que ele estuda aqui em Curitiba. Ele veio de Videira, lá onde o diabo perdeu as botas, e tem sotaque de catarinense, mas não muito. Explico: como ele morou também em Goiás o sotaque dele é meio misturado. Ele ri da minha cara cada vez que eu falo “leite”. Cariocas falam “leitch”, catarinenses não, mas, segundo o Rafael, só os curitibanos pronunciam de maneira tão ridícula o “te”. “Leite quente dá dor de dente”, é a frase que ele usa quando quer zoar o sotaque dos curitibanos. Estou tentando pensar num jeito de dar uma ideia para você, que me lê, de entender como o nosso sotaque é diferente (ridículo, segundo o Rafael), mas não tenho ideia de como fazer. Então, para você que não sabe como é o sotaque daqui, imagine uma coisa “peculiar”, que é uma expressão que meu pai usa de vez em quando. Às vezes ele vem com uma palavra muito nada a ver e eu e a minha mãe olhamos para ele como se ele fosse maluco e ele fica meio espantado, meio debochado, e acaba perguntando: “não tinha ideia de que vocês não sabiam o que (aí você coloca a palavra esquisita que meu pai falou) é”.


Tenho que ser justa com o Rafael. Ele não ri só do nosso sotaque. Ele é muito mais palhaço quando imita o sotaque do pessoal de Videira. Faz até umas caras diferentes, todo o mundo dá risada. Quando o Rafael chegou no Colégio ele, coitadinho, ainda estava meio deslocado, às vezes ficava sozinho no recreio e me partia o coração. Ainda bem que esta fase não durou muito, ele logo entrou para equipe de basquete do Colégio e agora todo o mundo gosta dele por aqui. Então. Eu preciso me concentrar, se não vem uma ideia, vem outra e daí você, que me lê, vai sair por aí falando que a “Renata se perde no meio da história”. Calma lá!

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