Acho que foi no Cine Groff, na extinta Galeria Schaffer, no centro de Curitiba, que assisti a "Stalker" (1979, 2h43min, Alemanha/União Soviética), de Andrei Tarkovski. Um filme longo e lento, com algumas cenas coloridas e outras numa espécie de preto-e-branco em sépia, em cenários de construções decadentes ou abandonadas, onde a floresta e a extrema umidade começam a tomar conta de tudo e com uma história misteriosa - e meio incompreensível para o adolescente metido a intelectual que eu era nos anos 1980. Sempre quis rever este filme, o que só fui fazer dia desses.
A história não era tão difícil de entender assim. Basicamente um guia (o "Stalker") tenta levar duas pessoas a uma "Zona" no meio de uma região abandonada, onde os desejos de cada um são satisfeitos. A sua mulher tenta de todas as maneiras que o guia não faça mais uma expedição, mas o "Stalker" não a obedece.
O filme - que merece o status de cult que tem até hoje - conta uma história profunda de fé e crença, e me lembrou demais a de
"Ordet" (1955), obra-prima de Carl Dreyer.
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Eu já era casado quando resolvi assistir a "Encontros e desencontros" (2003, Lost in translation, Sofia Coppola, 2003, 1h41min, Estados Unidos/Japão), mas não lembro quando foi. Certamente assisti ao filme em casa e não no cinema, e devo ter lido alguma crítica favorável que dizia que o filme era "leve e bom", ou coisa assim. Lembro que gostei bastante do filme mas, para mim, era isso mesmo: "leve e bom".
Revi dia desses. Bill Murray faz Bob Harris, um ator de seus cinquenta anos que está em Tóquio para algumas sessões de publicidade, não entende nada de japonês, e muitas cenas melancolicamente engraçadas são criadas a partir deste fato - aliás, a incompreensão da linguagem é um dos motivos para o título original, em tradução livre, se chamar "perdido na tradução". Bob Harris se encontra no hotel com Charlotte (Scarlett Johansson), a esposa de um fotógrafo que trabalha virtualmente o dia inteiro e a deixa sozinha no hotel.
Ambos se sentem meio perdidos e solitários em Tóquio, e eu não lembro de ter visto um filme onde tantos diálogos sem palavras são trocados entre dois personagens: Bob Harris, bem mais velho que a jovem Charlotte, parece saber tudo o que se passa na cabeça da moça apenas olhando para ela, e o inverso também vale. A interpretação sublime de Bill Murray e Scarlett Johansson faz com que "Encontros e desencontros" seja muito mais do que apenas um filme "leve e bom".
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Eu estava trocando de canal na TV a cabo muitos anos atrás quando assisti a uma cena chocante de guerra (não vou entrar em detalhes para não dar spoiler) em que participavam, no meio de vários soldados, os atores Liv Ullmann e Max von Sydow. Pela crueza da cena e pelos atores, logo pensei que era um filme de Ingmar Bergman, e eu estava certo. Poucos diretores são tão diretos - e mesmo chocantes - para tratar de algum tema importante quanto ele, e posso citar vários exemplos: a psicopatia ("Persona"), a sexualidade (
"O Silêncio"), a idade média ("O Sétimo Selo"), a perda da fé (
"Através de um espelho"), a dor ("Gritos e sussurros"). Apenas por um trecho eu vi que ele tratava a guerra da mesma maneira crua com que tratava outros assuntos.
O nome do filme em que aparecia a cena supracitada se chama "Vergonha" (1968, Skammen, 103 min). No filme, Jan e Evan Rosenberg (Max von Sydow e Liv Ullmann, citados acima) são dois músicos que vão viver em uma ilha para fugir da guerra civil que assola seu país. Assisti ao filme poucos meses depois de ter assistido àquela cena na TV a cabo, e o revi dia desses. Na revisão o filme me pareceu ainda melhor e mais chocante do que da outra vez.
(foto que acompanha o texto, de "Stalker", obtida na Far Out Magazine)
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