Ingmar Bergman

A Outra Terra – Uma pequena obra-prima de ficção científica
Cinema
A Outra Terra – Uma pequena obra-prima de ficção científica
13 de julho de 2025 at 18:46 0
Tudo começou quando a colunista da Folha, Lygia Maria, publicou em sua conta no X (@lygia_maria) que "A Outra Terra", filme de Mike Cahill de 2011, era sua resposta para a pergunta da conta @TheCinesthetic: "cite um filme que te surpreendeu, mas sobre o qual ninguém fala". Junto com a resposta, vinha a bela fotomontagem que acompanha este texto. Ao ver a imagem, que mostra uma "outra Terra" vista do nosso planeta, tive a intuição de que gostaria do filme – e comentei isso com a colunista –, mas não imaginava o quanto. "A Outra Terra" inicia com Rhoda Williams (Brit Marling), a protagonista, celebrando com amigos sua entrada no famoso MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Pouco depois, em uma cena no carro, ela ouve no rádio a notícia da descoberta de um novo planeta, semelhante à Terra, e visível no céu. Enquanto dirige, ela se inclina para fora da janela para observar este novo astro, chamado no filme de Terra 2, e acaba causando um acidente gravíssimo. Declarada culpada, Rhoda passa quatro anos na prisão. Ao sair, abandona os estudos, começa a trabalhar como servente de limpeza e tenta lidar com a culpa, buscando conversar com o motorista do carro que atingiu. Conforme o filme avança, a "Terra 2" vai se tornando cada vez maior no céu, e notícias sobre seu estranho comportamento são constantemente veiculadas em diversas cenas. "A Outra Terra" é filmado de maneira aparentemente amadora, frequentemente com cores dessaturadas e câmera na mão. Sua ausência de polimento faz com que não pareça um filme "cinematográfico" convencional. O clima, ao mesmo tempo lento e meio esquisito, me fez lembrar um dos meus filmes preferidos, "Império dos Sonhos" (Inland Empire), de David Lynch, de 2006 – embora este, é preciso dizer, seja bem mais estranho que "A Outra Terra". Além disso, a atuação de Brit Marling me remeteu bastante à grande atriz Liv Ullmann em filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), como "Gritos e Sussurros", "Persona" e "Cenas de um Casamento". Não só as duas são fisicamente parecidas, como possuem um estilo de atuação contido e minimalista, com uma notável capacidade de comunicar muito através dos olhos, transmitindo profundidade, sofrimento ou uma complexidade silenciosa. É importante ressaltar que, apesar de ser um filme de ficção científica, "A Outra Terra" mergulha em uma angústia existencial – a culpa – como se fosse uma obra do mestre sueco. No entanto, a solução para os conflitos suscitados ao longo do filme não me agradou tanto, provavelmente porque me lembrou que esta pequena obra-prima, por mais esquisita e existencial que seja, é, no fim das contas, uma história de ficção científica. *** Quem se interessar em receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
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Revendo filmes
Cinema
Revendo filmes
17 de novembro de 2024 at 15:23 0
Acho que foi no Cine Groff, na extinta Galeria Schaffer, no centro de Curitiba, que assisti a "Stalker" (1979, 2h43min, Alemanha/União Soviética), de Andrei Tarkovski. Um filme longo e lento, com algumas cenas coloridas e outras numa espécie de preto-e-branco em sépia, em cenários de construções decadentes ou abandonadas, onde a floresta e a extrema umidade começam a tomar conta de tudo e com uma história misteriosa - e meio incompreensível para o adolescente metido a intelectual que eu era nos anos 1980. Sempre quis rever este filme, o que só fui fazer dia desses. A história não era tão difícil de entender assim. Basicamente um guia (o "Stalker") tenta levar duas pessoas a uma "Zona" no meio de uma região abandonada, onde os desejos de cada um são satisfeitos. A sua mulher tenta de todas as maneiras que o guia não faça mais uma expedição, mas o "Stalker" não a obedece. O filme - que merece o status de cult que tem até hoje - conta uma história profunda de fé e crença, e me lembrou demais a de "Ordet" (1955), obra-prima de Carl Dreyer. *** Eu já era casado quando resolvi assistir a "Encontros e desencontros" (2003, Lost in translation, Sofia Coppola, 2003, 1h41min, Estados Unidos/Japão), mas não lembro quando foi. Certamente assisti ao filme em casa e não no cinema, e devo ter lido alguma crítica favorável que dizia que o filme era "leve e bom", ou coisa assim. Lembro que gostei bastante do filme mas, para mim, era isso mesmo: "leve e bom". Revi dia desses. Bill Murray faz Bob Harris, um ator de seus cinquenta anos que está em Tóquio para algumas sessões de publicidade, não entende nada de japonês, e muitas cenas melancolicamente engraçadas são criadas a partir deste fato - aliás, a incompreensão da linguagem é um dos motivos para o título original, em tradução livre, se chamar "perdido na tradução". Bob Harris se encontra no hotel com Charlotte (Scarlett Johansson), a esposa de um fotógrafo que trabalha virtualmente o dia inteiro e a deixa sozinha no hotel. Ambos se sentem meio perdidos e solitários em Tóquio, e eu não lembro de ter visto um filme onde tantos diálogos sem palavras são trocados entre dois personagens: Bob Harris, bem mais velho que a jovem Charlotte, parece saber tudo o que se passa na cabeça da moça apenas olhando para ela, e o inverso também vale. A interpretação sublime de Bill Murray e Scarlett Johansson faz com que "Encontros e desencontros" seja muito mais do que apenas um filme "leve e bom". *** Eu estava trocando de canal na TV a cabo muitos anos atrás quando assisti a uma cena chocante de guerra (não vou entrar em detalhes para não dar spoiler) em que participavam, no meio de vários soldados, os atores Liv Ullmann e Max von Sydow. Pela crueza da cena e pelos atores, logo pensei que era um filme de Ingmar Bergman, e eu estava certo. Poucos diretores são tão diretos - e mesmo chocantes - para tratar de algum tema importante quanto ele, e posso citar vários exemplos: a psicopatia ("Persona"), a sexualidade ("O Silêncio"), a idade média ("O Sétimo Selo"), a perda da fé ("Através de um espelho"), a dor ("Gritos e sussurros"). Apenas por um trecho eu vi que ele tratava a guerra da mesma maneira crua com que tratava outros assuntos. O nome do filme em que aparecia a cena supracitada se chama "Vergonha" (1968, Skammen, 103 min). No filme, Jan e Evan Rosenberg (Max von Sydow e Liv Ullmann, citados acima) são dois músicos que vão viver em uma ilha para fugir da guerra civil que assola seu país. Assisti ao filme poucos meses depois de ter assistido àquela cena na TV a cabo, e o revi dia desses. Na revisão o filme me pareceu ainda melhor e mais chocante do que da outra vez. (foto que acompanha o texto, de "Stalker", obtida na Far Out Magazine)
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“A Fonte da Donzela”, de Ingmar Bergman
Cinema
“A Fonte da Donzela”, de Ingmar Bergman
28 de março de 2021 at 18:29 0
Dias atrás eu pensei em fazer um texto aqui chamado “os cinco melhores filmes de Ingmar Bergman”, e achei que seria uma lista fácil, sem muitas dúvidas. A lista teria “Persona”, “Gritos e Sussurros”, “O Sétimo Selo”, “Sonata de Outono” e “Morangos Silvestres”. Dos cinco, o único que fazia muito tempo que eu não revia era o último, então eu precisaria assisti-lo de novo antes de escrever o texto. Para tirar alguma dúvida que eu tivesse ainda, resolvi assistir a mais alguns filmes do grande diretor sueco, nascido em 1918 e falecido em 2007, para garantir que minha escolha dos cinco filmes fosse a mais fiel possível com o meu gosto pessoal. Tudo bobagem, claro, mas justificável por meu amor por listas e por Bergman. Enfim, o primeiro que eu revi recentemente pensando nessa lista de “cinco melhores de Bergman” foi “Noites de Circo”, de 1953, que me pareceu um pouco pior do que eu me lembrava – foi o primeiro filme dele a que eu assisti, ainda na Cinemateca do Museu Guido Viaro, o ponto inicial de uma admiração que nunca esmoreceu. Pouco antes disso, revi a “Trilogia do Silêncio”, conforme comentei aqui, que não tem nenhum filme entre os cinco melhores dele – na minha opinião, claro. Depois veio a “A Fonte da Donzela” (Jungfrukällan), de 1960, a que só tinha assistido uma vez, e que não tinha me agradado: o filme, que conta uma história trágica que se passa na Idade Média sueca, me pareceu tão violento que acabou desprovido de sentido. Na revisita ao filme, a surpresa: um filme brutal, sim, mas forte, poderoso, e com um significado religioso profundo – isso sem contar na interpretação extraordinária de Max von Sydow. Nem vou comentar nada porque não quero dar spoiler. Mas garanto: para mim, “A Fonte da Donzela”, que ganhou merecidamente o Oscar de Filme Estrangeiro, já desbancou o grande “Morangos Silvestres”, de 1957, que também acabei revendo recentemente. (fonte da foto: Pinterest)
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