abril 2019

Literatura
“Desgracida”, de Dalton Trevisan
21 de abril de 2019 at 12:27 0

Muitos dos textos da segunda parte (“Mal Traçadas Linhas”) de “Desgracida”, de Dalton Trevisan (Record, 237 páginas) eu já tinha lido na compilação “Até tu, Capitu?”, da L&PM, já comentada por aqui. São textos em que o grande curitibano fala de literatura com uma franqueza pouco usual (fala mal de Guimarães Rosa e de “O general e seu labirinto”, de Gabriel García Márquez).

Já na primeira parte de “Desgracida”, chamada “Ministórias” (e que ocupa mais de 90% do livro), por outro lado, temos o Dalton Trevisan dos livros mais recentes (o livro publicado em 2010), cada vez mais conciso, contando histórias com grande dramaticidade em poucas linhas. Por exemplo, veja-se ou “O Braço Armado”, que consiste numa única frase: “O filho é o braço armado da mãe contra o monstro do pai”, ou “A Chupeta”, reproduzido a seguir:

“Ele confisca a chupeta da filha, que se consola sugando os pequeninos dedos.
Ah é? Não aprende?
E o pai queima com a brasa do cigarro todos os dedinhos.”

Mas Dalton Trevisan também sabe ser agridoce, como em “Amor de Velha”:

“O velho geme, espirra, tosse – e que tosse!
A velhinha, no fundo da cama:
‘Isso mesmo. Continue assim. Não se cuide.’
‘…’
‘Nada como um inverno bem frio.’
‘…’
‘Faça de mim na primavera a mais faceira das viúvas alegres.’”

Ou de humor ingênuo, como em “Nome Difícil”:

“A visita:
‘Bidu, como é o nome do teu pai?’
‘Raruruul…’
Isso mesmo, Raul.
‘Nossa! Que difícil.’
A pivete, dois aninhos:
‘Né, não.’
‘?’
‘Eu só chamo ele de pai.’”


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Literatura
“’Ecos de mi pluma’ – Antología em prosa y verso”, de Sor Juana Inés de la Cruz
14 de abril de 2019 at 14:52 0

Mexicana-espanhola (o México era uma colônia espanhola durante sua vida), Sor Juana Inés de la Cruz (1648-1695) teve uma biografia para lá de inusual: resolveu ser monja – da ordem de São Jerônimo – porque gostava tanto de estudar que achava que a vida religiosa lhe daria a paz necessária para seus estudos. Escreveu comédias, autos sacramentais, exercícios espirituais e uma polêmica argumentação teológica. Deixou também duas cartas, uma dirigida a seu confessor, o jesuíta Antonio Nuñez de Miranda, outra ao bispo de Puebla, Manuel Fernández de Santa Cruz, que contêm valiosíssima informação autobiográfica. Mas foi como poetisa - profana e religiosa – pertencente ao estilo barroco que conseguiu destaque na literatura já em vida, e hoje é considerada um dos maiores expoentes do chamado “Século de Ouro” espanhol.

“’Ecos de mi pluma’ – Antología em prosa y verso” é uma edição conjunta da Penguin-Random House Grupo Editorial e da Universidad Nacional Autónoma de México (408 páginas), e dá um apanhado abrangente da poesia da Sor Juana Inés de la Cruz, além de apresentar as duas cartas citadas acima.

As poesias escolhidas têm uma grande variedade de temas: a ciência (“Primero Sueño” era considerada pela própria poetisa sua obra-prima), o estudo, elogios a pessoas proeminentes, jogos de adivinhação. Um dos temas principais – o que mostra a ousadia da monja – é o amor. A leitura da antologia apresenta dificuldades para o leitor não-especializado no barroco espanhol, conforme as palavras de Martha Lilia Tenorio, a organizadora da edição:


“(...) a poesia barroca está muito distante de nós, e o leitor não habituado a ela topará com usos linguísticos e recursos estilísticos que desconhece ou não entende.”

Para minimizar a dificuldade na leitura das poesias de Sor Juana Inés de la Cruz para o leitor contemporâneo, Martha Lilia Tenorio inseriu um grande número de notas de pé-de-página na edição da antologia: de fato, estas notas esclarecem os muitos trechos obscuros das poesias, mas com perda no ritmo na leitura.

Já as duas cartas escritas pela poetisa presentes na antologia são respostas a acusações, respectivamente de Antonio Nuñez de Miranda e Manuel Fernández de Santa Cruz, de que se dedicava demais à poesia profana e ao estudo: nelas, a grande poetisa mostrava ter também clareza nas ideias e grande capacidade argumentativa.

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Séries
Tabula Rasa
7 de abril de 2019 at 16:38 0
fonte: Netflix

A situação de Annemie D'Haeze (Veerle Baetens, sensacional) está para lá de complicada: teve um acidente de carro que a fez perder toda a memória dos acontecimentos ocorridos antes dele, e é acusada do desaparecimento de um rapaz que ela nem se lembra de ter conhecido. Esse é o mote principal de “Tabula Rasa”, brilhante série belga da Netflix, produzida em 2017, com nove episódios de cerca de 50 minutos cada um.

“Tabula Rasa” é contada pelo ponto de vista de Annemie, e o espectador sofre junto com ela – como não se sabe o que aconteceu, basicamente todos os personagens são suspeitos, a incerteza é uma constante e os fatos são contados de maneira diferente à medida que a série transcorre – e há espaço até para o sobrenatural. Tanto as atuações dos atores, como o desfecho da história são brilhantes. Não tem como recomendar demais “Tabula Rasa”.

Como comentário complementar, tenho notado como as séries não americanas da Netflix têm atuações, em média, melhores que as suas correspondentes americanas. Posso destacar nesse sentido as séries “Dark” (Alemanha), “Fauda” (Israel), “Nobel” (Noruega), “The End of the F***ing World” (Reino Unido). A razão disto deve ser, simplesmente, a quantidade: como os Estados Unidos produzem a grande maioria das séries da Netflix, é inevitável que a qualidade média da atuação acabe diminuindo um pouco, enquanto que os outros países podem caprichar mais nesse sentido.

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