Duas coletâneas publicadas pela L&PM, com textos e contos publicados anteriormente pela Record, mostram aspectos distintos da obra do mestre Dalton Trevisan.
“A gorda do Tiki Bar” apresenta o escritor que conhecemos. O tema principal da coletânea é o sexo: um professor com uma aluna (“O mestre e a aluna”), uma professora com um aluno (“Capitu sou eu”), uma mulher abandonada (“O vestido vermelho”), um deficiente mental (“Ó doce cantiga de ninar”), homens com garotas menores de idade (“Duas normalistas”, “Prova de redação”), um estupro (“Você é virgem?”). A coletânea ainda vem com desenhos, a maioria de cunho erótico, a cargo de diferentes ilustradores.
Mais surpreendente é “Até você, Capitu?” (110 páginas), que apresenta o lado de escritor de “não-ficção” do curitibano. Nele, Dalton Trevisan critica os que acham que Capitu não traiu Bentinho (“Até tu, Capitu?”), dá diretas e indiretas para pessoas que o leitor fica sem saber quem são (“Cartinha a um velho poeta”, “Santíssima e patusca”, “Chupim crapuloso”, “Edu e o cheque”, “Cartinha a um velho prosador”), debocha do seu próprio trabalho (no genial “Quem tem medo de vampiro”), critica impiedosamente os poetas curitibanos Helena Kolody (“Emiliano redivivo”) e Emiliano Perneta (“Emiliano”) e escritor mineiro Guimarães Rosa (“Grande Sertão”), apresenta seu agradecimento a um prêmio literário (“Agradecimento”), elogia Pedro Nava (“Meu caro Nava”), Tchékhov (“Tchékhov”), Rubem Braga (“Rubem”), Otto Lara Resende (“Meu caro Otto”) e o jornalista francês Paul Léautaud (“Léautaud”). Mas o que ele gosta mesmo é de falar de Machado de Assis – tema recorrente na coletânea –, quase sempre com superlativos elogiosos.
Reproduzo alguns trechos de “Até você, Capitu?”, a seguir, para dar uma ideia da incrível verve do nosso grande escritor:
0“Se Escobar, esse ‘filho de um advogado de Curitiba’ (ai de ti, pode vir alguma coisa boa de Curitiba), outro finório e calculista (…)” (sobre o personagem que trai o narrador Bentinho, de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, com Capitu)
“Aos homens preferiu sim, o pobre cão e o pobre gato. E por sua heroica vida franciscana, segundo o abade Mugnier, mereceu (apesar das muitas fraquezas e pequenas maldades) decerto a salvação – tantos cães e gatos falarão tanto por ele no Juízo Final.” (sobre Léautaud)
“Mau, mas meu – pipia você, grão-barão patusco. Mau sim, nem seu, paráfrase, pasticho, pálido eco alheio. Quem dera do grande Manu, do velho Eliot. Em todo versinho insiste nas rosas babosas do Amor: não fosse pai, jurava que nunca viu uma mulher nua. Por que tanto repete nadinha de nada? Não sabe de que recheio os sonhos são feitos. Jamais leu no coração da amada, esse ninho de tarântulas cabeludas.” (“Cartinha a um velho poeta”)
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