outubro 2024

Mgła
Música
Mgła
27 de outubro de 2024 at 11:41 0
A culpa é de um cantor de black metal eslovaco chamado "cikindeles", cujo endereço no Instagram está aqui. Em seus Reels, ele cria historinhas hilárias, frequentemente com maquiagem de corpse paint (a pintura típica do estilo), junto com sua filha de uns oito anos de idade. Vendo o cantor com aquela máscara assustadora brincando de balé com a filhinha, por exemplo, é das coisas mais engraçadas da internet. Não à toa ele está, no momento (segunda metade de 2024) com 437 mil seguidores. Enfim, não só virei fã da conta do cantor, como as músicas de black metal que ele coloca como fundo para seus vídeos me deram uma saudade enorme deste tipo de som, que meio que parei de ouvir no começo dos anos 2010 - arredondando, uns quinze anos atrás. Quem me conheceu na época soube da minha obsessão pelo estilo. Bem, além de voltar a ouvir Burzum, Velvet Cacoon e Drudkh (minhas bandas preferidas de black metal), resolvi procurar saber por cima o que de importante aconteceu no gênero nos últimos anos. Acabei caindo num canal do YouTube informativo e divertido de um alemão cujo pseudônimo é Farvann  (segundo a Encyclopaedia Metallum, a Wikipédia do metal, seu nome real é Frank Busch), que é também o único membro de uma banda chamada Dubartuluk. Em um vídeo chamado "The best BLACK METAL Bands of all time (according to YOU guys)", Farvann apresenta as melhores bandas de black metal segundo os inscritos na página. As escolhidas pelo público englobaram bandas que são figurinhas carimbadas neste tipo de lista, todas criadas entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 (como Mayhem, Burzum, Darkthrone e Ulver), com uma única exceção: a banda polonesa Mgła, formada no ano 2000, e da qual eu nunca tinha ouvido falar - para minha defesa, seu primeiro álbum completo é de 2008, e seu disco mais conhecido e considerado sua obra-prima, "Exercises in futility", é de 2015. Aquilo me deixou curioso. Fiz a procura "best black metal bands" no Google e a foto do Mgła aparece em nono na sequência, sendo a primeira criada depois do início dos anos 1990 - as primeiras oito, claro, são as conhecidas do "grande público": Mayhem, Darkthrone, Bathory, Emperor, Burzum, Dissection, Immortal e Gorgoroth. Esta curta pesquisa me fez perceber que o Mgła agrada a ouvidos de fãs do black metal tradicional. Enfim, baixei a playlist "This is Mgła", do Spotify, e confesso que não estava preparado para o que ouvi - assim como não estava preparado para a maravilhosa playlist "This is The Brian Jonestown Massacre", conforme comentei aqui. O Mgła é uma banda de black metal de energia incomum. O vocal grave e poderoso, as guitarras rápidas e violentas, a velocidade absurda do baterista e as impressionantes melodias formam um conjunto espetacular, que, assim como o Brian Jonestown Massacre citado acima (que é de um estilo completamente distinto), simplesmente não dá vontade de parar de ouvir. As letras são poéticas e desesperançadas. O nome da banda se pronuncia aproximadamente como "mm-guá" (ver aqui), e significa "névoa" em polonês. A banda é formada por dois membros, M. (pseudônimo de Mikołaj Żentara) no vocal, guitarras e baixo, e Darkside (pseudônimo de Maciej Kowalski) na bateria. Das apresentações ao vivo dois outros músicos participam, The Fall (pseudônimo de Michał Stępień) e E.V.T. (pseudônimo de Piotr Dziemski). Todas estas informações obtive no Encyclopaedia Metallum. Ao vivo, todos os quatro integrantes cobrem o rosto com um pano preto - não sei quanta transparência ele tem -, vestem um moletom da mesma cor, deixando o capuz sobre a cabeça e, em cima de tudo isso, uma jaqueta preta de couro. O visual impressiona. Normalmente não gosto muito vídeos de apresentações de rock ao vivo, mas as do Mgła são espetaculares (recomendo esta aqui, de um concerto na Lituânia em 2017, por exemplo). São muitos os vídeos com reacts positivos das músicas da banda, e posso citar: este aqui, do canal The Adventures of TNT, apresenta uma bela descrição do "ambiente" criado pelo black metal (e o dono do canal é negro, só para reforçar como é imbecil quem defende que "white metal is for black people"); neste aqui, do canal The Wolf HunterZ, sobre uma gravação de uma apresentação ao vivo com a câmera mostrando apenas o baterista da banda, o rapaz do casal que apresenta o canal defende que aquele músico não deve ser humano, mas um robô ou alien; o casal de cristãos do canal VinAnd Sori apresenta vários vídeos discutindo as letras profundas da banda; finalmente, o canal de Alex Hefner tem dois vídeos (aqui e aqui) em que ele demonstra a alegria de ter tomado conhecimento do som do Mgła - alegria que eu também sinto.
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Revisitando livros lidos na adolescência
Literatura
Revisitando livros lidos na adolescência
20 de outubro de 2024 at 13:04 0
É sempre interessante reler livros lidos há muito tempo. Recentemente revisitei dois autores que não lia há mais de trinta anos já. Eu conheci o escritor norte-americano Charles Bukowski (1920-1994) pelas críticas sempre favoráveis da Revista Veja a respeito de sua obra. Li cinco livros do autor na adolescência, e lembro eles tinham uma estrutura meio circular, quase sempre com os mesmos temas: bebedeiras homéricas, sexo desenfreado com mulheres meio perdidas, sem grandes objetivos na vida - como o narrador/autor, aliás -, apostas em corridas de cavalo, mudanças constantes de um subemprego para outro, o início da fama na literatura. Lembro que eu não considerava a obra de Bukowski como "literatura séria" - eu amava Thomas Mann, na época, para que se tenha uma ideia -, mas me sentia atraído por aquelas histórias malucas. Enfim, um belo dia emprestei meus cinco livros de Bukowski para alguém que não lembro até hoje quem era, e que nunca me devolveu - e nunca mais tive contato com o autor. Alguns meses atrás passei na frente de um sebo e lá estava com destaque este "Crônicas de um amo louco - ereções, ejaculações e exibicionismos - Parte I" (L&PM, tradução de Milton Persson, 320 páginas, publicado originalmente em 1967), e resolvi comprá-lo. A releitura me revelou um escritor muito melhor do que eu me lembrava: sua perspectiva às vezes divertida e quase sempre carinhosa de seus personagens à margem da sociedade e, frequentemente, desencantados, é coisa de um grande escritor. No que depender de mim, vou continuar lendo - e relendo - Charles Bukowski por muito tempo ainda. Com o escritor italiano Alberto Moravia (1907-1990) a minha relação era ao mesmo tempo parecida e diferente. Ele também tinha ótimas críticas na Revista Veja e suas histórias eram fortemente sexuais; mas, ao contrário de Bukowski, ele tinha um verbete nas páginas principais da Editora Abril. Na minha mente de adolescente meio exibido e fanático por literatura, isto fazia uma grande diferença. Li nos anos oitenta três livros de Alberto Moravia, e dois deles, o romance "A Romana" e este "A coisa", de contos, me impactaram enormemente. Sempre tive na cabeça a ideia de que deveria reler Moravia: ainda não revisitei o romance, mas reli o outro citado recentemente. "A coisa" (Difel, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, 268 páginas, lançado originalmente em 1983) é composto por histórias que envolvem, frequentemente, sexualidade, política e/ou mistério com  toques sobrenaturais. Os primeiros contos do livro são mais longos, e parece que Moravia foi ficando com preguiça à medida que o escrevia, já que os contos vão diminuindo em tamanho - e também em qualidade - à medida que as páginas vão transcorrendo. Os mais impressionantes são: aquele que dá título à coletânea, em que "a coisa" é uma tara estranha de um casal de lésbicas; "Ao deus desconhecido", em que uma enfermeira presta pequenos favores a seus pacientes homens num hospital; "A mulher da capa preta", uma história selvagem e misteriosa sobre dois viúvos que se hospedam num mesmo hotel; e "O cinto" e "O sinal da operação", duas histórias que hoje em dia seriam consideradas politicamente incorretas, uma sobre violência doméstica, outra sobre um padrasto e sua enteada. Se os melhores contos são grande literatura, mesmo nos piores a escrita de Alberto Moravia faz o leitor nunca perder o interesse. No que depender de mim, vou continuar lendo - e relendo - Alberto Moravia por muito tempo ainda.  
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Renascer
Televisão
Renascer
13 de outubro de 2024 at 14:27 0
Graças ao advento da Globoplay, eu e a Valéria assistimos a novelas da Globo como se fossem séries da Netflix. Assim, já vimos Nos tempos do Imperador (comentada aqui) e Terra e Paixão. Há mais ou menos um mês acabamos de assistir a Renascer (poucas semanas depois do final "real"), refilmagem da novela de mesmo nome lançada em 1993. Foi uma vantagem para nós não termos visto nada da primeira versão, o que fez com que a história do dono de fazendas de cacau José Inocêncio (vivido por Marcos Palmeira), seus quatro filhos - três formados na universidade, e outro que viveu toda a vida na fazenda da família, sempre em conflito com o pai - e o grande amor de sua vida, Maria Santa - que morre no parto do seu filho mais novo - fosse quase toda novidade para nós. Assim como ocorreu com Terra e Paixão, Renascer também teve muitas cenas de fundo didático, em que as personagens faziam longos e cansativos discursos de fundo politicamente correto. Além disso, como em quase toda a novela, muitas cenas pareciam simplesmente criadas para fazer passar o tempo, sem nenhum interesse ou importância para a trama. Mas isso tudo não invalida as muitas qualidades de Renascer: a fotografia deslumbrante (a cena inicial me remeteu a "Deus e o diabo na terra do sol", do grande Glauber Rocha), as belíssimas paisagens, uma trama bastante movimentada em boa parte do tempo e alguns ótimos personagens e atores: destaque  para o matador de aluguel Damião (vivido pelo rapper Xamã, afetivo e assustador ao mesmo tempo), a empregada da fazenda Inácia (Edvana Carvalho, brilhante), o dono do bar Norberto (só mesmo Matheus Nachtergaele para conversar com o espectador sem parecer ridículo), a moradora da fazenda Zinha (Samantha Jones), que tentava - e não conseguia - esconder sua enorme doçura atrás de um mau humor frequente, e o "turco", que era libanês, Rachid (Almir Sater, que mostrou seus grandes dons musicais em muitas cenas da novela) . Mas o grande destaque fica mesmo para Mariana, a segunda esposa de José Inocêncio, um personagem dúbio e misterioso, vivido por uma extraordinária jovem atriz chamada Theresa Fonseca. Enfim, agora estamos assistindo à nova novela das nove, Mania de Você, e estamos nos divertindo muito com a sua trama maluca. (foto que acompanha o texto, com a Mariana vivida por Theresa Fonseca, obtida no site Notícias na TV)
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“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
Ciência
“A ordem do tempo”, de Carlo Rovelli
5 de outubro de 2024 at 22:24 0
Em "A ordem do tempo" (Objetiva, 189 páginas, tradução de Silvana Cobucci, lançado originalmente em 2017), o físico italiano Carlo Rovelli, além de apresentar um painel de como o tempo tem sido analisado por filósofos e cientistas desde a Antiguidade Clássica, defende uma teoria fascinante e provocadora: tendo em vista que, na escala do átomo, as equações da física quântica não necessitam da variável tempo para serem resolvidas, a nossa sensação de que o tempo passa - do passado para o futuro - é causada pela Segunda Lei da Termodinâmica.  De maneira muito simplificada, esta lei diz que um sistema fechado sempre tende a um aumento da entropia, ou seja, da desordem, e não há como voltar ao estado anterior. Um ovo quebrado tem mais entropia que um inteiro - e não há como fazer a operação inversa de quebrar um ovo. Segundo Carlo Rovelli, como é sempre necessário o fator tempo - indo do passado para o futuro - para que a  entropia aumente, o aumento de calor causado por este crescimento da desordem é o que dá a sensação da passagem do tempo nos seres humanos. Mesmo nossos pensamentos são causados por atividade neuronal que literalmente esquenta nossas cabeças, e por isso nosso cérebro tem a sensação de que o tempo passa em apenas uma direção. Estava tudo indo bem quando, no final de "A ordem do tempo", Rovelli começa a filosofar sobre o sentido da vida e, como sempre acontece nesses casos, o sono e a preguiça de continuar a leitura tomam conta dos meus pensamentos. Já tinha acontecido isso comigo com livros de divulgação científica de Richard Dawkins, Marcelo Gleiser e outros do próprio Rovelli. Como disse a polêmica - e divertida - física alemã Sabine Hossenfelder num brilhante e curto vídeo chamado "Religion and science have the same roots" ("religião e ciência têm as mesmas raízes"), cientistas frequentemente entram no campo da religião (tradução aproximada para "doing religion") quando falam das "grandes questões" (criação e o sentido da vida, eu poderia citar) e - ainda segundo ela - não há nada de errado com isso, desde que eles assumam que estão fazendo isso. Quanto a mim, poucas coisas me dão mais tédio do que cientistas ateus filosofando, tentando dar um sentido positivo à vida.
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