– De jeito nenhum, delegado.
– Mas como assim, como é que você pode ter certeza?
– Tenho. Ele é um poeta, um homem estudado…
– Poetas e homens estudados não podem acreditar?
– Eu acho que não.
– Mas você sabe que a coisa não é bem assim, né?
– Eu acho que nenhum homem estudado, com talento, pode acreditar em Deus.
– Tá, vá lá, então o Morrissey não acredita em Deus e escreveu uma música chamada I have forgiven Jesus porque na verdade queria falar do seu desejo de matar alguém.
– Qualquer um pode ver isso, delegado… ah lá: Why did you give me so much desire? / When there is nowhere I can go / To offload this desire? Tá aí. Tá com desejo de matar.
– Ele disse que está com desejo de amor, é só ler a continuação da letra: And why did you give me so much love / In a loveless world / When there is no one I can turn to / To unlock all this love? Então você está dizendo que o amor que ele fala aqui é “metafórico”?
– Claro.
– Baseado exatamente no quê?
– Se fosse desejo de sexo, e aí até eu poderia aceitar, ele ia falar sexo, não amor. Ou você acha que um cara que tem tanto desejo assim de amor ia reclamar de falta de amor? Ninguém tem desejo assim de amor!
(“Morrissey” é a segunda novela do meu livro “O verão de 54 (novelas)”, a ser publicado em meados deste ano)
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