Segue abaixo o prefácio do meu livro “O verão de 54 (novelas)”, a ser publicado brevemente, escrito pelo escritor, tradutor, editor, professor e conferencista Robertson Frizero.
0Há um conceito musical que se aplica perfeitamente ao livro que tens em mãos, caro leitor. Na música, chamamos rapsódia a um tipo de composição que reúne, em um só movimento, diferentes temas musicais que, sem seguir uma estrutura pré-definida, encantam por sua variedade de temas, tons e intensidade. Nesse sentido, O Verão de 54 pode ser visto como uma grande e multifacetada rapsódia literária que nos apresenta Fabrício Muller.
Composto por quatro novelas, a obra mostra a imensa capacidade narrativa de Muller, nada espantosa para os que conheceram o escritor em seu seu romance de estreia, Um amor como nenhum outro, um romance de formação que merece ser descoberto pelos leitores brasileiros. Seguindo a ideia de uma rapsódia narrativa, cada uma das novelas tem seu universo particular e – como traço inegável de domínio da escrita – uma estrutura narrativa própria e absolutamente distinta dos demais. Se o cenário une essas quatros novelas – o livro é universalmente curitibano –, cada uma das histórias encantará o leitor por diferentes razões.
A novela-título, Verão de 54, é uma das mais bem sucedidas experiências metalinguísticas que já li em forma de narrativa longa; a história de inocência e ousadia desse jogo farsesco proposto por Muller é entremeada pela voz desse autor onisciente intruso, que tudo sabe e sobre tudo opina – e que nos convida a acompanhar o próprio ato de criação, tornando-se quase uma aula sobre o ofício de escritor.
Morrissey é uma ousada novela em modo dramático, contada do início ao fim em um diálogo do qual o leitor dificilmente conseguirá se desprender; os fãs do cantor irão se deliciar com cada canção aqui recordada, e será impossível para quem não as conhece fugir da tentação de buscá-las de imediato. Não creio exagerar ao dizer que o próprio homenageado se divertiria muito ao ler essa narrativa policial que traz o vocalista do The Smiths até Curitiba na tentativa de solucionar uma série surpreendente de crimes.
Conversão é, em termos de estrutura, a mais tradicional das quatro partes desta rapsódia; a forma como o autor escolheu para abordar a questão central dessa novela – a fé –, no entanto, é inusitada e tão verossímil que certamente encontrará eco na experiência de vida de muitos leitores. Seu final é um bom exemplo de uma das principais características da literatura de Muller, um autor que oferece caminhos ao leitor, mas nunca respostas prontas; que confia na capacidade intrínseca do homem em buscar razões e preencher lacunas; que sabe usar a escrita para suscitar reflexões que vão muito além das obviedades cotidianas.
Sorry, o quarto movimento desta obra, é uma história deliciosa. Traz a voz narrativa de uma aluna da nona série, com todos os seus maneirismos e gírias, mas sem que isso ganhe tintas de exagero. É uma divertida história de amor adolescente temperada por pequenos tabus e estranhamentos, um refrigério que, ao final da rapsódia, deixa o ouvinte desejoso de conhecer mais e mais histórias cantadas por Muller.
Preciso apropriar-me desse autor intruso que surge em vários momentos deste livro para dizer que não há erros aqui – falo de ouvinte e histórias cantadas porque a música está intrinsecamente ligada a este Verão de 54. Fabrício Muller tem um texto musical, para ser lido em voz alta, e um sentido de composição e harmonia que remete aos grandes mestres daquela outra grandiosa forma de arte. Permita-se ouvir suas histórias como se as personagens estivessem vivendo cada episódio diante de seus olhos, leitor. Atesto que será um sarau particular – ou um concerto de rock – dos mais agradáveis.
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Já estou louco pra ler.