Maria João Pires

Sobre Trilogias e Trios
Cinema, Literatura, Música
Sobre Trilogias e Trios
23 de março de 2025 at 17:31 0
É impressionante como, pelo menos para mim, em termos de qualidade literária as trilogias “MaddAddão” de Margaret Atwood, e “Os caminhos da liberdade”, de Jean-Paul Sartre, são similares. Citando primeiro as obras da escritora canadense, e depois as do existencialista francês, ambas começam com uma obra-prima - “Oryx e Crake” e “A idade da razão” -, continuam com livros ruins - “O ano do dilúvio”, sobre o qual comentei aqui, e “Sursis”, simplesmente ilegível - e terminam com algo um pouco melhor, mas mesmo assim nada demais: “MaddAddão”, lido recentemente (Rocco, 448 páginas, traduzido por Márcia Frazão) e “Com a morte na alma”. Também as trilogias têm em comum o fato de eu terminado de lê-las me irritando por continuar a leitura – com um pouco de “morte na alma”, eu diria. *** Estava navegando na internet dia desses quando vi uma foto do cartaz de “MaXXXine” (que é a foto que acompanha este texto), filme de 2024 do diretor Ty West lançado em 2024 (104 min), e fiquei curioso por assistir. Acabei descobrindo que o filme era a terceira parte de uma trilogia do mesmo diretor, chamada “X”, também formada por “X – a marca da morte”, de 2022 (105 min), e “Pearl”, também lançado em 2022 (102 min), e assisti aos três recentemente, todos pela Prime Video. Mia Goth - que é uma atriz britânica filha de uma brasileira e que viveu por aqui parte de sua juventude, e é neta da importante atriz Maria Gladys - não só é atriz principal dos filmes, como atuou como corroteirista e coprodutora de em alguns deles. “X – a marca da morte” fala sobre um grupo que vai rodar um filme pornográfico numa casa numa fazenda no interior dos Estados Unidos – e é lá que coisas estranhas começam a acontecer. Mia Goth faz ao mesmo tempo a “mocinha” – por falta de uma palavra melhor - e a vilã do filme, e é como a personagem malvada que ela retorna em “Pearl”, uma prequel que conta a juventude dela. Finalmente, “MaXXXine” é a continuação de “X – a marca da morte”, retomando a história da “mocinha” do primeiro filme da trilogia. Confesso que meu conhecimento sobre terror gore é basicamente inexistente, mas gostei muito da trilogia “X”. Mia Goth é estranha, sensual e misteriosa, e é o grande destaque dos filmes – não à toa, Martin Scorcese e Stephen King confessaram admiração por seu trabalho. *** Para que terminar este texto com o disco com o álbum “Piano Trios Nos. 1 Op.8 & 2 Op. 87”, de Johannes Brahms, com o violinista Augustin Dumay, o violoncelista Juan Wang e a pianista Maria João Pires? Não sei, na verdade. Afinal de contas, são dois trios para piano, e não trilogias! Sei lá. Acho que é porque eu queria comentar que, nestas obras, Johannes Brahms não cansa o ouvinte com tanta beleza: quando você acha que um trecho não pode ser mais lindo, ele vem com outra coisa mais maravilhosa ainda. Não canso de ouvir, há anos já. E a pianista portuguesa Maria João Pires não parece deste mundo, de tão perfeito que é o seu toque. *** Se você quiser receber meus textos semanalmente, clique aqui e cadastre seu e-mail.
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“Essentials”, com Hélène Grimaud
Música
“Essentials”, com Hélène Grimaud
14 de maio de 2023 at 14:48 0
Para um não-músico como eu, provavelmente o grande segredo para ouvir música clássica de maneira um pouco mais aprofundada seja ouvir a mesma peça com dois ou mais intérpretes diferentes. Por exemplo, eu tinha muitos LPs de peças de teclado de Bach com o pianista brasileiro João Carlos Martins, e era o que eu conhecia em termos de interpretação de piano do grande compositor alemão. Até hoje lembro do choque que foi ouvir o vol. I das Toccatas de Bach (BWV 910, 912, 913) com o pianista canadense Glenn Gould, depois de comprar o disco – muito bem recomendado pela Veja, é bom que se diga. As peças, que na verdade eu nem sabia que existiam na época, eram executadas com um brilho e uma emoção que eu simplesmente não conseguia perceber em João Carlos Martins. Parecia outro mundo. Lembro de uns outros poucos exemplos: Vladimir Horowitz e a NBC Symphony Orchestra regida por Arturo Toscanini pareciam movimentar todo o cosmo para executar o Concerto para Piano n.2, apesar das péssimas condições de gravação feita em 1940, enquanto a versão da mesma peça na Coleção Mestres da Música, da Editora Abril, parecia nunca sair de um torpor eterno. O monumental ciclo Das Lied von der Erde (A Canção da Terra) de Gustav Mahler com Jessie Norman e Jon Vickers e a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis parece revolver o que há de mais profundo na alma humana, enquanto uma versão que comprei em CD, não lembro com quem, parecia executada por uma série de robôs com preguiça. Infelizmente, nem sempre me dediquei o suficiente para comparar a mesma peça com diversos intérpretes. Mesmo assim, algumas coisas, para meus ouvidos não treinados, chamaram a minha atenção e parecem excepcionais por si, sem o reforço da comparação com outras versões. Posso citar neste caso as Sonatas para Violoncelo de Brahms com Mstislav Rostropovitch e Rudolf Serkin, o Concerto n. 4 para Piano e Orquestra de Beethoven com Claudio Arrau e a Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis, ou Trios para Piano K. 496 e K. 502 de Mozart com Maria João Pires, Augustin Dumay e Jian Wang. Tudo isso para chegar no disco lançado no início de 2020 pela Deutsche Grammophon “Essentials”, da pianista francesa Hélène Grimaud, que também atua na preservação de lobos (!) nos Estados Unidos. Peças que eu já conhecia com outros intérpretes - como o Noturno em Mi Menor Op. 72, n.1 de Chopin, o Prelúdio e Fuga n.1 BWV 846 de Bach ou a Melodia do “Orfeu e Eurídice” de Gluck com arranjo de Sgambati -, ou peças que eu nunca tinha ouvido antes - como a Bagatelle I de Valentin Silvestrov, Breathing Light de Nitin Sawhney ou 6 Romanian Folk Dances, BB 68, Sz. 56: I. Stick Dance de Béla Bartók - parecem levar a música a outro patamar. Às vezes eu sinto que Hélène Grimaud parece não ser deste mundo. Que coisa linda, minha gente.
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