Hélène Grimaud

Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
Música
Quem é vivo sempre aparece: 1. Hüsker Dü
3 de março de 2024 at 15:35 0
Vendo aqui a relação das coisas que tenho ouvido ultimamente, além dos preferidos de sempre da casa (a pianista Hélène Grimaud, Bones, Elvis Presley, Arctic Monkeys, Bach), percebi que boa parte são músicas que eu já tinha deixado de lado há anos, às vezes décadas, e sobre as quais nunca comentei aqui. Pensei então em criar uma nova série no site sobre estes sons retomados depois de muito tempo, nos moldes daquela sobre os livros que minha mãe amava. Só que o título da série não vinha nunca. “Das profundezas da memória”? “Inéditos no site”? “Deixados de lado, mas nunca esquecidos”? Todos eles me pareceram meio pedantes, meio autoindulgentes. “Quem é vivo sempre aparece”, por outro lado, apesar de ser falso em muitos casos (Lester Young, por exemplo, o próximo da lista, já é falecido), é engraçadinho, com o tipo de humor infame que me agrada sobremaneira. O primeiro da lista desta nova série, a banda americana Hüsker Dü, é um dos mais difíceis de comentar, por um motivo que logo conto. A banda existiu entre 1979 e 1987 e era do estado americano do Minnesota. Segundo o AllMusic, o grupo foi um “trio punk influente de Minneapolis que conciliava habilmente a introspecção barulhenta de Bob Mold com o romantismo pop mordaz de Grant Hart”. Como muita coisa nos anos 1980, comprei os dois álbuns da banda lançados por aqui (“Candy Apple Grey” e “Warehouse: Songs and Stories”, duplo) por influência da revista Bizz, e várias coisas me chamaram a atenção neles. Praticamente todas as músicas eram assinadas e interpretadas ou pelo baterista Grant Hart (falecido em 2017) ou pelo guitarrista Bob Mould - já o baixista Greg Norton, que postava um bigode completamente fora de moda para a época, nem compunha nem cantava. As capas eram lindas e coloridas (é só ver a imagem que acompanha este texto, de “Warehouse: Songs and Stories”, obtida no site da Amazon), e mesmo a foto da banda no encarte, com colunas e flores, era bem diferente do visual do rock da época. Mas o que sempre mais me marcou na banda, e que torna este texto meio difícil de escrever, era sua irregularidade - pelo menos para meus ouvidos: ou as músicas eram absolutamente irritantes, gritadas e apenas barulhentas, ou conseguiam fazer uma síntese maravilhosa entre belíssimas melodias e um punk/hardcore pesado. Ouvindo a banda hoje, infelizmente as músicas irritantes continuam irritantes. A categoria de músicas perfeitas, por outro lado - da qual fazem parte, por exemplo, “Eiffel Tower High” ou “Ice Cold Ice” - me emocionava nos anos 1980, e me emociona igualmente em 2024.  
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“Essentials”, com Hélène Grimaud
Música
“Essentials”, com Hélène Grimaud
14 de maio de 2023 at 14:48 0
Para um não-músico como eu, provavelmente o grande segredo para ouvir música clássica de maneira um pouco mais aprofundada seja ouvir a mesma peça com dois ou mais intérpretes diferentes. Por exemplo, eu tinha muitos LPs de peças de teclado de Bach com o pianista brasileiro João Carlos Martins, e era o que eu conhecia em termos de interpretação de piano do grande compositor alemão. Até hoje lembro do choque que foi ouvir o vol. I das Toccatas de Bach (BWV 910, 912, 913) com o pianista canadense Glenn Gould, depois de comprar o disco – muito bem recomendado pela Veja, é bom que se diga. As peças, que na verdade eu nem sabia que existiam na época, eram executadas com um brilho e uma emoção que eu simplesmente não conseguia perceber em João Carlos Martins. Parecia outro mundo. Lembro de uns outros poucos exemplos: Vladimir Horowitz e a NBC Symphony Orchestra regida por Arturo Toscanini pareciam movimentar todo o cosmo para executar o Concerto para Piano n.2, apesar das péssimas condições de gravação feita em 1940, enquanto a versão da mesma peça na Coleção Mestres da Música, da Editora Abril, parecia nunca sair de um torpor eterno. O monumental ciclo Das Lied von der Erde (A Canção da Terra) de Gustav Mahler com Jessie Norman e Jon Vickers e a London Symphony Orchestra regida por Sir Colin Davis parece revolver o que há de mais profundo na alma humana, enquanto uma versão que comprei em CD, não lembro com quem, parecia executada por uma série de robôs com preguiça. Infelizmente, nem sempre me dediquei o suficiente para comparar a mesma peça com diversos intérpretes. Mesmo assim, algumas coisas, para meus ouvidos não treinados, chamaram a minha atenção e parecem excepcionais por si, sem o reforço da comparação com outras versões. Posso citar neste caso as Sonatas para Violoncelo de Brahms com Mstislav Rostropovitch e Rudolf Serkin, o Concerto n. 4 para Piano e Orquestra de Beethoven com Claudio Arrau e a Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis, ou Trios para Piano K. 496 e K. 502 de Mozart com Maria João Pires, Augustin Dumay e Jian Wang. Tudo isso para chegar no disco lançado no início de 2020 pela Deutsche Grammophon “Essentials”, da pianista francesa Hélène Grimaud, que também atua na preservação de lobos (!) nos Estados Unidos. Peças que eu já conhecia com outros intérpretes - como o Noturno em Mi Menor Op. 72, n.1 de Chopin, o Prelúdio e Fuga n.1 BWV 846 de Bach ou a Melodia do “Orfeu e Eurídice” de Gluck com arranjo de Sgambati -, ou peças que eu nunca tinha ouvido antes - como a Bagatelle I de Valentin Silvestrov, Breathing Light de Nitin Sawhney ou 6 Romanian Folk Dances, BB 68, Sz. 56: I. Stick Dance de Béla Bartók - parecem levar a música a outro patamar. Às vezes eu sinto que Hélène Grimaud parece não ser deste mundo. Que coisa linda, minha gente.
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