John Updike

Livros que minha mãe amava: 9. “Pastoral Americana”, de Philip Roth
Literatura
Livros que minha mãe amava: 9. “Pastoral Americana”, de Philip Roth
15 de junho de 2025 at 14:38 0
No final dos anos 1990, minha mãe comentou que seus dois escritores preferidos, Philip Roth e John Updike, haviam escrito espécies de épicos sobre a vida americana: “Pastoral Americana” (Planeta DeAgostini, 480 páginas, tradução de Rubens Figueiredo) e “Na Beleza dos Lírios”, respectivamente. Já na época, era impressionante como dois grandes nomes da literatura publicaram obras tão ambiciosas no mesmo ano, 1997. Minha mãe gostou mais de “Pastoral Americana”, de Philip Roth; eu, de “Na Beleza dos Lírios”. Para mim, o livro de John Updike era mais suave, otimista, e trazia um espaço para a fé em Deus – eu estava me convertendo, aos poucos, na época. Já a obra de Philip Roth era grosseira, pessimista, amarga. Eu não gostava do autor naquele tempo, e minha mãe sempre insistia para que eu lesse os livros dele. Eu reconhecia que eram tão bem escritos que acabava por lê-los rapidamente, mas achava os temas muito grosseiros (hoje, até acho meio engraçado comentar sobre isso, mas é quase certo que ele não recebeu o Prêmio Nobel por sua crueza excessiva). De lá para cá, virei fã incondicional de Philip Roth e resolvi reler recentemente “Pastoral Americana” numa edição que minha mãe comprou bem depois de nós dois termos lido as duas obras-primas lançadas originalmente em 1997. Que choque! O livro conta a história de Seymour "Sueco" Levov, um homem que personifica o "sonho americano" em sua versão mais idealizada – atleta de sucesso, empresário e pai de família. No entanto, sua vida é violentamente desestabilizada quando sua filha se radicaliza politicamente durante a Guerra do Vietnã e comete um ato terrorista. Judeu, o "Sueco" tenta se adaptar a tudo e a todos: à vida americana e a seus costumes, a seu pai dominador e inflexível, à sua filha perturbada e agressiva, e à sua mulher linda (ex-miss Newark), católica e de comportamento dissimulado. Ele parece, no início do livro, um sujeito alienado e feliz. Quanta ilusão! Com quase 500 páginas, o livro é um profundo mergulho nos Estados Unidos dos anos 1950 em diante. Um aspecto importante da obra é a desindustrialização, que começou a se acentuar no final dos anos 1960. As fábricas começavam a fechar ou a se mudar para outros lugares em busca de mão de obra mais barata e menos regulamentada. Isso levou ao declínio das cidades industriais como Newark (em Nova Jersey), à perda de empregos e à erosão do senso de comunidade e propósito para muitos trabalhadores. A desindustrialização, para Roth, não é apenas um fenômeno econômico, mas um processo que desmantela a estrutura social e moral de uma nação. A perda da base industrial, que sustentava uma certa ordem e um conjunto de valores, abriu espaço para as ambiguidades e a "fúria" de passeatas e protestos que levaram à desilusão geral do "sonho americano". É fato conhecido que Donald Trump se elegeu em 2016  e em 2024 com os votos dos estados do chamado "Cinturão da Ferrugem" (Rust Belt) – como Pensilvânia, Ohio, Michigan, Wisconsin e partes de Nova York e Illinois – onde uma enorme quantidade de trabalhadores sofreu os terríveis efeitos da desindustrialização americana. Nos trechos em que Philip Roth descrevia com a crueza e o detalhismo de sempre os efeitos da fuga de empregos industriais na cidade de Newark, no estado de Nova Jersey, eu só conseguia pensar comigo: a eleição de Trump começou aqui! Pretendo reler “Na Beleza dos Lírios”, mas, mesmo antes de relê-lo, posso afirmar sem nenhuma dúvida de que minha mãe estava certa e que “Pastoral Americana” é o melhor dos dois grandes romances. *** Foto que acompanha o texto obtida no site da revista New Yorker. *** Se você estiver interessado em ler este e outros textos meus semanalmente, clique aqui e cadastre seu email.
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Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
Literatura
Livros que minha mãe amava: 3.”Diário de uma Ilusão”, de Philip Roth
14 de janeiro de 2024 at 19:46 0
Minha mãe amava Philip Roth. Sempre repetia que adorava suas histórias de “homens judeus” - que muitas muitas vezes também são escritores. Durante um bom tempo, foi o escritor preferido dela ao lado de John Updike - e os dois realmente têm muito em comum: estilo límpido, histórias com personagens da classe média americana do tempo em que eles viviam (principalmente as últimas décadas do século XX), linguagem crua. Philip Roth (1930-2018), conforme comentado acima, concentrava suas histórias em homens judeus seculares, enquanto as famílias descritas por John Updike (1932-2019) eram normalmente protestantes. Os dois, aliás, eram figurinhas carimbadas nas colunas do famoso jornalista Paulo Francis. Os dois lançaram em um período muito curto dois grandes romances: Philip Roth com “Pastoral Americana”, de 1997, e John Updike com “Na beleza dos lírios”, de 1996. São muitos pontos em comum entre as duas obras-primas, conforme comentado neste texto de Arthur Nestrovski para a Folha de São Paulo. Na época eu e minha mãe lemos ambos os romances: eu preferi o de Updike – mais espiritualizado, sob o meu ponto de vista da época, quando estava começando acreditar em Deus -, e minha mãe preferiu o de Philip Roth. Provavelmente, se eu relesse os dois livros hoje, iria concordar com a opinião da minha mãe. Junto com Thomas Mann e Honoré de Balzac, Philip Roth foi um dos três escritores que eu simplesmente decidi parar de ler lá pelas tantas, conforme comentei aqui, em 2015; mas neste texto, de setembro de 2023, eu escrevi que já tinha mudado de ideia. De fato, no meio do ano passado eu tinha lido “Lição de Anatomia”, o terceiro romance constante da edição “Zuckerman Acorrentado”, da Companhia das Letras, que apresenta “três romances e um epílogo” nos quais o personagem principal é Nathan Zuckerman - escritor judeu, alter ego de Philip Roth. Eu tinha lido os dois primeiros romances da trilogia, “O escritor fantasma” e “Zuckerman Libertado” ainda antes de eu ter escrito aquele texto de 2015 citado acima, e lembro de poucos detalhes dos livros. Amei “Lição de Anatomia”! Parecia que eu precisava mesmo ler alguma coisa de Philip Roth depois de tantos anos. Nathan Zuckerman, no romance, continua fazendo um sucesso gigante como escritor, ao mesmo tempo em que tem ódio de alguns desafetos no meio literário e sofre com dores excruciantes nas costas. Consegue algumas fãs para fazer massagens, trabalhar como secretárias e fazer sexo com ele – que, muitas vezes, mal consegue se mover devido ao estado de sua coluna. Sim, o romance provavelmente seria cancelado se tivesse sido escrito nos dias de hoje, por excesso de machismo. Mexendo nos livros da minha mãe, descobri uma edição de “Diário de uma Ilusão”, apresentado na foto que acompanha este texto ao lado da minha edição de “Zuckerman Acorrentado”: na verdade, este romance é o mesmo citado acima com o nome de “O Escritor Fantasma”, na edição da Companhia das Letras. Minha mãe com certeza leu “Diário de uma Ilusão”, devido ao estado do livro, e provavelmente também leu “Lição de Anatomia” – lembro vagamente de ter visto um exemplar do romance com ela na minha adolescência, mas não tenho certeza. De todo modo, mesmo se ela não o leu, certamente o teria amado se tivesse lido!
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