Foram férias boas, aquelas dos anos 80. Eu treinava natação mais ou menos até às dez da manhã e jogava futebol de salão até ao meio-dia. Depois do almoço, sentava numa cadeira de praia no meu quarto e lia até não poder mais. O meu autor preferido era o alemão Thomas Mann (1875-1955): a impressionante história de uma família burguesa (“Os Buddenbrooks”), discussões filosóficas num sanatório para tuberculosos (“A Montanha Mágica”), um compositor erudito que vende alma para o diabo para fazer obras perfeitas (“Doutor Fausto”), a impressionante história bíblica de José e seus irmãos contada em mais de mil páginas (“José e seus irmãos”), um monólogo interior de Goethe (“Carlota em Weimar”), contos espetaculares (“Mario e o mágico”). A decadência da nobreza, a ascensão da burguesia e o papel da Arte e do Artista na sociedade são seus principais temas. Li tudo dele em que consegui colocar as mãos – e não devo ter lido nada de Thomas Mann de 1990 para cá.
Eu era recém-casado no início dos anos 90 e comecei a ler os romances de Honoré de Balzac (1799-1850) para tentar manter meu conhecimento de francês (tinha me formado na Aliança Francesa poucos anos antes). A ideia do escritor francês era fazer um painel completo da França de sua época: o jovem do interior que tenta a sorte em Paris e se dá bem (Eugène de Rastignac, em “Pai Goriot”), enquanto que outro se dá mal (Lucien de Rubempré, em “Ilusões perdidas” e “Esplendor e miséria das cortesãs”), os avarentos (“O Primo Pons”, o pai de “Eugénie Grandet”), a solteirona mau-caráter (“A Prima Bette”), o conflito entre dois irmãos (“Um conchego de solteirão”). Os grandes temas de Balzac são o poder do dinheiro na sociedade e a descrição sem eufemismos dos defeitos de boa parte de seus personagens (os nobres em seu livros geralmente praticam o adultério às claras, enquanto que os burgueses ricos normalmente são avarentos). Como ele queria que seu painel da sociedade francesa fosse o mais amplo possível, batizou sua obra como um todo de “A Comédia Humana” – e boa parte de seus personagens aparece em mais de um romance. Li boa parte dos livros dele em que consegui colocar as mãos – e não devo ter lido nada de Honoré de Balzac do ano 2000 para cá.
Li “O avesso da vida”, do americano Philip Roth (1933- ) ainda na adolescência, e “Pastoral americana” no início da idade adulta. Fiquei impressionado como ele contava bem suas histórias, mas não gostei dos livros. Até que, de tanto ler elogios sobre a obra dele na imprensa, acabei pedindo “Homem comum” numa festa de amigo secreto em 2008 – e adorei. Dali por diante li vários livros dele (“O complexo de Portnoy”, “Casei com um comunista”, “Complô contra a América”, etc, etc, – além de ter relido – e gostado muito – de “O avesso da vida”). Suas histórias são fortes, sempre com homens judeus vivendo em um país não-judeu – os Estados Unidos – como personagens principais. O sexo é parte importante em sua obra, e o estilo é tão extraordinário que é elogiado por gente como Jonathan Franzen. Li boa parte dos livros dele em que consegui colocar as mãos, e acho que o último que li é “Nêmesis”, em 2011 – que Roth já declarou ter sido o seu último romance. De lá para cá pensei em ler algum dos poucos livros dele que tenho e que ainda não li – mas sempre deixo para depois. Não sei se vou lê-los, na verdade. De certo modo, Philip Roth – como Thomas Mann e Balzac, antes dele – já não representa um grande desafio para minha leitura.
Três escritores extraordinários, mas que deixo fazer parte do passado da minha memória.
0
There are 0 comments