O livro já começa de maneira esquisita:
“Ezra, Nails, Harri, Justy. Você teria que escavar com vigor e profundidade para descobrir quatro nomes tão pouco usuais.”
Algumas páginas mais tarde a piada continua, quando Ezra descobre Eliza:
“Na luz fraca ele tinha encontrado Eliza – a similaridade de seus nomes! …aquele ‘e’ aquele ‘z’!”
“List of lost” conta a história dos quatro supracitados, que fazem parte de um revezamento de atletismo: eles têm vinte anos, vivem na Boston dos anos 70, e estão prestes a participar da grande corrida de suas vidas, que será televisionada para todo o país. Durante um passeio no bosque, eles encontram um mendigo que faz um longo e estranho discurso. Quando Ezra (Pound, como o famoso poeta) se sente ameaçado, dá um soco nele e o mata: só que o indigente era o próprio diabo, que lança uma maldição contra Ezra e os demais – incluindo aí Eliza –, que vão morrendo, um a um, de maneira trágica. No meio do romance ainda aparece um fantasma de uma mulher para Ezra, que lhe pede para dar um enterro para seu filho, cujo cadáver tinha sido escondido pelo seu assassino – o deão do colégio onde todos estudavam.
É engraçado que nenhuma das muitas críticas que li até agora (todas, à exceção da assinada por Melissa Katsoulis no The Times, definiram o livro como sendo péssimo para baixo) notou que existem algumas coincidências que parecem “mais do que coincidências” entre “List of the lost” e “Graça infinita”, a obra-prima de David Foster Wallace (crítica aqui): os acontecimentos se passam em Boston ou nas proximidades nos dois casos; o esporte competitivo (tênis no livro de David Foster Wallace, atletismo no de Morrissey) é parte importante em ambos os romances – com descrições de treinamentos, competições e cenas de vestiário; finalmente, os dois livros terminam com um personagem no hospital.
De todo modo, “List of the lost” é muito diferente de “Graça infinita”. O livro é escrito num inglês empolado e cheio de aliterações (é engraçado lembrar que o importante crítico literário Terry Eagleton comentou aqui que Morrissey tinha escrito uma autobiografia tão brilhante que poderia ganhar o importante Booker Prize caso cuidasse mais de suas aliterações…) Os acontecimentos se sucedem de maneira atropelada: a morte da mãe do personagem Harri, a própria morte dele e o seu enterro acontecem de modo rápido e sem transição, e o leitor fica meio sem saber como um acontecimento se sucedeu a outro. Não há praticamente nenhuma profundidade psicológica: como exemplos, quando o personagem Dibbs substitui Harri – que é o primeiro a morrer – no revezamento, os demais membros do grupo o tratam de maneira cruel e aparentemente injustificada; o amor entre Eliza e Ezra é esquemático, e não se sabe direito o que um sente pelo outro; o treinador Reims tem uma história trágica, é cruel, mas também é indeciso e estranho. A partir disso, os personagens não causam praticamente nenhuma empatia no leitor.
Como se viu acima no resumo do livro, a história é estranhíssima, e aparentemente Morrissey não teve nenhuma intenção de trazer uma mensagem implícita com ele. Por outro lado, do nada aparecem as costumeiras imprecações do cantor (e escritor) contra os poderosos (desta vez, nem Churchill escapou), contra o consumo de carne, a favor do feminismo: às vezes parece que estamos lendo o blog True-to-you – que é o meio da internet pelo qual Morrissey se comunica. Não só o narrador faz discursos políticos, como alguns personagens – notadamente Eliza – também o fazem (aliás, o discurso do mendigo, citado acima, é de uma estranheza ímpar).
O fato de ter uma história estranha com personagens sem profundidade psicológica fez com que que “List of the lost” me lembrasse os ótimos romances de Diogo Mainardi. Mas este livro de Morrissey – do qual eu gostei muito, é preciso acrescentar – não se parece com nada. Quem sabe seja redescoberto no futuro – quem sabe não.
Quem sabe ele seja lembrado como mais uma manifestação artística de Morrissey, o cara que não está nem aí para o que os outros vão dizer.
(publicado no Mondo Bacana em 5 de outubro de 2015)
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