Não há dúvida de que Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño (Companhia das Letras), seja um romance bem executado, como quer Sérgio Rodrigues aqui. A primeira e a terceira partes deste extenso romance (624 páginas) são os diários do personagem García Madero, que tratam, entre outros temas, de dois poetas, Ulises Lima e Arturo Belano, e sobre a procura deles pela poetisa Cesárea Tinajero. Na segunda – e maior – parte um enorme número de pessoas conta suas histórias e dá depoimentos sobre os mesmos Ulises Lima e Arturo Belano. É extremamente bem bolada a maneira com a qual a vida destes dois parece sempre ser uma parte secundária das histórias que estão sendo contadas. Mas, ao contrário de Sérgio Rodrigues, não posso absolutamente concordar que “Os detetives selvagens” seja superior, em qualquer aspecto, ao clássico “2666”, já comentado aqui (Rodrigues parece mais preocupado em ser do contra do que qualquer outra coisa, haha). A longa relação de histórias de pobres, intelectuais ou simplesmente desajustados de “Os detetives selvagens” apresenta momentos sublimes – mas muitos outros do mais puro tédio. Bem diferente de “2666”, em que sentimos estar num mundo já conhecido – mas ao mesmo tempo estranho, fascinante e maravilhoso.(8/10)
De Roberto Bolaño, gostei bem mais de Noturno do Chile (Companhia das Letras), uma curta novela em que o padre Sebastián Urrutia – que é também um excelente crítico literário – desfia comentários sobre a cultura chilena no tempo de Pinochet. Ao mesmo tempo em que demonstra ter uma profunda e vasta cultura, o padre é um tanto pusilânime em momentos-chave da história. Fascinante. (9/10)
Os pequenos contos de Cenas da vida na aldeia, do escritor israelense Amós Oz (Companhia das Letras), são interligados como os romances de Balzac: os personagens principais numa narrativa aparecem de passagem em outras. Em rápidas pinceladas, Amós Oz apresenta com maestria dramas quase insignificantes à primeira vista, mas de grande força dramática. (10/10)
Em A caixa preta (Companhia das Letras), o mesmo Amós Oz utiliza a técnica epistolar para contar sua história. Esta técnica – que consiste em fazer todo o romance ser contado por meio de cartas – já possibilitou a criação de obras-primas, como “As ligações perigosas”, de Choderlos de Lacos, ou de livros francamente chatos, como “Mémoires de deux jeunes mariées”, de Honoré de Balzac. “A caixa preta” pertence ao primeiro caso. O livro conta a história de uma mulher, Ilana, seu primeiro marido, Alex Gideon – um sujeito violento que também é um pesquisador brilhante -, seu segundo marido, Michel Sommo – um quase fanático religioso – e seu filho Boaz, revoltado e sem estudo por iniciativa própria. “A caixa preta” é forte, profundo, e apresenta personagens extremamente bem construídos (me lembrou os melhores momentos de Philip Roth). (10/10)
Onitscha (Gallimard), de J.M.G. Le Clézio, conta a história do garoto Fintan e apresenta muitos dos temas caros ao prêmio Nobel de 2008: o início de vida idílico junto à natureza e a posterior perda do paraíso devido a problemas financeiros, a pobreza africana, a ação muitas vezes perversa do colonizador europeu. Há quem pense que Le Clézio seja apenas um escritor de boas intenções – mas estão enganados, profundamente enganados. Ele é um gigante da literatura, não há por que deixar de repetir isto. (10/10)
Las edades de Lulú (Tusquets), de Almudena Grandes, conta em primeira pessoa a história de uma mulher que teve pouca atenção dos pais na infância e na juventude, e que mais tarde procura todo o tipo de experiência erótica – seria para preencher um vazio na alma? Filmado por Bigas Luna, o romance é extremamente forte e erótico, mas seus personagens não chegam a despertar a simpatia do leitor. (7/10)
Muitos dos poemas que Tomás Antonio Gonzaga faz para sua musa em Marília de Dirceu (L&PM), necessitam de conhecimento das mitologias grega e romana para sua compreensão – e as notas da edição da L&PM ajudam muito neste sentido. Mas os poemas mais tocantes são aqueles escritos antes e depois de seu exílio, ao que o poeta foi condenado (ao que tudo indica injustamente) por participar da Inconfidência Mineira. (8/10)
João Barrento, que selecionou e traduziu para o português os poemas de Outono Transfigurado (Assírio & Alvim), de Georg Trakl, selecionou os poemas “cíclicos” e em prosa do poeta austríaco. No livro você encontra trechos como “Um lobo vermelho a ser estrangulado por um anjo. As tuas pernas tilintam, a andar, como gelo azul, e um sorriso cheio de tristeza e arrogância empederniu-te o rosto, e a fronte empalidece com a volúpia da geada”. Não é à toa que Trakl é um dos favoritos da casa. (10/10)
Tolstói, em Sonata a Kreutzer (Planeta DeAgostini), defende que o sexo é um dos grandes males da humanidade: perverte os homens e destrói a autoestima e o corpo das mulheres. A interpretação do grande escritor russo sobre o Evangelho de Cristo (ele chegou a ser excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa) diz que o objetivo da humanidade deveria ser o de viver pura e castamente – e, para exemplificar o mal que o sexo faz à humanidade, ele conta uma história impressionante de violência causada pelo ciúme. Não é preciso concordar com Tolstói para reconhecer que esta é mais uma das muitas obras-primas do autor. (10/10)
Também não é necessário concordar com o pessimismo de Jonathan Swift para se deliciar com As viagens de Gulliver – esta, aliás, é tese de George Orwell no ótimo prefácio da edição da Penguin/Companhia das Letras. Em poucas palavras, Swift acha que a humanidade não presta: a quantidade de vícios humanos que o autor relaciona no livro é imensa – além do fato reconhecido de que Swift se sentia extremamente mal com a aparência e com os fluidos humanos, o que transparece a toda hora neste brilhante romance satírico. Depois de passar em terras de pessoas do tamanho de polegares, em terras de gigantes e em uma região governada desde uma ilha voadora, Gulliver encontra o paraíso junto aos Houyhnhms, uma espécie de cavalos extremamente racionais e sem os vícios humanos. Sensacional. (10/10)
Infância, de Maksim Górki (Abril Coleções), conta, com grande vivacidade e expressão literária, os primeiros anos do grande escritor russo. O livro é muitas vezes doloroso: após a morte do pai, o autor saiu de um lar feliz e foi morar com o avô, homem irascível e violento – mas capaz de momentos de ternura. Na casa, o carinho da avó é praticamente o único contraponto à violência reinante. Por outro lado, em nenhum momento o escritor se faz de vítima e a esperança parece sempre presente. Uma obra-prima.(10/10)
As teorias selvagens, da argentina Pola Oloixarac (Companhia das Letras), conta duas histórias paralelas: a primeira é a de um casal de namorados cultos e feios, e a segunda é sobre uma estudante que tenta ressuscitar uma antiga teoria esquecida de ciências humanas. Cultura pop, política (o livro foi muito criticado pela esquerda argentina), filosofia, sociologia, humor e sexo estão entre os muitos elementos que entram neste livro explosivo. Se por um lado o ponto alto do romance são os engraçadíssimos trechos em que temas banais são descritos com terminologia de ensaio de ciências humanas, por outro leitores como eu podem se queixar da falta de profundidade psicológica dos personagens – característica comum de romances de fundo satírico. (9/10)
(texto publicado no blog do Mondo Bacana em 10 de setembro de 2011)
0
There are 0 comments