O local
Confesso que fiquei preocupado quando soube que o Curitiba Pop Festival seria na Ópera de Arame. Para quem não conhece, o local é belíssimo e todo construído em estruturas metálicas e vidro. A acústica, por outro lado, é péssima. As cadeiras são todas parafusadas no chão e com os assentos em grade metálica – o que seria também muito ruim para um show de rock.
Por sorte, nada disso foi empecilho para que o Festival transcorresse bem. O local mostrou-se excelente para o evento, já que as cadeiras todas foram retiradas e várias plataformas de madeira emborrachada foram colocadas no seu lugar, permitindo uma excelente movimentação de todos os presentes – ajudada aliás pela arquitetura do lugar como um todo, com várias escadas e passagens para os pavimentos superiores e inferiores. A acústica, apesar de deficiente, não impediu que se ouvisse bem os bons shows.
Primeira noite
Primeiras bandas
Por motivos de trabalho, cheguei no meio do show da quarta banda a se apresentar, logo não presenciei e não vou comentar Vurla, Bad Folks e Valv.
A banda que estava tocando quando pus os pés na Ópera do Arame era a Suite Number Five, de Campinas. Eu até estava gostando da postura da banda (o vocalista Flavio é realmente carismático), de forte influência do pós-punk britânico, mas só me entusiasmei mesmo quando ouvi a última música: prestei um pouco mais de atenção, e era I Wanna Be Your Dog, dos Stooges. Mau sinal. Nota 6.
Depois veio a banda curitibana E.S.S, que tocou quatro músicas. A primeira e a terceira foram cantadas por Alessandro Oliveira, e não empolgaram. Além delas não serem marcantes, a voz do vocalista ficou muito atrás dos instrumentos. Na segunda música, climática e que me lembrou vagamente Cocteau Twins, a vocalista é uma cantora que faz uma participação especial – e o panorama melhora bastante. Para fechar o show, outro vocalista aparece, cantando grudado ao microfone, e também agrada. Nota 5.
A banda paulistana Monokini veio a seguir, com seu pop leve à la Belle and Sebastian. Embora eu não seja fervoroso adepto deste tipo de som, não dá para negar que eles são competentes naquilo que se propõem. Com algumas instrumentais e muitos “pá-pá-pá” nos refrões, é de lamentar que a voz da vocalista Fabiana Karpinski estivesse tão atrás dos instrumentos. Nota 6.
O show da banda baiana de trip-hop Tara Code teve inúmeros problemas técnicos. Os computadores com programação de som deixaram de funcionar em vários momentos, e mais de uma vez o show teve que ser interrompido para tentar fazê-los funcionar. Quando finalmente o show deslanchou o som da banda se mostrou enormemente depressivo. Estranho, mas interessante. Nota 6.
O show do recifense Otto valeria por ser o primeiro da noite a ter um esquema realmente profissional: melhor som, melhores músicos, vocal à frente dos instrumentos. Apesar disso, a mistura de ritmos brasileiros e música pop não me entusiasmou muito nas duas primeiras músicas. Aí Otto apresenta os percussionistas que tocariam a próxima música com ele – sem mais nenhum acompanhamento -, e a coisa começa a fazer sentido. Apesar de mais um deslize aqui e outro ali, ficou a impressão de que, quanto mais puxadas para a “brasilidade”, melhores são suas músicas. No todo, um show realmente empolgante. Nota 8.
Exageradamente bom
Quando o show dos franceses do Rubin Steiner começou, já parecia bom. Mas era uma espécie de incógnita. No palco estavam quatro rapazes magros com um bom humor para lá de contagiante. Dois deles eram DJs, outro tocava baixo acústico e o outro trombone de vara – além disso, um dos DJs cantava num estranho microfone branco e quadrado que distorcia completamente a sua voz, transformando-a quase em mais um instrumento eletrônico. No telão, um menininho berrava ao som da música – era uma filmagem dos anos 50, ou 60.
O som, no início, pareceu, digamos… complexo. A primeira música começou lentamente, com um tema um pouco repetitivo que dava a sensação de que aquela a estranha mistura de instrumentos de jazz e de samplers estivesse ainda tentando se encontrar enquanto o show não começava. O tema vinha, voltava, e daqui a pouco tomava asas e ficava muito pesado e dançante (neste momento, o que parecia bom começou a ficar excelente). Quando o tema desenvolvido estava no auge da potência, o grupo voltava ao início e deixava tudo em suspensão novamente. Estas idas e voltas do peso na música continuou por um bom tempo – mas a banda, sabiamente, aumentava cada vez mais os períodos de tempo mais pesados, diminuindo aqueles, como direi, “jazzísticos”. Em todo este processo o vocalista cantava aqui e ali, em inglês, aumentando ainda mais o hipnotismo da coisa. A primeira música terminou num ápice extraordinário, e toda a platéia presente no Curitiba Pop Festival já estava completamente na mão. Sabíamos que estávamos presenciando um grande momento da música – e este foi só o início deste show espetacular.
A primeira música foi uma miniatura do que seria o show completo. Assim como no início, onde o peso vinha vindo aos poucos, em idas e voltas cada vez mais empolgantes, no restante do show as músicas iam cada vez tendo menos momentos de folga à medida que o tempo passava. No final, a platéia extasiada acabou imprevistamente pedindo um bis. Deve ter sido o único da noite. A banda, então, voltou para tocar aquela primeira música, que eu chamaria, sem nenhum exagero, de “suíte”.
Deve ter sido o segundo melhor show da minha vida. O Rubin Steiner, que quase ninguém conhecia, roubou o Curitiba Pop Festival. Nota 10.
Decepção
O Stereo Total veio depois do Rubin Steiner para fechar a primeira noite, e foi um anti-clímax enorme. Música engraçadinha, um rapaz tocando vários instrumentos, uma moça com óculos enormes, bateria eletrônica, som new wave, roupas coloridas. Como uma piada contada várias vezes, Stereo Total não tem a menor graça.
Poderia ser implicância minha, eu posso ter um gosto musical estranho, vá lá. Mas muita gente, assim como eu, saiu no meio do show. Nota 4
Segunda noite
Primeiras bandas
Ouvi duas músicas do primeiro show da segunda noite, dos curitibanos do Criaturas. Duas belas vocalistas, uma tocando guitarra e outra vestida à la Janis Joplin, fizeram um rock melodioso e com uma bela pegada. A banda também mostrou grande presença de palco. Têm futuro. Nota 7.
Apesar de não ser grande adepto do rock feito do Bidê ou Balde, é inegável que a banda toca com garra, tem enorme presença de palco e faz um show extremamente competente. O vocalista Carlinhos pula, saracoteia, corre o palco todo e faz micagens (como colocar uma cueca vermelha em homenagem ao Internacional de Porto Alegre). Toda a banda demonstra uma enorme alegria de tocar. Nota 7.
Competência extrema é o que têm os curitibanos do grupo de psychobilly Catalépticos. A banda, com três integrantes (guitarra, baixo e bateria) apresentou um som extremamente pesado, rápido, violento – e a qualidade do som, precária nos shows brasileiros do dia anterior, foi extraordinária. Certamente tinha muito indie assustado com a porradaria. A propósito, um dos integrantes ainda comentou ironicamente: “parece que a gente ia tocar num festival pop, né?”. Ao ouvir Catalépticos, tive orgulho de ser curitibano. Nota 9.
Infelizmente o orgulho de ser da cidade não se repetiu com a banda seguinte, também de Curitiba, os Faichecleres. Os três integrantes, vestidos apenas com fraldas (!) e cantando músicas com letras entre o pueril e o pornográfico, demonstraram entusiasmo, não há dúvida. Mas a bateria estava muito à frente dos instrumentos, e o baterista Tuba tocava tão rápido que embolava as músicas. Por causa desta confusão, o show acabou não tendo nenhum momento marcante. Nota 4.
Os gaúchos do Walverdes fizeram um show bastante competente, com seu rock pauleira puxado para o grunge. Mas falta algo a eles que, infelizmente, não sei o que é. Convencional demais, quem sabe? Falta de carisma, talvez? Nota 6.
A banda de metal curitibana Primal veio com tudo o que tem direito: vocalista com o rosto coberto com lama, um torno atritando com um disco de metal, movimentado pelo vocalista, jogando faíscas no palco, e muito barulho, claro. Um bom show, de um heavy metal lento e marcante. Nota 7,5.
Fui jantar na hora do show do M.Q.N., então não vou comentar a banda cujo vocalista declarou que quem tinha gostado do show do Stereo Total poderia sair do recinto, pois o deles era rock de verdade.
O show do Cachorro Grande foi excelente. O rock feito por eles, baseado em bandas seiscentistas como o The Who, é realmente empolgante. A banda, com os integrantes de terno e gravata, é suja, pornográfica, mal-educada (o vocalista mandou o público à P.Q.P mais uma de uma vez) mas, por incrível que pareça, faz sentido. O som esteve perfeito, as músicas grudam na memória, o público se entusiasmou muito. A confusão no final, quando os músicos começaram a quebrar os instrumentos e foram parados pela segurança, era quase uma conseqüência lógica do que tinha acontecido antes.Nota 9.
O grande momento
Se o grande show do festival foi o do Rubin Steiner, o da segunda noite foi o dos recifenses da Nação Zumbi.
Conforme conversava dia desses com o meu amigo Marcos Fernandes, existem dois tipos de experimentalismo: um que não funciona, e que normalmente só tenta dar uma roupagem séria à própria música – por exemplo, a mistura de rock + música clássica perpretada por grande parte dos progressivos e das bandas de metal que resolvem fazer concertos secundados por orquestras sinfônicas – e o outro que funciona – quando utiliza elementos de diversos estilos para aumentar a expressividade, combinando-os de maneira satisfatória.
A música da Nação Zumbi pertence ao segundo caso. A percussão do maracatu é utilizada na sua mistura com o rock de maneira sincopada e poderosa. Tanto a guitarra distorcida da banda quanto o restante dos instrumentos são utilizados com grande competência, aumentando enormemente o impacto do som.
O show da banda em Curitiba foi um caso muito sério. Nem os problemas técnicos, que interromperam a apresentação por longos minutos, diminuíram o seu impacto. Só não leva 10 por que o Rubin Steiner foi ainda melhor. Nota 9,9.
Breeders
Muito bom o show das Breeders – uma guitar band comandada por duas irmãs – Kelley e Kim Deal, esta integrante da lendária e extinta banda Pixies -, afiada, entusiasmada, demonstrando enorme bom humor. Infelizmente o meu extremo cansaço e a briga que ocorreu do meu lado durante a execução de Gigantic, dos Pixies (o melhor momento do show mesmo para quem, como eu, não reconheceu a música), impediram-me de aproveitá-lo melhor. Mas valeu. Nota 8.
(texto escrito em 2003 – parte dele foi publicada no Mondo Bacana) – crédito da foto: iaskara
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There are 2 comments
o (des)credito da foto é minha?
claro, já arrumei lá 🙂