Erich von Stroheim

Os filmes não policiais a que eu mais gostei de ter assistido em 2021
Cinema
Os filmes não policiais a que eu mais gostei de ter assistido em 2021
19 de dezembro de 2021 at 19:57 0
Os filmes não policiais que eu mais gostei de ter assistido esse ano seguem abaixo. Logo lanço a lista dos noir e polar, como tenho feito há uns poucos anos. Quando for o caso, clicando no título você pode ir para meu comentário original sobre o filme.
  1. “Anjos caídos”, de Wong Kar-Wai (1995): esse filme tem um matador de aluguel com uma parceira misteriosa, um surdo-mudo muito doido, e algum amor envolvido. Os filmes de Wong Kar-Wai são lindos e esquisitos, e eu amo.
  1. The wedding march”, de Erich von Stroheim (1928): meu filme preferido de um dos meus diretores preferidos.
  1. À meia-noite levarei sua alma”, de Zé do Caixão (1964): o filme de estreia do Zé do Caixão tem uma qualidade artística que independente do baixo orçamento.
  1. “Crepúsculo dos deuses”, de Billy Wilder (1950): a decadência dos grandes artistas do cinema mudo em Hollywood depois do advento do cinema falado nunca foi mostrada de maneira tão cruel quanto neste clássico absoluto.
  1. “A grande ilusão”, de Jean Renoir (1949): este filme, cuja história se passa na Primeira Guerra Mundial mas que foi lançado poucos anos antes do início da Segunda, mostra o cavalheirismo - que as grandes guerras sepultaram para sempre - entre nobres de países inimigos.
  1. “Império dos sonhos”, de David Lynch (2006): por que eu gosto tanto desse filme maluco de duas horas e cinquenta e dois minutos de duração? Não sei, mas revi essa coisa doida esse ano e quero rever muitas vezes ainda.
  1. “Amores expressos”, de Wong Kar-Wai (1994): uma história de sessão da tarde filmada por um maníaco.
  1. “Ordet”, de Carl Theodor Dreyer (1955): uma história e um filme milagrosos. Literalmente.
  1. Twin Peaks: os últimos dias de Laura Palmer”, de David Lynch (1992): muito mais assustador que a famosa série na qual o filme foi baseado. Muito mais mesmo.
  1. “Deus e o diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha (1964): uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
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“Stroheim”, de Arthur Lennig
Cinema
“Stroheim”, de Arthur Lennig
12 de setembro de 2021 at 16:49 0
Minha memória não costuma falhar para esse tipo de coisa, e realmente lembro de ter lido na Gazeta do Povo uma crônica do escritor e poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), escrita enquanto ele era vivo, que falava sobre um tipo especial de chato, “o chato contador de filmes” - não precisa explicar muito. Mas sei lá, procurei na internet e não achei nada que se referisse a este texto. Não importa. O que importa aqui é que lembrei bastante daquela crônica enquanto lia o monumental “Stroheim”, de Arthur Lennig (University Press of Kentucky, 574 páginas, publicado originalmente em 2000). Já comentei bastante sobre Erich von Stroheim (1885-1957) aqui, e não sei se vale a pena escrever de novo sobre a vida deste grande diretor de cinema austríaco que fez grande sucesso como diretor em Hollywood nos anos 1920, mas que gastava tanto dinheiro em suas produções que acabou não conseguindo mais trabalho como diretor, apenas como ator, nos seus 25 últimos anos de vida. Voltando ao livro de Arthur Lennig: realmente, é emocionante a dedicação do autor pela obra de um dos meus diretores preferidos – ele chegou a trabalhar na restauração de alguns filmes do diretor. Mais do que isso, a pesquisa que ele fez é primorosa, e com a leitura ficamos sabendo de muitos detalhes da vida de Stroheim. Mas acho que metade de seu livro descreve os filmes do diretor. Sim, é meio chato, como já dizia Leminski. De todo modo, como fã de Stroheim, fiquei satisfeito com a leitura, claro. E ele ainda cita uma visita do diretor ao Brasil, no Festival Internacional de Cinema do Brasil em 1954, sobre o qual já descobri na internet dois artigos (ver aqui e aqui) – quem sabe eu comente alguma coisa sobre aquele festival por aqui ainda.
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Meu filme preferido de Erich von Stroheim
Cinema
Meu filme preferido de Erich von Stroheim
4 de julho de 2021 at 03:24 0
Qual o meu filme preferido dirigido por Erich von Stroheim? Desde que escrevi o primeiro texto sobre ele por aqui fico me perguntando isso. Os dois primeiros que chegaram até nós, “Blind Husbands” e “Foolish Wives”, respectivamente de 1919 e 1922, mostram um diretor – e ator principal – totalmente seguro de si, confiante, e são brilhantes em todos os aspectos. “Greed”, de 1924, considerado pela maioria dos críticos sua obra-prima, tem uma temática diferente dos demais e por isso creio que ele seja um pouco menos representativo de sua obra como um todo. Pela história totalmente provocativa, eu tenderia a escolher “Queen Kelly”, com Gloria Swanson e de 1932, mas ele está inacabado e a versão existente hoje, com apenas fotogramas e trechos escritos do roteiro na parte final, acaba sendo complicado como escolha. Fico então com “The Wedding March”, de 1928, sobre o qual contei aqui a minha frustração de não o ter assistido inteiro restaurado no Telecine Cult, e cujo impressionante final (a única parte que vi na ocasião) ficou na minha memória por anos. O filme conta a história do Príncipe Nicki, vivido pelo próprio Stroheim, que é um nobre com pouco dinheiro e que é convencido a se casar com Cecelia, filha de um rico fazendeiro (o tema do nobre decadente que se casa com uma burguesa rica é tema de obras-primas como o romance “O Leopardo”, de Lampedusa, no qual foi baseado aliás um filme espetacular de Luchino Visconti). Nicki está noivo e de casamento marcado com Cecelia quando, numa parada militar, se apaixona por uma moça pobre, Mitzi, que também está prometida em casamento, nesse caso com um açougueiro grosseiro chamado Schani. Enfim, Mitzi e o Príncipe Nicki começam um relacionamento contra tudo e contra todos, e não vou contar mais para não estragar a surpresa – quem quiser assistir a essa obra-prima, pode assisti-la de graça no YouTube, aliás. “The Wedding March” tem as obsessões presentes em quase todas as obras de Stroheim, como o naturalismo exacerbado, a qualidade e o detalhismo dos cenários, a pulsão sexual, a descrição chocante – e mesmo divertida – de defeitos humanos como a ganância e a falta de escrúpulos. Mas, como diz Arthur Lenning em sua monumental biografia do diretor, o filme apresenta personagens ainda mais complexos e profundos que aqueles dos seus demais filmes, no que eu concordo com ele. “The Wedding March” teve uma continuação, chamada “The Honeymoon”, cuja última cópia se perdeu num incêndio na Cinemateca Francesa em 1957, e só podemos lamentar não podermos mais assisti-la. (fonte da foto: Wikipedia)
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Zé do Caixão e Henri Rousseau
Cinema
Zé do Caixão e Henri Rousseau
27 de junho de 2021 at 03:02 0
Assisti dia desses “À meia-noite levarei sua alma”, que é a estreia do Zé do Caixão no cinema e o terceiro longa-metragem de José Mojica Marins, lançado em 1964. Se antes seus filmes eram mais mal do que bem recebidos pela crítica especializada, hoje o nome do diretor parece estar consolidado entre os especialistas, tanto que assisti ao filme na Globoplay, na seleção de cinquenta filmes em setenta anos de cinema brasileiro, apresentada pela Fernanda Montenegro e tudo. “À meia-noite levarei sua alma” conta a história do coveiro Zé do Caixão, vivido pelo próprio José Mojica Marins, que aterroriza com ameaças e violência a pequena cidade onde mora, e que debocha da religião e da crendice das pessoas do lugar. É um filme de terror de baixíssimo orçamento, com atores amadores, mas que impressiona pela qualidade artística: o clima de tensão que José Mojica Marins mantém durante todo o tempo é impressionante; não se assiste ao filme porque ele é “pitoresco” ou qualquer outro termo nesse sentido, mas porque ele é excelente. Fã e apoiador incondicional de José Mojica Marins, o jornalista André Barcinski deve ser um dos maiores responsáveis pelo respeito da crítica que o diretor, falecido em 2020, alcançou nos dias de hoje. Ele levou inclusive o diretor e seus filmes para festivais dos Estados Unidos, onde Zé do Caixão é conhecido como Coffin Joe. Foi principalmente num programa de entrevistas com José Mojica Marins e dirigido por André Barcinski que passava na Rede Brasil, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, que tive maior contato com o diretor. Ele era uma pessoa sem estudo, que falava português errado, e quem acompanha os podcasts B3 e ABFP, em que Barcinski participa, já teve contato com histórias saborosas cujo principal tema era a falta de cultura geral do Zé do Caixão. Assistir ao filme “À meia-noite levarei sua alma” me lembrou o grande pintor francês Henri Rousseau (1844-1910), também conhecido como Douanier (alfandegário, profissão que ele exerceu) Rousseau. A maior parte do que sei sobre artes plásticas em geral é fruto de coleções da Editora Abril que minha mãe comprava para ela, mas, principalmente, para mim: “Mestres da Pintura”, “Gênios da Pintura” e, por último mas não menos importante, a “Enciclopédia Abril” - já citada aqui num texto sobre o grande diretor Erich von Stroheim. Henri Rousseau, conforme os textos obtidos nas fontes da Abril e reproduzidas aqui, era um gênio da pintura que não tinha tido educação formal. De mentalidade burguesa, ele queria mesmo era ser reconhecido pela Academia, por mais que pudesse expor suas obras no muito mais importante – posteriormente - Salão dos Independentes, juntamente com gênios como Degas e Cézanne. Ingênuo e pouco interessado na revolução que os impressionistas, cubistas e surrealistas estavam fazendo nas artes plásticas, Rousseau chegou a ter um jantar meio debochado em sua homenagem promovido por Pablo Picasso, mas não percebeu a ironia na intenção do grande espanhol. O interessante é que aqueles grandes pintores se divertiam com a falta de horizontes intelectuais do Douanier ao mesmo tempo que sabiam da genialidade dele. E é uma coincidência engraçada que, assim como o já citado Erich von Stroheim, por quem também sou obcecado, Henri Rousseau também inventava glórias passadas de sua própria vida que simplesmente não aconteceram. As pinturas de Henri Rousseau, é só dar uma fuçada no Google Images para sacar, são impressionantes: gênio no uso da cor, ele criou imagens fortíssimas que – mesmo com um erro de proporção aqui e ali – não saem da cabeça depois de serem vistas com algum cuidado. O quadro “O sonho”, que acompanha este texto, não me deixa mentir. O fato de fazer uma arte de extraordinária qualidade mesmo sem estudo formal fez o grande dramaturgo Alfred Jarry chamar Rousseau de “primitivo”. O tipo de arte que ele fazia hoje em dia é chamada de “naïf” (ingênua, em francês), epíteto que também pode ser sem problemas utilizado para o nosso Zé do Caixão. Fui ver na internet se alguém tinha percebido o paralelo entre os dois, e rapidamente achei a dissertação de Daniela Pinto Senador[1], em que é transcrito um depoimento do cineasta e crítico Gustavo Dahl: “quando apareceu o Mojica Marins ele era uma espécie de Henri Rousseau e Douanier Rousseau do cinema; repetiu a mesma relação que os surrealistas tiveram com Rousseau”. [1] Senador, Daniela Pinto. Das primeiras experiências ao fenômeno Zé do Caixão: um estudo sobre o modo de produção e a recepção dos filmes de José Mojica Marins entre 1953 e 1967. 2008. Dissertação (Mestrado em Estudo dos Meios e da Produção Mediática) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-05072009-230157/ >. Acesso em: 26 jun. 2021.
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“Greed”, de Erich von Stroheim
Cinema
“Greed”, de Erich von Stroheim
25 de abril de 2021 at 17:59 0
Poucos filmes têm uma história tão mítica e trágica quanto “Greed” (“Ouro e Maldição” no Brasil), lançado em 1924. O seu diretor, Erich von Stroheim, o considerava a sua melhor obra e dizia que os cortes que o estúdio promoveu no filme o feriram tanto profissional quanto pessoalmente. “Greed”, baseado no romance naturalista publicado em 1899 “McTeague”, do escritor americano Frank Norris, conta a história de John McTeague (Gibson Gowland), um trabalhador de minas que, após aprender o ofício, acaba trabalhando como dentista. Ele se casa com Tina Sieppe (ZaSu Pitts), prima de seu melhor amigo, Marcus Schouler (Jean Hersholt), e é a vitória dela numa loteria que acaba colocando a vida de todos de cabeça para baixo: Tina fica obcecada com o dinheiro, não gasta um centavo dele, e também não deixa o marido – um bom homem, mas limitado intelectualmente – gastá-lo (não à toa, o título do filme, “Greed”, é “avareza” em português). Acho que não precisa contar mais nada do enredo, para não estragar a surpresa. Stroheim apresentou a sua versão inicial de “Greed”, de oito horas de duração, para um grupo pequeno de jornalistas e conhecidos. Boa parte dos presentes saiu da sala de projeção dizendo que este era o “melhor filme de todos os tempos”. Depois disso começou o drama do pré-lançamento. A Goldwyn Company (antecessora da Metro-Goldwyn-Mayer), produtora do filme, obviamente não gostou da ideia de lançar um filme tão longo e pediu para Stroheim deixá-lo num tamanho aceitável. Ele fez os cortes que quis e diminuiu o filme para quatro horas, mas mesmo assim a produtora não gostou e pediu para o editor Joseph W. Farnham diminuí-lo ainda mais - e o filme acabou com as quase duas horas e meia atuais. Stroheim ficou furioso com o resultado final e disse que “Greed” “foi cortado por editor que não tinha nada na cabeça fora o chapéu”. Entre os trechos cortados de “Greed”, por exemplo, as histórias paralelas de dois casais vizinhos – um casal bom, outro mau - dos McTeague foram eliminadas inteiramente! A versão de “Greed” original de oito horas de duração tornou-se uma espécie de Santo Graal do cinema, com diversos comentários ao longo do tempo dizendo que a versão completa do filme tinha sido vista aqui e ali - Stroheim chegou a dizer que o ditador italiano Benito Mussolini tinha uma cópia -, mas não se encontrou nenhuma prova de que essa versão realmente exista em algum lugar. A Turner fez uma versão de quatro horas, juntando o roteiro original de Stroheim com trechos e fotos não aproveitados na versão comercial. Em sua espetacular biografia “Stroheim”, Arthur Lenning comenta que promoveu a reconstrução de outro filme de Stroheim também dilapidado, “Foolish Wives”, aumentando significativamente o tamanho da versão da produtora; na estreia da sua versão da película, “um dos grandes amantes de filmes silenciosos” chegou para Lenning e lhe disse: “grande trabalho, mas fico feliz que você não tenha encontrado ainda mais” trechos não aproveitados do filme. Realmente, a sensibilidade moderna tende a rejeitar filmes silenciosos, por mais geniais que eles sejam. Quanto a mim, já assisti ao filme três vezes (duas das quais descrevi aqui) e pretendo revê-lo algumas vezes ainda. A história contada por Stroheim é sórdida e fascinante em proporções iguais, e merece toda a fama que tem; só lamento que a versão a que assisti no YouTube não tem a parte final, filmada no Vale da Morte na Califórnia, tingida de amarelo como aquela do próprio Stroheim – de todo modo, trechos dessa versão amarelada podem ser vistos aqui. Mas eu concordo com Arthur Lenning quando ele diz que é um erro considerar – como por muito tempo foi a opinião geral da crítica – que Stroheim foi o diretor de somente um filme importante, “Greed”. Na verdade, o restante dos seus filmes tem o mesmo nível artístico - e ainda não tenho ideia de qual é o meu preferido entre eles.
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Algumas histórias minhas com Erich von Stroheim
Cinema
Algumas histórias minhas com Erich von Stroheim
7 de março de 2021 at 17:38 0
Isso aconteceu há alguns anos. Estava mudando de canal até que apareceu a imagem de Erich von Stroheim na tela do Telecine Cult. Era um filme mudo que estava bem no final, e os poucos minutos a que assisti foram marcantes, nunca mais me esqueci deles. Várias imagens passaram na minha mente depois que ele terminou. A primeira, claro, foi a do verbete da Enciclopédia Abril que eu tinha lido diversas vezes na adolescência e que reproduzi aqui. Nele, se dizia que Stroheim (austríaco, nascido em 1885, e que fez sua carreira como diretor em Hollywood) era um caso “típico” de “poder criador liquidado pelo sistema industrial”. O verbete dizia que, devido ao seu “naturalismo delirante”, seus filmes sofriam impedimentos de “ordem moral” por parte dos produtores e, para exemplificar isto, é citado o texto de um crítico cinematográfico segundo o qual um de seus filmes, “Foolish Wives”, “deveria ser interditado”, pois era um caso de “alta traição contra a América e um insulto à mulher em geral” – o crítico citado ainda comenta que “mataria o homem que levasse meus filhos a assistir este filme”. Além do fato de um diretor de cinema ocupar quase duas páginas na Enciclopédia Abril, muitas coisas me fascinavam em Erich von Stroheim. O fato de o diretor ter uma aparência tão militar (só ver a foto que acompanha este texto, obtida aqui) e mesmo assim ser um gênio do cinema. O fato de ele ser uma pessoa que inventava seu passado (o “von”, partícula que indica nobreza, de seu nome foi criação sua). A injustiça que Hollywood fez com ele, que não conseguiu mais papéis como diretor, mas apenas como ator – vale aqui reproduzir, com pequenas adaptações, a parte do verbete que fala de sua participação no clássico “O Crepúsculo dos Deuses”: “Em 1950, trabalhou em outro filme de prestígio, ‘Sunset Boulevard’, de Billy Wilder. Seu papel é o de um grande diretor cinematográfico dos tempos de cinema mudo que, para sobreviver na nova era de som e imagem, torna-se mordomo de uma ex-estrela dos anos de 1920. Para fugir à depressão, a antiga ‘diva’ (interpretada por Gloria Swanson) relembra os tempos áureos mandando projetar fragmentos do velho ‘Queen Kelly’ (dirigido por Stroheim e interpretado pela própria Gloria Swanson). Certos críticos viram em ‘Crepúsculos dos Deuses’ um exercício de sadomasoquismo para o velho diretor. Bob Bergut chegou a dizer que ‘Hollywood vingou-se cruelmente de Stroheim’ fazendo-o trabalhar nesse filme ‘que ultrapassou até os limites da decência’”. A outra lembrança que me veio à mente quando vi o trecho do filme de Stroheim no Telecine Cult é divertida, e meio ridícula. Foi assim: eu ainda namorava a Valéria e a levei para assistir “Ouro e Maldição”, tradução brasileira de “Greed”, considerado por muitos críticos um dos dez melhores filmes de todos os tempos. Quem conheceu a antiga Cinemateca do Museu Guido Viaro aqui em Curitiba sabe que a sala de projeção era pequena, com bancos desconfortáveis de madeira e, frequentemente, com problemas no ar-condicionado. Pois bem, foi lá que eu a levei para assistir a este clássico do cinema. A cópia de “Ouro e Maldição” tinha intertítulos (as legendas do cinema mudo) em inglês e, para resolver a questão de idioma, tinha um sujeito na primeira fila traduzindo o que estava escrito na tela para os espectadores. Só que o filme era estranho, e não só por ser mudo: a história não fazia muito sentido. E eu, o namorado que tinha levado a namorada naquele programa esquisito, estava obviamente desconfortável. Pois bem: lá pelas tantas o filme acaba e os espectadores não conseguem disfarçar o incômodo. É quando o “tradutor” vem à frente da sala de projeção e explica o porquê da estranheza: o filme tinha três rolos, e um deles não tinha sido projetado. É por isso que ele era tão estranho! Enfim, o sujeito pediu desculpas para a plateia e pergunta se queríamos ver o primeiro rolo. Queríamos, claro (mas não sei se a Valéria estava muito a fim de ver, haha). Em outra ocasião, não sei se já estava casado ou não, a levei novamente para ver “Ouro e Maldição”, desta vez na ordem certa. Eu amei, mas não sei até hoje se minha – hoje – esposa gostou ou não. De todo modo, não me saiu da lembrança o comentário que meu falecido sogro, nascido em 1917, fez quando a Valéria lhe contou sobre nossas aventuras com Stroheim na Cinemateca: “um grande diretor, um grande ator”. O último filme dirigido pelo diretor, o já citado “Queen Kelly”, foi lançado em 1932, o que significa que meu sogro acompanhou o auge comercial de Stroheim – apenas para comparação, minha mãe, que amava cinema na juventude e que nasceu em 1943, nunca tinha ouvido falar nele. Agora estou com um projeto pessoal de ver todos os filmes dirigidos por Erich von Stroheim, e já assisti a cinco dos nove que ele realizou (todos podem ser vistos de graça no YouTube, aliás). Estou lendo também a ótima biografia “Stroheim”, de Arthur Lenning (The University Press of Kentucky, 588 páginas). Pretendo comentar sobre os filmes e o livro por aqui ainda. É claro que, neste processo de assistir aos filmes de Erich von Stroheim, eu estava curioso para saber qual era aquele citado no início deste texto. Acabei descobrindo: era “The Wedding March”, que teve uma continuação, chamada “Honeymoon”, que infelizmente se perdeu num incêndio em Paris. Na biografia de Arthur Lenning consta uma descrição minuciosa do que se sabe sobre este filme perdido, que ainda não li. Como nota final, acabei procurando sobre a transmissão de “The Wedding March” no Telecine Cult, e encontrei este texto na revista de cinema Contracampo, que comenta que a versão transmitida foi a restaurada - e eu lembro bem da excelente qualidade da imagem. Pois bem: infelizmente, a que eu assisti no YouTube está bem desgastada. Fui procurar o filme no canal de streaming da Telecine e, obviamente, nada de “The Wedding March”. Que ódio.
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