É fato que eu gosto de mais estilos musicais do que deveria. Pop de FM, música de câmara, rap alternativo, raw black metal, algumas poucas coisas de rock, jazz dos anos 50-60, algumas poucas coisas de MPB (especificamente, João Gilberto, Jorge Ben e o Roberto Carlos dos anos 70), metal cachecol, lieder do período romântico, barroco (Bach e Henry Purcell), Frank Sinatra e Charles Aznavour são as coisas que escuto com certa regularidade.
Mas tem um estilo musical específico pelo qual eu tenho um carinho especial: o chamado “country blues”, ou blues rural, o blues acústico que começou a ser gravado nos anos 20 e que tem faixas belíssimas lançadas até os anos 60, quando descobriram, ou redescobriram, caras como Skip James e Mississippi Fred McDowell e deram-lhes a chance para que gravassem com tecnologia moderna. A grande maioria das faixas dos bluesmen que estou citando neste texto é cheia de chiados, que podem irritar alguns ouvidos mas que para mim só aumentam o charme da coisa.
Boa parte destes músicos tem o termo “blind” no nome: Blind Lemon Jefferson, Blind Willie McTell, Blind Boy Fuller, Blind Blake, Blind Willie Johnson. Imagino os Estados Unidos dos anos 20, um país racista que não dava chances de crescimento pessoal para os negros – se fossem cegos, ainda, caso tivessem algum talento para a música restava o recurso de sentar numa esquina para ganhar uns trocados. Com tudo isto, alguns deles, como Blind Lemon Jefferson, fizeram sucesso ainda em vida. Outros tantos, como Blind Willie Johnson, fizeram sucesso e acabaram na pobreza por causa da Crise de 29: mas pense aqui comigo, as sondas espaciais Voyager 1 e 2, que já ultrapassaram a órbita de Plutão, levam dentro delas um toca discos que pode tocar um LP de ouro com o que de melhor a humanidade produziu em termos de música – como a sensacional “Dark Was the Night, Cold Was the Ground”, do próprio Blind Willie Johnson.
Muitas das histórias dos cantores de blues daquele tempo são tristes ou trágicas. Esta coluna de André Barcinski conta a história da cantora Elvie Thomas, autora do maravilhoso “Motherless Child Blues”, encontrada com mais de 90 anos quase sem memória em Houston. A letra da pungente “Washington D.C. Hospital Center Blues” conta como Skip James, pobre e com câncer terminal, foi bem tratado por médicos e enfermeiros do hospital, porque era “um homem pobre, mas um bom homem”. O mítico Robert Johnson morreu envenenado aos 27 anos por um marido ciumento.
Outros fizeram sucesso até o final da vida, seja mantendo-se fiel ao contry blues (Big Bill Broonzy), seja eletrificando o som de vez em quando (John Lee Hooker, Lightnin’ Hopkins) – mas eu mesmo raramente escuto gravações de músicos originários do “country blues” tocando guitarra elétrica.
É meio difícil explicar por que gosto tanto de um estilo de música aparentemente tão simples, tão mal gravado, mas ao mesmo tão pungente. O fato é que, por mais tristes que sejam as histórias dos bluesmen, por mais melancólicas que sejam as letras e as melodias das canções, a música que eles cantavam apontava para uma alegria e uma esperança absolutamente inesperadas.
Deve ser isso.
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