“Só Garotos”, de Patti Smith
Literatura

“Só Garotos”, de Patti Smith

11 de dezembro de 2016 0

Quando recebeu a notícia, por telefone, que o grande fotógrafo (e antigo namorado) Robert Mapplethorpe tinha falecido, Patti Smith estava ouvindo a ária “Vissi d`arte”, da ópera Tosca. Nas palavras dela: “Vivi por amor, vivi pela arte. Fechei os olhos e juntei as mãos. A Providência decidiu como eu me despediria.”

É desta maneira emocionante que tem início Só Garotos (Companhia das Letras, 264 páginas.), da cantora, poetisa e desenhista Patti Smith, compositora do disco Horses – um dos mais importantes e influentes da história do rock. O livro surgiu a partir da promessa que Patti Smith fez a Robert Mapplethorpe antes que este morresse, a de que escreveria uma obra contando a história dos dois. Só Garotos recebeu o principal prêmio literário dos Estados Unidos na categoria não-ficção, o National Book Awards. Conforme a cantora comentou recentemente, o prêmio fará com que mais pessoas conheçam o “verdadeiro Robert”.

Patti Smith nasceu em 1946 e é originária de uma família pobre mas amorosa. Ela morou na Pensylvania e em Nova Jersey, lugar em que praticamente não havia empregos para jovens e de onde partiu para tentar a sorte em Nova York, em 1967. Lá viveu na rua durante um bom tempo (a falta de dinheiro é um tema constante em Só Garotos). Já Mapplethorpe vinha de uma família conservadora e mais bem estabelecida. Também foi tentar a sorte em NY, onde encontrou Patti Smith, com quem logo começou a namorar. Os dois tinham altos ideais artísticos, ele no desenho e ela na poesia – interessante que ele acabou fazendo sucesso na fotografia e ela na música.

Só Garotos mostra o dia-a-dia da vida dos dois na grande metrópole. Os diversos empregos mal remunerados que iam arranjando para pagar as contas. Os lugares que eles encontravam para morar juntos. As suas pouquíssimas opções de lazer. A dolorosa descoberta do homossexualismo de Mapplethorpe – famoso posteriormente por suas fotos artísiticas de sadomasoquismo e nus masculinos – e o consequente rompimento do namoro. A volta dos dois a morarem na mesma casa, agora como amigos. O início do sucesso.

Outro ponto importante descrito no livro é a relação dos dois com a arte – que tanto Patti quanto Robert levavam extremamente a sério. Ele praticamente não lia nada mas ficava horas e horas tentando novas maneiras de abordar a pintura e as artes plásticas. Ela desenhava e fazia poesias. A época e o lugar eram de uma efervescência ímpar: a autora conheceu Jimi Hendrix, Janis Joplin, Allen Ginsberg, além de diversos outros artistas, e foi em shows dos Doors e do Velvet Underground. O uso de drogas era disseminado, mas ela era abstêmia na maior parte do tempo. O que importava mesmo para ela era a arte e seu relacionamento com Mapplethorpe – que continuou intenso mesmo depois que ele passou a namorar somente homens.

Este é um livro sensível, emocionante e de uma religiosidade profunda. O amor e a admiração que Patti Smith tem por Robert Mapplethorpe é sentido em cada página. Mesmo quando ele parecia se aprofundar além da conta em suas pesquisas com energias negativas (em um contexto que nada tem a ver com homossexualismo, é preciso deixar claro), o amor dela por ele continuava profundo. Preocupada e rezando para que ele saísse daquela vibração pesada. Mas sempre o amando.

(publicado no Mondo Bacana em janeiro de 2011)

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