Patti Smith

Literatura
“Devoção”, de Patti Smith
19 de janeiro de 2020 at 16:20 0
foto do autor

Lançado em 2019, “Devoção” (Companhia das Letras, 140 páginas, com tradução de Caetano W. Galindo) começa como seus excelentes “Linha M” e “O ano do macaco”, com a cantora e escritora Patti Smith em seu lindo estilo carinhoso e impressionista. No caso aqui, ela discorre sobre uma viagem para Paris e comenta sobre Patrick Modiano e Simone Weil. 

Lá pelas tantas ela fala de um conto que está escrevendo, chamado “Devoção” – e, quando eu não estava esperando, o conto começa. Este conta a história de Eugenia, uma garota muito inteligente mas que não dá importância para os estudos, órfã, filha de pais estonianos e criada pela irmã, Irina, e o namorado dela, Martin. O que Eugenia realmente gostava de fazer era patinar – e foi num lago congelado onde ela passava horas praticando o esporte que ela conhece Alexander, homem rico que não só tem um caso e acaba morando com nossa heroína, como começa a pagar os treinos de Eugenia para que esta se profissionalize na patinação.

Fiquei meio dividido em relação a “Devoção”, que em muitos trechos me pareceu meio ingênuo, ou didático demais. A solução que Patti Smith dá para o conto acaba dando um jeito no que parecia um caso perdido. 

De todo modo, a última parte do livro, “Um sonho não é um sonho”, Patti Smith volta ao seu estilo de sempre, descrevendo uma visita à casa onde Albert Camus passou os últimos dias da vida, convidada pelos descendentes do escritor. E o livro termina de maneira sublime:

"Qual a tarefa? Compor uma obra que comunique em vários níveis, como numa parábola, sem a marca da inteligência vulgar.

Qual o sonho? Escrever algo bom, que fosse melhor do que eu sou, e que justificasse minhas tribulações e indiscrições. Oferecer prova, por meio de palavras reordenadas, de que Deus existe.

Por que eu escrevo? Meu dedo, como uma caneta de ponta seca, retraça a pergunta no ar em branco. Um enigma conhecido, proposto desde a juventude, quando eu me afastava das brincadeiras, dos companheiros e do vale do amor, cingida de palavras, um passo fora do grupo.

Por que escrevemos? Irrompe um coro.

Porque não podemos somente viver."

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Literatura
“Violetas e pavões”, de Dalton Trevisan, e “O ano do macaco”, de Patti Smith
22 de dezembro de 2019 at 15:55 0
Dalton Trevisan: Revista Veja

Dois livros que me causam alguns problemas para comentar, por motivos diferentes.

A última obra publicado por Dalton Trevisan, em 2014, “Violetas e pavões” (Record, 143 páginas) é um livro de contos muito diferente do que estamos acostumados do normal do grande curitibano: em boa parte das suas histórias, um viajante (que não sabemos se é o próprio escritor) vai desfilando impressões sobre diferentes cidades, principalmente na Itália. Em alguns contos aparecem bordéis e prostitutas, mas tudo de maneira muito sutil e delicada – nada parecido com a histórias escabrosas que fizeram a fama de Dalton Trevisan. “Violetas e pavões” é um livro que poderia ser chamado de impressionista: são feitas muitas descrições de ambientes, cidades e lugares, de maneira ao mesmo tempo intimista e distante. Não é um livro ruim, não mesmo, mas se eu não soubesse que era de Dalton Trevisan eu não iria achá-lo chato? Prefiro não pensar muito na resposta.

Já o recém lançado “O ano do macaco”, da escritora e cantora Patti Smith (Companhia das Letras, 164 páginas), assim como seus anteriores e maravilhosos “Só garotos” e “Linha M”, é autobiográfico, e a autora conta histórias de sua vida de sua maneira fascinante, afetiva e original. Só que em “O ano do macaco” o sobrenatural – que já teve um pequeno papel em “Linha M” – praticamente toma conta de toda história: às vezes não sabemos se o que ela conta é realidade, sonho ou simplesmente delírio (por exemplo, ela conversa, a sério, com uma placa de trânsito).

Uma das dificuldades para comentar o livro – ao contrário daquele de Dalton Trevisan citado acima - é definir por que ele é tão maravilhoso, já que ele é constituído apenas por histórias que "vão passando". A outra dificuldade, pessoal, é como fazer para explicar o poder hipnótico de “O ano do macaco”: afinal de contas, todas as loucuras que ela conta no livro me pareceram perfeitamente racionais enquanto eu o lia.

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Melhores livros lidos em 2016
Literatura
Melhores livros lidos em 2016
28 de dezembro de 2016 at 19:46 0
  1. “Fogo pálido”, de Vladimir Nabokov: um poema relativamente curto e páginas e páginas de notas num romance que influenciou meu próprio romance.
  2. “A Morte do Pai”, de Karl Ove Knausgard: a adolescência, o início da idade adulta e a complicada relação com o pai deste escritor que tem obras tão envolventes que certamente são publicadas no Paraíso.
  3. “Linha M”, de Patti Smith: como o de cima, também de memórias e também com vendas garantidas no Paraíso.
  4. “Ligue os Pontos – Poemas de Amor e Big Bang”, de Gregório Duviver: os poemas de Gregório Duvivier, humorista conhecido por todo o mundo, são de uma beleza surpreendente.
  5. “O livro de Oseias”: Deus manda o seu profeta casar com uma prostituta. Não precisa falar muito mais.
  6. “O Jardim Secreto”, de Frances Hodgson Burnett: personagens deliciosos, um jardim cheio de belezas e mistérios.
  7. “Paraíso Perdido”, de Cees Nooteboom: uma história estranha que envolve duas mulheres, o Brasil, a Austrália e um monte de anjos.
  8. “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo Padura: o assassinato de Trotski num verdadeiro tour-de-force literário.
  9. “Amanhã na batalha pensa em mim”, de Javier Marías: o homem errado, no lugar errado, com a mulher errada. Como consertar o que não tem conserto?
  10. “Vida de um homem: Francisco de Assis”, de Chiara Frugoni: a autora tenta nos contar quem era São Francisco de Assis, e do seu livro emerge um sujeito meio louco (louco de Deus?), profundamente bondoso, corajoso e bem-humorado.
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“Só Garotos”, de Patti Smith
Literatura
“Só Garotos”, de Patti Smith
11 de dezembro de 2016 at 09:49 0
Quando recebeu a notícia, por telefone, que o grande fotógrafo (e antigo namorado) Robert Mapplethorpe tinha falecido, Patti Smith estava ouvindo a ária “Vissi d`arte”, da ópera Tosca. Nas palavras dela: “Vivi por amor, vivi pela arte. Fechei os olhos e juntei as mãos. A Providência decidiu como eu me despediria.” É desta maneira emocionante que tem início Só Garotos (Companhia das Letras, 264 páginas.), da cantora, poetisa e desenhista Patti Smith, compositora do disco Horses – um dos mais importantes e influentes da história do rock. O livro surgiu a partir da promessa que Patti Smith fez a Robert Mapplethorpe antes que este morresse, a de que escreveria uma obra contando a história dos dois. Só Garotos recebeu o principal prêmio literário dos Estados Unidos na categoria não-ficção, o National Book Awards. Conforme a cantora comentou recentemente, o prêmio fará com que mais pessoas conheçam o “verdadeiro Robert”. Patti Smith nasceu em 1946 e é originária de uma família pobre mas amorosa. Ela morou na Pensylvania e em Nova Jersey, lugar em que praticamente não havia empregos para jovens e de onde partiu para tentar a sorte em Nova York, em 1967. Lá viveu na rua durante um bom tempo (a falta de dinheiro é um tema constante em Só Garotos). Já Mapplethorpe vinha de uma família conservadora e mais bem estabelecida. Também foi tentar a sorte em NY, onde encontrou Patti Smith, com quem logo começou a namorar. Os dois tinham altos ideais artísticos, ele no desenho e ela na poesia – interessante que ele acabou fazendo sucesso na fotografia e ela na música. Só Garotos mostra o dia-a-dia da vida dos dois na grande metrópole. Os diversos empregos mal remunerados que iam arranjando para pagar as contas. Os lugares que eles encontravam para morar juntos. As suas pouquíssimas opções de lazer. A dolorosa descoberta do homossexualismo de Mapplethorpe – famoso posteriormente por suas fotos artísiticas de sadomasoquismo e nus masculinos – e o consequente rompimento do namoro. A volta dos dois a morarem na mesma casa, agora como amigos. O início do sucesso. (mais…)
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“Linha M”, de Patti Smith, e “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector
Literatura
“Linha M”, de Patti Smith, e “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector
1 de maio de 2016 at 23:46 0
Eu já tinha ficado fascinado com “Só Garotos”, a primeira obra em prosa de Patti Smith, uma das mais importantes cantoras do movimento punk (meu comentário sobre o livro foi publicado no Mondo Bacana). O livro contava a história da amizade da autora com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, famoso por sua obra de temática gay, quando do difícil início da carreira dos dois. O segundo livro em prosa de Patti Smith, “Linha M”, recentemente publicado, é uma espécie de relato autobiográfico, mas está longe de ser um livro de memórias comum - não deixando de ter uma qualidade meio misteriosa. (mais…)
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