Eu já tinha ficado fascinado com “Só Garotos”, a primeira obra em prosa de Patti Smith, uma das mais importantes cantoras do movimento punk (meu comentário sobre o livro foi publicado no Mondo Bacana). O livro contava a história da amizade da autora com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, famoso por sua obra de temática gay, quando do difícil início da carreira dos dois. O segundo livro em prosa de Patti Smith, “Linha M”, recentemente publicado, é uma espécie de relato autobiográfico, mas está longe de ser um livro de memórias comum – não deixando de ter uma qualidade meio misteriosa.

Em “Linha M” Patti Smith descreve cenas mais ou menos aleatórias de sua vida recente: a rotina ao tomar café da manhã todos os dias na mesma lanchonete; algumas de suas viagens e conferências – com destaque para a sua participação  num estranhíssimo “Continental Drift Club”, “uma sociedade obscura que atua como uma agência independente da comunidade de geociência” dedicado à memória do geólogo Alfred Wegener; alguns sonhos recorrentes (apresentando inclusive um esquisito vaqueiro filósofo); as lembranças da vida em comum com o marido, Fred “Sonic” Smith, da banda MC5; suas visitas a túmulos de artistas – como o cineasta Yasujiro Ozu, o escritor Yukio Mishima e a poetisa Sylvia Plath – para tirar fotos com sua Polaroid.

E o que tem de misterioso nisso? O mistério está no próprio fato de “Linha M” ser tão fascinante: não sabemos aonde Patti Smith quer chegar com suas histórias, já que ela não justifica basicamente nenhuma de suas ações ou descrições. Mas não dá para parar de ler, tal a beleza do livro.

Tão bonito quanto, “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, de Clarice Lispector, diferentemente de “Linha M”, é um romance com um objetivo bem definido: contar a história do desenvolvimento pessoal e espiritual da personagem principal, Lóri – uma professora primária solteira de família rica -, quando instigada por Ulisses, professor de filosofia com uma infinita paciência para todas as hesitações e inseguranças dela. Também ao contrário de “Linha M”, que é relativamente fácil de ler, o romance de Clarice Lispector é uma obra de leitura difícil (começa com uma vírgula, para que se tenha uma ideia), mas também plenamente recompensadora.

Estas duas obras tão profundamente diferentes em termos de estilo e objetivo são bons exemplos de como há mais de uma maneira de se escrever um livro de qualidade excepcional.